Petrobras (PETR4) tem números fortes e anúncio de dividendos recordes, mas qual valor será efetivamente pago?

Companhia anunciou reserva para reter até R$ 6,5 bi de proventos, já sinalizando primeiros passos para fim da tese de dividendos, segundo analistas

Lara Rizério

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A Petrobras (PETR3;PETR4) registrou mais uma vez números fortes no quarto trimestre de 2022 (4T22) e no ano, além de um robusto pagamento de dividendos.

A companhia fechou o quarto trimestre de 2022 com lucro de R$ 43,3 bilhões, 37,6% a mais do que há um ano, e 6% menor do que o registrado no terceiro trimestre de 2022. No ano, a cifra foi de R$ 188,3 bilhões, sendo 76,6% superior ao apurado no ano anterior e recorde histórico entre as companhias de capital aberto.

O foco, como já bastante destacado nos últimos meses, contudo, ficou com os dividendos da estatal, em meio às indicações de possíveis mudanças com a nova gestão da companhia (agora no comando de Jean Paul Prates).

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Neste sentido, à primeira vista, a empresa não decepcionou: com o anúncio de pagamento de dividendos no valor de R$ 2,74573369 por ação preferencial e ordinária, totalizando R$ 35,8 bilhões no período, ela soma R$ 215,8 bilhões em proventos em referência ao resultado de 2022, mais do que o dobro do que foi pago em 2021. Para ter dimensão dos valores envolvidos, com esse montante é possível bancar três vezes o orçamento atual do Bolsa Família. O valor dos dividendos supera o lucro da empresa no ano passado.

Porém, um anúncio junto com a divulgação dos proventos na noite de ontem gera alguma incerteza para o mercado e já mostra os primeiros passos do novo governo em busca de uma mudança na política de dividendos.

Os dividendos de R$ 2,74573369 correspondem a um dividend yield (valor do provento sobre o preço da ação) de 10%, ou 40% anualizado, mas a companhia propôs uma retenção de até R$ 0,49806828 por ativo. Segundo a companhia, a proposta de reserva estatutária é dado que o montante proposto ultrapassa a aplicação da fórmula prevista na Política de Remuneração em R$ 6,5 bilhões no trimestre, ou cerca de 27% do valor. 

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Embora a Petrobras tenha frisado que o montante ultrapassou níveis da fórmula, a sugestão da criação da reserva na primeira divulgação de resultados com o novo presidente da estatal, Jean Paul Prates, ocorre em momento em que parte da classe política e da sociedade questionam os grandes volumes pagos aos acionistas, enquanto os preços dos combustíveis no país oscilam ao sabor das cotações internacionais, às vezes onerando consumidores.

O próprio Prates, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já questionou os grandes volumes distribuídos de dividendos, o que também limitaria investimentos da companhia. A Petrobras disse que ainda não foi definida a finalidade da reserva de recursos, caso a proposta seja aprovada pelo quadro de acionistas, no qual a União tem participação majoritária.

Caso os acionistas não acatem a sugestão de criar a reserva ou caso não seja retido todo o saldo, conselho recomendou aos acionistas que o pagamento desses R$ 6,5 bilhões ou do saldo remanescente em 27 de dezembro de 2023, corrigidos pela taxa Selic e deduzidos do valor da segunda parcela de dividendos. Caso a proposta de distribuição de dividendos seja aprovada na Assembleia Geral dos Acionistas sem a retenção de reservas e sem postergação sugerida pelo conselho, os dividendos serão pagos em duas parcelas iguais nos meses de maio e junho.

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Conforme destaca a XP, como a decisão será feita pelos acionistas, caberá ao governo federal (majoritário) decidir se o dividendo será pago ou não. Se não aprovado, mesmo assim o dividend yield seria representativo, de 8% no trimestre.

“Por enquanto, mantemos nossa recomendação de compra para a ação, mas reconhecemos que este é uma tese de investimento de alto risco e preferimos operacionalizar nossa visão positiva sobre os preços do petróleo por meio de outros mecanismos”, afirmam os analistas da casa.

O Bradesco BBI também ressaltou que o valor do provento corresponde a um dividend yield entre 8% e 10%. Com base em sua pesquisa com investidores, o número mais alto era esperado por apenas 36% dos participantes e, assim, projetava uma reação positiva das ações da companhia. Na noite da véspera, os ADRs (recibo de ações negociados na Bolsa de Nova York) PBR (correspondentes aos PETR3) tiveram ganhos de cerca de 4% no after market repercutindo a notícia; contudo, às 9h20 (horário de Brasília) desta quinta, os ativos subiam apenas 0,09%, a US$ 11,10. Já na abertura de mercado na B3, as ações chegaram a cair cerca de 1% e, às 10h20, tinham leve queda, de 0,21% para os papéis ON e de 0,43% para as ações PN, a R$ 28,69 e R$ 25,19, respectivamente. Minutos depois, as baixas se intensificaram, com os ativos caindo cerca de 2%.

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“A questão-chave, no entanto, é se essa proposta de dividendo será efetivamente paga. Como discutido anteriormente, o governo tem o poder de vetar qualquer pagamento na Assembleia Geral de Acionistas a realizar no final de abril”, avalia.

Também com base em sua pesquisa, 75% dos participantes acreditam que o governo não tentará bloquear grande parte dos dividendos propostos pela administração na Assembleia de acionistas no fim de abril. Isso significa que, se o fizer, as ações podem cair bruscamente.

De qualquer forma, as repercussões desta proposta de dividendo com o governo, o PT  e a mídia serão a primeira cadeia importante de eventos a monitorar, avalia. Depois disso, as próximas etapas importantes para monitorar é se haverá mudanças propostas à política de dividendos pela nova administração, a serem apreciadas pela nova diretoria, provavelmente em maio. Outras mudanças potenciais, como política de preços de combustível e potencial mudanças nos estatutos serão eventos críticos.

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O Goldman Sachs apontou que buscará entender melhor os detalhes durante as calls com o mercado feitas pela companhia nesta quinta-feira. Mas, como referência, mesmo excluindo a parte potencialmente retida dos dividendos, o pagamento total ainda seria de US$ 5,6 bilhões, comparado a sua estimativa de US$ 6 bilhões.

De acordo com o JPMorgan, a proposta de uma reserva estatutária acrescenta um ruído ao que parecia uma decisão muito positiva para os dividendos. “No entanto,  parece haver uma vontade de pagar pelo menos o dividendo mínimo, o que significa que tudo está acontecendo de acordo com as regras, o que é obviamente positivo, a nosso ver”, apontam os analistas.

O Morgan Stanley ressaltou que a sua visão de que não houvesse nem mesmo anúncio de dividendos no quarto trimestre de 2022 se mostrou excessivamente pessimista. “Porém, renovamos a convicção de que a história dos dividendos acabou. O ato final, no entanto, será a reunião de acionistas em 27 de abril, com toda a nova equipe comandando o show”, aponta.

Com relação à Assembleia do fim de abril, o Morgan avalia que há risco na proposta de dividendos, ainda que seja um risco marginal. “Se o governo federal (principal acionista), por influência de seus novos representantes na empresa (que já terão tomado posse na ocasião), decidir votar contra a proposta, o rendimento do último trimestre de cerca de 10% estará em risco”, avalia.

Vamos aos números do 4º tri

Já com relação aos números do quarto trimestre, a XP destaca que a Petrobras apresentou outro conjunto de fortes dados financeiros, ainda que com alguns indicadores decepcionando as estimativas. O lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) ajustado foi de US$ 13,9 bilhões (queda de 20% frente o 3T22, mas alta anual de 23%), número que ficou cerca de 15% abaixo da estimativa da casa, pois esperava melhores margens em todas as unidades de negócio.

A empresa gerou US$ 9,3 bilhões em fluxo de caixa operacional menos investimentos (yield de 14% ou 55% anualizado), mais US$ 2,9 bilhões gerados pela venda de ativos e a compensação financeira dos acordos de coparticipação dos campos de Sépia e Atapu.

O Morgan destacou que o Ebitda ajustado ficou 9% abaixo da sua expectativa, com  despesas de exploração mais altas, impostos operacionais, custos de extração de exploração e produção ligeiramente mais altos e margens de refino ligeiramente mais baixas. “Destacamos (positivamente) o refino, especificamente, com um Ebitda trimestral praticamente estável e uma margem ainda muito atraente de US$ 11,6 por barril”, aponta. O fluxo de caixa de livre de US$ 7,5 bilhões também foi robusto considerando o preço mais baixo do petróleo no trimestre.

Para a Genial, a empresa continuou apresentando bons indicadores operacionais, mantendo a produção de exploração e produção e de refino em linha com os trimestres passados e dentro da meta estipulada. A empresa fechou o ano com US$ 41,5 bilhões de dívida líquida, endividamento de 0,63 vez a dívida líquida/Ebitda.

“Apesar do operacional estar funcionando muito bem, (…) a companhia esta sujeita a diversos riscos ligados ao seu acionista controlador, motivo esse que nos leva a continuar com nossa recomendação de manter, apesar de suas ações negociarem em múltiplos bem descontados em relação aos pares privados”, aponta a Genial.

A casa de research reforça que o governo federal já deixou claro o seu intuito de passar a reter os dividendos da empresa e de introduzir uma política de preços que seja distinta da paridade internacional. Ainda assim, estima um rendimento em dividendos de cerca de 9% em relação as cotações atuais se considerarmos o atual preço de fechamento de PETR4 e um pay-out (provento em relação ao lucro) de 25% em relação ao lucro líquido estimado pela casa para 2023.

Na mesma linha, o Morgan tem recomendação equivalente à neutra para os ativos, esperando volatilidade contínua à medida que a nova administração e o Conselho assumam seus postos e comecem a compartilhar sua visão e estratégia para a as estatais.

“Decisões recentes sobre impostos sobre combustíveis e a criação de um imposto temporário sobre a exportação de petróleo levantam a bandeira amarela do setor e aumentam o clima de intervenção sobre as estatais, em geral. Achamos que é uma questão de tempo para a política de dividendos mudar (para pior), o capex aumentar e a política de preços de combustível ser revisada, o que nos mantém à margem, apesar do valuation muito barato”, afirmam os analistas do banco.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.