Pacote de R$ 147,3 bilhões de Guedes: ele atenuará os efeitos do coronavírus na economia?

Economistas manifestam certa incredulidade acerca da capacidade do governo de mitigar os impactos da pandemia

Lara Rizério Ricardo Bomfim

Waldery Rodrigues, Paulo Guedes e Marcelo Guaranys (Foto: Ministério da Economia)

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SÃO PAULO – Um pacote de medidas que, ao olhar apenas para o valor anunciado, é bastante expressivo. Porém, ao olhar mais de perto, não tão robusto assim.

Na noite da última segunda-feira – com os casos de coronavírus avançando no Brasil e diminuindo as perspectivas de crescimento já frágeis da atividade econômica nacional -, Paulo Guedes, ministro da Economia, anunciou um montante de R$ 147,3 bilhões em medidas emergenciais para atender grupos mais vulneráveis da população e setores específicos da economia.

O plano foi dividido em três frentes (auxílio imediato à população mais vulnerável, manutenção de empregos e combate à pandemia).

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Deste montante, R$ 83,4 bilhões serão destinados ao primeiro grupo, com medidas como a antecipação do 13º  de aposentados, já divulgada na última sexta-feira (13), e a transferência de valores não sacados do PIS/Pasep para o FGTS, para permitir novos saques.

Já o segundo grupo ficará com os R$ 59,4 bilhões, a partir de políticas como o diferimento do prazo de pagamento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) por 3 meses, assim como o diferimento da parte da União no Simples Nacional por 3 meses. Para combate à pandemia, foram destinados R$ 4,5 bilhões, com a destinação do saldo do fundo do DPVAT para o SUS.

Todas essas medidas apontam na direção correta, conforme destacam economistas consultados pelo InfoMoney. Mas, ao mesmo tempo, é preciso fazer várias considerações, uma vez que a esmagadora maioria delas não se configura como uma fonte nova de recursos, e sim como um rearranjo intertemporal deles. E também traz sinais de que o governo não consegue ter espaço fiscal para atuar em meio à essa crise, dando mais uma prova de como era importante ter aprovado reformas estruturantes o quanto antes.

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“Esse rearranjo, sem dúvidas, ajuda a reduzir o efeito negativo da crise no curto prazo […], mas o total dessas medidas é de R$ 31,8 bilhões, e não R$ 147,3 bilhões”, destaca Marcos Ross, economista-sênior da XP Investimentos, em relatório (confira clicando aqui).

Ele destaca que apenas os valores do PIS/Pasep (R$ 21,5 bilhões), a inclusão de mais de 1 milhão de pessoas no programa Bolsa Família (R$ 3,1 bilhões), a redução de 50% na contribuições do sistema S (R$ 2,2 bilhões) e o crédito extra do PROGER/FAT para Micro e Pequenas empresas (R$ 5 bilhões) possuem característica de novos recursos.

Ainda assim, não é claro o quão estimulativas elas podem ser no curto prazo., avalia Ross. “Por exemplo, o saque do Pis/Pasep pode demorar muito para ser implementado e realizado pela população. Até mesmo algumas das medidas que não configuram como novos recursos, tais como a antecipação do 13º, previsto pra maio, e do abono salarial, previsto pra junho, demorarão a ter seus efeitos completamente sentidos”, avalia. Desta forma, essa primeira medida ficou aquém do esperado, avalia.

Outro problema é que o pacote está muito focado nos trabalhadores formais, uma vez que praticamente a única iniciativa que pode ajudar o trabalhador informal é a ampliação do Bolsa Família.

A economista Alessandra Ribeiro, diretora de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências Consultoria, destaca que o adiamento do pagamento do FGTS e do Simples Nacional pelas empresas é muito bom, pois evitará que diversas companhias quebrem durante a crise – o que resultaria em desemprego em massa – mas não atinge quem não tem carteira assinada.

“Espero que seja lançado nas próximas semanas um segundo pacote, este mais focado na economia informal”, defende ela. Alessandra entende que é até melhor que o governo lance novos pacotes de estímulo paulatinamente, semana a semana, pois isso permite que a equipe econômica avalie melhor os resultados do que já foi feito e tenham mais informações sobre quem precisa de mais ajuda para enfrentar o coronavírus.

De acordo com a economista, o pacote foi essencial e avançou na direção correta, mas não será capaz de evitar os impactos negativos do coronavírus para o Produto Interno Bruto (PIB).

Importância das reformas

Para Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays, as medidas foram criadas como de transição neste momento de interrupção de atividade, já que implicam a antecipação de gastos, ilustrando a falta de espaço fiscal para se promover medidas contracíclicas de porte no momento.

Também apontando que o Brasil não tem espaço fiscal para adotar ações mais contundentes, Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, avalia que o anúncio demonstra a importância que teria para o Brasil já ter aprovado um leque mais amplo de reformas, incluindo a administrativa, de modo que o governo tivesse mais espaço para atuar fiscalmente nesses momentos de crise.

“O Brasil não tem espaço fiscal, dormiu no ponto e não aprovou as reformas necessárias para estimular à economia, além de ter perdido mais de três anos e meio até a aprovação da Previdência, uma vez que as discussões já existiam desde o governo Dilma”, avalia o economista.

Ao ser questionado sobre o impacto do coronavírus na agenda de reformas, por um lado, Ramos destaca que a nova crise pode aumentar o senso de urgência para que ela prossiga dentro do Congresso mas, por outro, é necessária ainda mais coordenação entre o Poder Executivo e Legislativo para que elas aconteçam.

Sobre esse ponto, Ross, da XP, ressalta que a coletiva do ministro da economia para o anúncio das medidas foi marcada por um tom não conciliador, uma vez que tentou transferir o ônus da situação atual ao Congresso. Durante sua fala, Guedes afirmou que as “medidas estruturantes” já encaminhadas ao Legislativo ainda não foram votadas.

Gastos e o teto

Para Ramos, é possível que novas medidas sejam anunciadas pelo governo, principalmente para mitigar o impacto social e ampliar o apoio ao setor de saúde nacional. Mais gastos e a expectativa de um menor crescimento da economia provavelmente levarão a uma revisão da meta de déficit primário, atualmente em R$ 124,1 bilhões.

A necessidade de tais medidas de elevação de gastos tem aumento o debate sobre mudar a regra do teto de gastos. Contudo, o economista do Goldman avalia que isso não é necessário, já que eventuais despesas emergenciais para combater o coronavírus podem ser autorizadas via crédito extraordinário no Orçamento, que estão fora do teto.

De qualquer forma, o impacto do coronavírus acaba por ser forte em uma economia ainda em recuperação, que buscava uma aceleração do PIB. Para o economista do Goldman, que atualmente tem a projeção do PIB em revisão, a tendência é de que o PIB de 2020 fique perto do zero ou até mesmo contraia.

Alessandra, da Tendências, explica que a projeção da consultoria para o crescimento econômico brasileiro em 2020 está hoje em 1,6%, mas o número está sob revisão e adianta “nosso teto deve ficar em 1%, a expansão deve ser menor do que isso”.

Todavia, a economista não acredita que Guedes vá anunciar um plano mais robusto, que se assemelhe ao que foi realizado nos Estados Unidos, que envolve até mesmo um envio de uma renda básica aos americanos. “Diferentemente dos EUA, a nossa situação fiscal é muito difícil, temos déficit primário e dívida pública elevada. Contudo, temos a vantagem de que estamos agindo com mais rapidez do que nos EUA. Começamos a tomar medidas de isolamento social ainda com 240 casos de infecção pela Covid-19. Isso é um ponto positivo”, ressalta.

Para Secemski, as medidas podem até ir na direção correta do necessário neste período de incertezas, para reduzir o aperto das condições financeiras. “Mas ainda não sabemos a extensão desta choque, de forma que novas medidas poderão ser necessárias”, avalia.

Em um tom mais pessimista, Ross, da XP, avalia que, com o plano ainda insuficiente, haverá duas consequências imediatas: i) as expectativas de crescimento do PIB em 2020 se deteriorarão ainda mais, e ii) por conta disso disso, transfere responsabilidade ao Banco Central (de forma desnecessária), na decisão do Comitê de Política Monetária (Copom).

“Acreditamos que o BC cortará 0,50 ponto percentual nessa semana, mas entendemos que a chance de corte de 0,75 ponto percentual subiu consideravelmente após o anúncio de medidas”, avalia o economista.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.