Tese revisada? O que muda para a Petrobras após a surpreendente troca de comando

Analistas veem que Magda Chambriard, indicada para o cargo, está mais alinhada aos pensamentos do governo

Lara Rizério

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O sentimento de aversão ao risco volta a dominar os investidores da Petrobras (PETR3;PETR4) e do mercado brasileiro em geral após a repentina saída de Jean Paul Prates da presidência da estatal e a indicação da ex-ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis) Magda Chambriard. A mudança em si não foi tão surpreendente, mas o momento da saída de Prates pegou os investidores de surpresa e levantou novamente os riscos de governança da estatal.

O anúncio da mudança na presidência da empresa ocorreu um dia após a divulgação dos resultados do primeiro trimestre da Petrobras, cujo lucro caiu 38% na comparação anual, para R$ 23,7 bilhões.

Antes, no entanto, já havia no governo descontentamento com os rumos da companhia e com a própria gestão de Prates. As notícias vieram após o presidente da Petrobras ter ficado ameaçado de demissão em algumas oportunidades, na mais recente delas depois de um embate público com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sobre os dividendos extraordinários, cuja proposta de pagamento referendada em assembleia de acionistas acabou ficando como o sugerido pela diretoria comandada por Prates.

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Prates, cuja gestão ainda não mexeu nos preços da gasolina e diesel neste ano, também sofreu críticas e pressões públicas para que a Petrobras investisse mais em gás natural e acelerasse investimentos de interesse do governo, como o setor de fertilizantes e indústria naval.

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A expectativa dentro do governo é que a nova liderança esteja mais alinhada com o Palácio Presidencial. Como a União é o acionista majoritário, os assessores presidenciais defendem que as decisões estratégicas da Petrobras sejam, até certo ponto, compartilhadas com o Executivo. Portanto, a mudança significa uma tentativa de maior influência governamental sobre a empresa.

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“A saída de Prates é uma deterioração da governança da Petrobras e um risco negativo para a tese de investimento”, afirmou o Citi em relatório, acrescentando que a nova presidente chega “pressionada para cumprir o plano de investimentos e acelerar a expansão do capex, o que pode impactar negativamente no pagamento de dividendos da empresa”.

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Também para a XP, a mudança repentina na gestão adiciona significativa incerteza ao caso de investimento e consequentemente aumenta seu risco, dado que o descontentamento político com a relativa independência da Petrobras do governo foi uma das principais motivações por trás da mudança de CEO. “Este contexto provavelmente levantará preocupações dos investidores minoritários sobre o possível risco de interferência do acionista majoritário (ou seja, o Governo) na gestão da empresa. Os investidores estão particularmente preocupados com conflitos de interesse em temas como distribuição de dividendos, política de preços, planos de investimento, passivos fiscais contingentes e outros. Embora não esperemos mudanças significativas nos dividendos e planos de capex a curto prazo, reconhecemos que a incerteza aumenta consideravelmente a percepção de risco”, avalia.

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O Morgan Stanley apontou que, ao contrário das suas expectativas, o mandato de Prates não foi sustentável em meio ao intenso nível de ruído e conflito com o atual. Com isso, a Petrobras terá o 43º CEO desde a sua constituição, e o 10º na última década, um volume de mudanças demasiado elevado na visão do banco.

“A rotação de CEOs pode levar a mudanças nos negócios e na estratégia e, no caso da Petrobras, pode ser seguida por uma substituição da maior parte da equipe de diretores”, avalia o banco.

O Morgan ressalta ainda que Magda construiu sua carreira na Petrobras, onde atuou por 22 anos em diferentes funções na área upstream, que compreende as atividades de exploração e produção de petróleo, atuando como diretora da ANP entre 2012 e 2016, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, depois de atuar na agência reguladora desde 2002. Mais recentemente, ela se envolveu em trabalhos de consultoria privada no setor setor de energia, além de atuar como diretor na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. “Entre os amplos temas defendidos por Chambriard estão o desenvolvimento do mercado de gás natural no Brasil e a defesa do papel social da Petrobras, que acreditamos estarem alinhados aos interesses do acionista controlador”, avalia.

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O que pode mudar?

Na visão do Bradesco BBI, a notícia é negativa, pois, mais uma vez, levantará algumas questões e incertezas sobre a tese de investimento da PBR. Por outro lado, vê Magda Chambriard como uma indicação técnica, pois possui muitos anos de experiência na indústria.

Sobre possíveis mudanças em termos de estratégia, o BBI acredita que o mandato de Magda Chambriard será focado em usar a posição da petroleira estatal para desenvolver ainda mais a cadeia nacional de fornecimento de petróleo, possivelmente resultando em maiores investimentos para a Petrobras (potencialmente através da contratação de mais plataformas, navios de apoio, navios-tanque e navios de cabotagem).

“Lembramos também que o presidente Lula citou o desenvolvimento da indústria naval brasileira como uma de suas prioridades durante seu discurso de posse, mas acreditamos que o Brasil não tem vantagens competitivas para apoiar plenamente a crescente demanda do pré-sal; portanto, a atividade do estaleiro provavelmente se concentrará na construção de embarcações de apoio offshore (OSVs) e embarcações de cabotagem para a Transpetro. Além disso, o plano de investimentos poderia aumentar em tamanho e escopo, mas também é importante destacar que o investimento em navios de apoio não seria necessariamente feito pela Petrobras, e muito provavelmente será realizado por operadoras como a Oceanpact (OPCT3)”, avalia.

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Já em termos de política de preços e política de dividendos, o BBI não acredita que a nova CEO tentará alterá-las, pois geralmente são fontes de conflito que podem potencialmente entrar em conflito com a lei das empresas estatais do Brasil e/ou com acionistas minoritários e autoridades legais locais/internacionais (como a SEC, a CVM americana).

Quais são os próximos passos e eventos a serem monitorados?

O nome de Chambriard será avaliado pelo comitê de governança da Petrobras, e o conselho de administração votará nela como CEO da Petrobras e como membro do conselho. No entanto, como o conselho foi eleito através de um mecanismo de voto múltiplo, se uma assembleia extraordinária de acionistas é convocada (por qualquer motivo), os membros do conselho eleitos pelo governo precisam ser reeleitos, juntamente com os conselheiros minoritários Marcelo Gasparino e Juca Abdalla. Além disso, como o Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente a favor da lei das estatais, é improvável que os atuais conselheiros indicados pelo Ministério de Minas e Energia que também ocupam cargos ou têm funções em outros órgãos estaduais (como o Presidente Pietro Adamo) poderão ser reeleitos.

“Como todas as mudanças relacionadas aos CEOs anteriores da Petrobras, o primeiro ponto a se atentar serão os novos nomes que serão indicados como conselheiros. Em nossa opinião, os principais nomes a serem observados incluem: (i) o CFO, que decidirá sobre os dividendos (pois acreditamos que Sergio Leite provavelmente sairá), (ii) o ‘guardião da governança’ (atualmente Mario Spinelli, diretor executivo de Governança e Conformidade), (iii) e o diretor de engenharia responsável pela contratação de navios (atualmente Carlos Travassos).

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Revisões na tese?

O Santander ressaltou ver a notícia elevando as incertezas no case de investimento da Petrobras, em meio a um período de estabilidade, especialmente sobrealocação de capital. “Embora acreditemos que o estatuto social e a governança interna da Petrobras sejam sólidos e dificultem a implementação de mudanças radicais, acreditamos que é importante monitorar como essa mudança no CEO poderia potencialmente impactar o (i) ritmo de implementação e magnitude dos investimentos, especialmente no Segmento downstream [refino]; (ii) a aceleração dos projetos de M&A (fusões e aquisições) na Petrobras, especialmente em refino e petroquímica; e (iii) preço dos combustíveis, especialmente dado o potencial impacto na geração de FCF [fluxo de caixa livre] e na remuneração dos acionistas”, avalia.

O banco acredita que esta futura mudança na função de CEO, juntamente com (i) o aumento das discussões sobre fusões e aquisições (por exemplo, nos segmentos de refino, petroquímica, upstream e energias renováveis) nas últimas semanas, e (ii) o tímido crescimento da produção em 2024-25 poderia desencorajar os investidores de terem uma visão mais otimista sobre as ações no curto prazo, apesar do sólido dividend yield (cerca de 13%, considerando os 50% das reservas como dividendos extraordinários), reforçando a recomendação neutra para os papéis.

Em relatório na noite de terça, o Bradesco BBI ressaltou que as ações provavelmente experimentariam uma correção garantida na quarta, dada outra rodada de incerteza. Porém, se o diagnóstico do banco sobre a presidência de Magda na estatal estiver correto (com manutenção dos dividendos e política de preço de combustíveis), as ações poderão se recuperar gradualmente, como em casos anteriores de águas turbulentas para a Petrobras, mantendo assim recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado, equivalente à compra) no momento.

(com Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.