Pazuello culpa governo do Amazonas por crise e diz que Ministério da Saúde foi “muito proativo”

Falta de oxigênio em Manaus, aplicativo TrateCov, hospitais de campanha e vacinas são destaque no segundo dia de oitiva com o ex-ministro

Equipe InfoMoney

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello em depoimento na CPI da Pandemia (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

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SÃO PAULO – No segundo dia de depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello manteve a estratégia de blindar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seu governo, e responsabilizou o governo do Amazonas e a empresa White Martins pelo colapso no fornecimento de oxigênio em janeiro.

“A empresa White Martins, que é a grande fornecedora, já vinha consumindo sua reserva estratégica e não fez essa posição de forma clara. O contraponto disso é o acompanhamento da Secretaria de Saúde, que não o fez. Se tivesse acompanhando, teria descoberto que estava sendo consumida a reserva estratégica. A responsabilidade quanto a isso é clara: é da Secretaria de Saúde do Amazonas. Da nossa parte, fomos muito proativos”, afirmou.

O senador Eduardo Braga (MDB-AM) rebateu. O parlamentar lembrou que apresentou um pedido formal de intervenção no sistema de saúde do Amazonas, mas que foi negado pelo governo federal.

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“Cometeram um crime de responsabilidade para com o povo. Nós sabíamos que iríamos precisar deste hospital de campanha no Amazonas para salvar vidas”, disse o parlamentar.

“Fiz carta ao Presidente da República pedindo a intervenção para salvar vidas, Senador Omar, diante do que nós estamos ouvindo aqui por parte do Ministro da Saúde, da falta de compromisso, da falta de competência, da falta de responsabilidade. Deixou faltar oxigênio. Fecharam o hospital de campanha! E, lamentavelmente, não fui atendido”, completou.

Pazuello disse que a decisão sobre a intervenção no estado não cabia a ele, mas que o assunto foi debatido em reunião de ministros com a participação do presidente Jair Bolsonaro e do governador Wilson Lima (PSC).

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Segundo o ex-ministro, o governador era contrário à ação por considerar que a administração estadual tinha condições de enfrentar a segunda onda da pandemia de Covid-19 sem a necessidade de intervenção.

“Essa decisão não era minha. [O assunto] Foi levado à reunião de ministros com o presidente. O governador, presente, se explicou, apresentou suas observações, e foi decidido pela não intervenção. Foi dessa forma que aconteceu”, explicou o general.

A crise em Manaus (AM), cidade que foi duramente atingida por uma explosão de casos de Covid-19 no início do ano que gerou uma escassez de oxigênio em hospitais, é um dos principais temas da CPI da Pandemia.

Durante a sessão, ao mesmo tempo em que negou ter sofrido pressão de Bolsonaro, o general afirmou que as decisões da pasta eram tomadas, em sua maioria, de forma compartilhada com os níveis de governo estadual e municipal.

“Eu não tomei decisões sozinho lá no Ministério da Saúde, quando eu estava lá. As decisões eram pactuadas, isso quer dizer, discutidas, de uma forma clara e objetiva e técnica com os executivos do Conass e do Conasems. Então, exclusivamente falando deste flanco que é a Saúde, ele é tratado dessa forma”, disse.

“E posso afiançar também ao senhor e a todos os senadores: sim, eu tive liberdade de tomar, no que tange à minha parte das decisões, a liberdade de tomar as decisões. Agora, as demais frentes para a pandemia, elas são realmente conduzidas por outras pessoas”, avaliou.

Senadores do chamado G7 ‒ grupo majoritário da comissão, formado por parlamentares independentes e de oposição ao governo Bolsonaro ‒ em diversas situações sinalizaram uma sensação de que Pazuello estaria assumindo responsabilidades que não seriam exclusivas dele.

“Alguns dos que vieram aqui disseram que a responsabilidade pelo vem acontecendo no Brasil é do presidente Bolsonaro. É o caso do Mandetta e é o caso do Teich. Outros, como o ex-ministro Ernesto Araújo e o ex-Secom Fabio Wajngarten, disseram que a responsabilidade é do senhor e do Ministério da Saúde. Já o senhor vem aqui e diz que tudo que aconteceu é de responsabilidade sua e que o presidente não interferiu na sua gestão. Não sei se o senhor está compreendendo o que está acontecendo. Estamos caminhando para ter um grande responsável: o ex-ministro Eduardo Pazuello”, afirmou a senadora Simone Tebet (MDB-MS).

“O senhor está aqui claramente protegendo uma pessoa por essas informações: o Presidente da República. Tem alguns que estão aqui lhe aconselhando, mas me permita eu aconselhar: estão lhe aconselhando mal, porque esses, na hora de responder ao inquérito, não estarão ao seu lado. Seria melhor o senhor colaborar mais diretamente com esta Comissão Parlamentar de Inquérito, porque ficou claro aqui de quem foi a responsabilidade sobre toda essa tragédia que estamos vivendo”, disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Questionado pela senadora Leila Barros (PSB-DF) sobre ser o único responsável pelo desastre sanitário brasileiro em meio à pandemia, Pazuello respondeu: “É claro que não! Eu não estou dizendo que eu sou o único responsável. Todos os gestores, em todos os níveis, são responsáveis, cada um no seu nível de responsabilidade”.

Pazuello foi a oitava testemunha ouvida pela comissão parlamentar de inquérito, criada para investigar ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia e desvio de verbas federais enviadas a estados e municípios.

Antes dele, o colegiado já recebeu os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich; o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga; o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres; o ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fabio Wajngarten; o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo; e o ex-ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo.

O depoimento de Pazuello começou ontem (19), mas precisou ser suspenso após o início da ordem do dia no plenário do Senado Federal. Durante o intervalo, o general teve um mal-estar e foi socorrido pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico.

Veja os destaques do depoimento prestado ontem.

Segundo o parlamentar, a testemunha teve uma síndrome vasovagal, manifestou tontura e o rosto “muito pálido”, mas logo se recuperou após um simples procedimento de posição para reativar a circulação regular no corpo.

Ao deixar a casa legislativa, ontem, Pazuello negou ter passado mal. Hoje, recuou e disse apenas que não foi episódio que justificou o adiamento da oitiva. “isso foi a mídia que colocou. Eu falei: ‘Não, não tem nada a ver uma coisa com a outra, eu não passei mal nesse nível’”.

“Cobaia”

Pazuello foi questionado sobre a plataforma TrateCov, lançada pelo Ministério da Saúde em Manaus. O aplicativo ‒ que ele descrevia como “calculadora que facilita o diagnóstico” de Covid-19 ‒ recomendava o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doenças para pacientes que apresentassem sintomas que poderiam indicar contaminação.

Segundo o ex-ministro, o programa nunca chegou a ser lançado oficialmente. O software teria sido “roubado” e “hackeado” enquanto ainda estava em fase de desenvolvimento.

“Embarcamos para Manaus e apresentamos o momento de desenvolvimento dele. Foi feito um roubo dessa plataforma. Foi hackeado por um cidadão. Existe um boletim de ocorrência e uma investigação que chega nessa pessoa. Ele alterou dados e colocou na rede púbica. Quem colocou foi ele. No dia que descobri que foi hackeado, mandei tirar do ar”, disse.

O presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz (PSD-AM), contestou Eduardo Pazuello. Ele disse que o TrateCov chegou a ser lançado oficialmente, com recomendação para uso de cloroquina em gestantes e crianças. Para Aziz, Manaus foi usada como “cobaia”.

“Tudo aquilo que poderiam ter feito com o povo do Amazonas para testar, para usar de cobaia, para fazer experiências foi feito lá. Inclusive, um suposto programa para supostamente identificar se estava com covid ou não. Por que primeiro Manaus?”, questionou.

“O senhor me desculpe, mas não é cobaia. É uma tentativa de melhorar o atendimento ao público”, rebateu o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. “Não é cobaia”, completou.

“Esse programa que o Ministro Pazuello fala que foi hackeado, ele foi hackeado e colocado na TV Brasil, para vocês terem uma ideia. Na TV Brasil! O hacker é tão bom que ele conseguiu colocar o programa, uma matéria extensa na TV Brasil”, ironizou Aziz.

O senador Eduardo Braga também mencionou reportagem veiculada pela rede pública de televisão em que Pazuello foi entrevistado e campanha publicitária do novo aplicativo.

Governadores

O senador Marcos Rogério (DEM-RO) apresentou, durante a reunião, um vídeo com a compilação de falas dos governadores João Doria (São Paulo), Wellington Dias (Piauí), Flavio Dino (Maranhão), Renan Filho (Alagoas) e Helder Barbalho (Pará) admitindo o uso de cloroquina em ambiente hospitalar para pacientes já diagnosticados com Covid-19.

Segundo o parlamentar, o material seria uma evidência de que a CPI da Pandemia tem direcionado as investigações para atingir o presidente Jair Bolsonaro e preservar condutas adotadas por governadores.

As declarações provocaram reações. Senadores advertiram que as declarações dos cinco governadores sobre o uso da cloroquina foram gravadas no início de 2020, quando ainda não havia informações concretas sobre a eficácia do medicamento.

“Uma coisa que evolui com uma rapidez muito grande é a ciência. A ciência é uma coisa que evolui e protocolos são assinados em grandes revistas de especialistas mensalmente, anualmente… Em março de 2020, se eu tivesse contraído Covid, eu tomaria também cloroquina, porque era o que estava sendo prescrito”, rebateu o senador Omar Aziz.

Hospitais de campanha

Durante o depoimento, Pazuello foi questionado sobre o fechamento de hospitais de campanha abertos com a finalidade de atender pacientes diagnosticados com Covid-19 e disse que esta nunca foi a orientação do Ministério da Saúde.

“Em momento algum, nós fomos consultados quanto ao fechamento de hospitais de campanha, em momento algum”, disse em resposta ao senador Eduardo Girão (Podemos-CE).

A afirmação foi contestada pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que citou o hospital de campanha de Águas Lindas (GO), administrado pelo governo federal, e fechado em outubro de 2020.

Segundo o parlamentar, o governo de Goiás solicitou a prorrogação do funcionamento do hospital, mas o pedido foi negado pelo Ministério da Saúde. A senadora Leila Barros (PSB-DF) também disse que houve dois requerimentos, negados pela pasta, para que o hospital fosse mantido até pelo menos o final de 2020.

Pazuello também disse que o Ministério da Saúde destinou R$ 112 bilhões a fundos estaduais e municipais para o enfrentamento da pandemia em 2020. Em 2021, foram R$ 40 bilhões. Segundo ele, porém, governadores e prefeitos não utilizaram os recursos disponíveis.

“Em 31 de março deste ano, o saldo não aplicado era de R$ 24,4 bilhões. Isso demonstra que os caixas estavam abastecidos. A missão de prover recursos para estados e municípios de forma tempestiva e na quantidade suficiente foi cumprida”, afirmou.

Vacinas da Pfizer

Questionado pelo vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o ex-ministro voltou a afirmar que o contrato com a empresa Pfizer para a compra de vacinas não foi assinado no ano passado por falta de autorização legal.

Segundo Pazuello, a farmacêutica norte-americana fez exigências consideradas “impeditivas” pela Advocacia Geral da União (AGU) e pela Controladoria Geral da União (CGU).

“A Pfizer não fazia nenhuma vírgula de flexibilidade”, disse.

Randolfe lembrou que uma minuta da Medida Provisória (MP) 1.026/2020, editada em janeiro deste ano, previa a autorização legal para a aquisição de vacinas.

O dispositivo contava com o aval da AGU e da CGU. No entanto, quando o presidente Jair Bolsonaro enviou a MP ao Congresso, o artigo foi retirado do texto.

“Qual é a diferença da minuta para a medida provisória editada? É que a minuta não tem a assinatura do presidente da República. A medida provisória editada tem. Os ministros queriam. Foi alterado por uma única pessoa” disse, em referência a Bolsonaro.

O impasse só foi resolvido em março, com a sanção da Lei 14.125, de 2021. A norma teve origem em um projeto (PL 534/2021) apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

“Isso [o impasse envolvendo os ajustes de legislação necessários] atrasou três meses, três meses sem a vacina da Pfizer”, disse Randolfe.

O senador Otto Alencar questionou a competência de Pazuello para assumir a pasta. O parlamentar, que é médico, fez perguntas específicas ao general sobre doenças infectocontagiosas e formas de manifestação da Covid-19. Pazuello admitiu não saber responder.

“O senhor não sabe nem o que é a doença. Não sabe nada da doença. Não poderia ser ministro da saúde, pode ter certeza absoluta. Eu, no seu lugar, não aceitaria. A responsabilidade com a vida é para quem conhece a doença. O senhor tinha que estar com a consciência certa de que tinha o domínio do que era a doença. E o senhor confessa que não sabia absolutamente nada”, disse.

“Agora, não lhe recomendo mais tomar um curso, porque o senhor já saiu do Ministro da Saúde, mas pelo menos reveja, com a sua consciência, os malefícios da falta de protocolos organizados para tratamento da Covid, que já matou 439 vítimas. Pessoas morreram. Ministro, sabe o que é o pior? Dos 441, tem 302 mil que eram aposentados, com mais de 60 anos, que morreram. Era o provedor do filho, do neto; a mulher viúva, que chora nas praças, nas ruas do Brasil; os órfãos, que não vão ter mais o provedor para levar o alimento. Isso não sensibilizou o senhor nunca? O Presidente da República nunca se sensibilizou com isso?”, questionou.

(com Agência Senado e Reuters)