Os riscos que os investidores veem após a saída de Moro – e como isso ainda afetará o mercado

Cenário de incertezas ganha forças, com mercado vendo maiores chances de virada de política econômica e até mesmo de impeachment

Lara Rizério | Anderson Figo

SÃO PAULO – O Ibovespa voltou a registrar uma sessão de forte queda, comparado aos dias mais agudos da incerteza com o coronavírus na economia global, na sessão desta sexta-feira (24). Porém, o fator de incerteza agora é outro, ainda que recorrente para o Brasil nos últimos anos: a crise política.

Se a incerteza com o coronavírus havia levado a uma crise de saúde e, posteriormente, a uma crise econômica, a decisão de Sergio Moro de deixar o Ministério da Justiça e Segurança Pública fazendo acusações contundentes de que o presidente Jair Bolsonaro teria tentado interferir politicamente na condução dos trabalhos, deu ainda mais combustível para que a crise também se instalasse na política.

Além disso, a segunda demissão de ministros de peso em duas semanas coloca Paulo Guedes, ministro da Economia, em foco. Justamente antes da crise com Moro ganhar destaque no noticiário – o que aconteceu na última quinta-feira -, a força do “posto Ipiranga” Guedes vinha sendo questionada pelo fato de Bolsonaro não ter dado o comando do plano pós-crise à pasta da Economia, o chamado “Plano Pró-Brasil”, anunciado na quarta-feira após o fechamento do mercado.

A saída de Guedes “seria o fim da ‘boa história’ para o Brasil”, disse Delphine Arrighi, gestor de fundos da Merian Global Investors em Londres, para a Bloomberg.

Os investidores também temem que uma eventual perda de popularidade do governo em meio à combinação dessas crises prejudique a continuidade da aprovação da agenda econômica.

“[A saída de Moro] afeta o mercado de várias maneiras. A primeira e mais óbvia é que o mercado não gosta de incerteza. Fosse em um cenário normal, um ministro pedindo demissão já seria algo importante que mexeria com o mercado”, afirmou ao InfoMoney Marcelo Giufrida, CEO da Garde Asset Management e ex-presidente da Anbima, destacando, contudo, que o momento atual é pior em meio às críticas já recorrentes ao presidente, à saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde e aos sinais de divergências do Planalto com a equipe econômica.

Na última quarta-feira, encabeçado pelo ministro-chefe da Casa Civil, o general Walter Braga Netto, o governo apresentou um programa de retomada da economia via investimentos públicos, apelidado de Plano Pró-Brasil.

Apesar do suposto impacto fiscal do programa não ser alto – seriam cerca de R$ 10 bilhões por ano, em três anos –, a premissa de maior protagonismo do estado no crescimento vai de encontro com o pensamento liberal de Guedes e da equipe econômica, destaca a equipe de análise da Levante Ideias de Investimento.

“Na verdade, mal existe espaço no Orçamento para que o plano seja posto em prática. A proposta parece embrionária, mas merece atenção: caso seja levada adiante, o governo terá de explicar muito bem como custeará esses gastos novos sem renunciar à responsabilidade fiscal”, avaliam os analistas. Nos bastidores, o que se fala é de insatisfação da equipe econômica com o programa Pró-Brasil, considerado um “Dilma 3” por prever a ampliação do gasto público para a retomada econômica por meio de obras em infraestrutura (veja mais clicando aqui).

Para Giufrida, há três cenários para o futuro: um otimista, um pouco menos otimista e um péssimo. No cenário otimista, há um fator pontual que é a pandemia, que leva a um desvio de rota para um cenário de maiores gastos, mas o Brasil volta para a “trilha principal” de maior austeridade fiscal. Para isso, demandaria um Congresso alinhado com o Executivo.

Já no cenário menos otimista, haverá um “desvio”, sem que se consiga voltar para a rota anterior. “Não vamos aprovar tudo o que prevíamos antes da pandemia, mas ainda assim a economia anda. Agora, o pior cenário é aquele em que tudo dá errado e o presidente toma medidas que mudem o direcionamento econômico que tínhamos antes da crise”, avalia. Para Giufrida, o que aconteceu foi que a chance de o cenário otimista se concretizar diminuiu.

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Para Renato Ometto, gestor de renda variável da Mauá Capital, a questão pode ir além disso, em meio aos desdobramentos que as declarações de Moro podem gerar para a crise política. Para ele, o tom da declaração de Moro ao se demitir foi duro, com acusações nas entrelinhas que geram desconfiança no prosseguimento do governo Bolsonaro.

“Num momento crítico da economia, com desemprego e os números de Covid-19, acaba atrapalhando ainda mais um pouco e coloca mais um nível de incerteza de como esse governo continua”, avalia Ometto. Já para ativos de Bolsa, avalia, por mais que não dê para pontuar que não haverá impacto financeiro nas companhias, no curto prazo os olhos se voltam para a expectativa de quando haverá melhora da economia e dados melhores.

Contudo, vale destacar que com o governo em conflito, as medidas econômicas, como as reformas, ficam cada vez mais difíceis de serem viabilizadas, retardando uma recuperação já bastante difícil da economia.

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Realinhamento dos pilares

O banco suíço UBS avalia que os dois eventos que movimentaram o mercado nesta semana têm consequências ainda bem incertas. Contudo, Tony Volpon e Fabio Ramos, economistas do banco, apontam que está tendo uma reconfiguração dos quatro pilares originais do governo Bolsonaro.

São eles: i) uma bancada minoritária, mas leal, no Congresso Nacional e uma base política popular; 2) apoio e participação da área militar no governo; iii) alinhamento com o discurso anticorrupção, cujo símbolo é Sergio Moro e iv) alinhamento com a agenda econômica liberal de Paulo Guedes.

Conforme aponta o UBS, o primeiro pilar foi enfraquecido quando o presidente deixou o PSL, partido político pelo qual ele se elegeu, dividindo-o em dois enquanto ele procura fundar um novo partido político. Bolsonaro começou a se reunir com membros do bloco político do “Centrão”, discutindo apoio e participação em seu governo.

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O segundo pilar foi reforçado recentemente, à medida que mais figuras militares entraram no governo (como Braga Netto). Já a demissão de Moro e as acusações de interferência indevida em investigações em andamento significam que o terceiro pilar está estragado. Por fim, Paulo Guedes declarou publicamente que trabalhará no programa “Pró-Brasil” que será construído dentro das restrições fiscais do país (apesar de criticar a proposta nos bastidores).

“É possível que a demissão e as acusações de Moro aumentem os pedidos de processo de impeachment contra Bolsonaro. Mas, para isso acontecer, em nossa opinião, terá que haver um forte apoio popular”, avaliam os economistas.

Além disso, o UBS opina que, apesar de assumir uma postura mais crítica em relação ao governo, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados (DEM-RJ), não deva optar por iniciar processo de impeachment enquanto o Brasil ainda enfrenta os efeitos econômicos e de saúde de pandemia de coronavírus, a menos que haja prova concreta de interferência política nas investigações judiciais em andamento.

Contudo, os pedidos para saída do presidente ganham força: o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado, afirmou que pedirá o impeachment do presidente, diante das “graves denúncias feitas pelo agora ex-ministro da Justiça”.

Assim, os próximos desenvolvimentos a serem monitorados de perto são: i) a posição adotada por Paulo Guedes em se alinhar ao governo e receber suporte de Bolsonaro e ii) as negociações de Bolsonaro com o bloco político “Centrão”. “Acreditamos que os elementos-chave de curto prazo serão os sinais de apoio contínuo a Paulo Guedes por Bolsonaro e a relação do governo com o Congresso”, avaliam.

Deste modo, a incerteza paira sobre os mercados, o que deve fazer inclusive com que os ativos nacionais registrem um desempenho inferior aos dos pares emergentes. O Ibovespa acumula queda de 55% em dólar desde o início do ano, de longe a pior performance entre os principais índices globais de ações. O real perdeu um terço de seu valor, ficando atrás de todas as outras moedas.

Com o cenário político ainda mais turbulento, a tendência é que os investidores voltem a prestar mais atenção no noticiário vindo de Brasília.

“Estamos vendo um governo se desfazer em meio à uma situação gravíssima de política internacional”, afirma Fernando Bergallo, diretor de Câmbio da FB Capital.

“A troca do Ministro da Saúde em plena pandemia, obviamente, já pegou muito mal para o investidor estrangeiro, e no momento em que o segundo pilar do governo, que é o Ministro da Justiça, que emprestou a credibilidade toda para o Bolsonaro sai do governo, está perdendo outra perna desse tripé que não vai se sustentar sozinho”, avalia.  Para ele, caso Guedes saia, pode representar “o fim do governo”. A turbulência política ganha uma nova temporada em Brasília.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.