O que esperar para a bolsa e o dólar após a aprovação da reforma da Previdência

Os analistas ainda veem espaço para a valorização das ações, mas no médio prazo. O dólar pode cair em ritmo mais lento

Anderson Figo

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SÃO PAULO — A máxima de que os mercados sobem no boato e caem no fato é útil para explicar o comportamento da Bolsa e do dólar nesta quinta-feira (11), dia seguinte à aprovação da reforma da Previdência  em primeiro turno na Câmara dos Deputados. Ainda que o projeto tenha passado com alguma folga — 379 votos favoráveis, 131 contrários e nenhuma abstenção —, o Ibovespa caía 0,3% por volta do meio-dia, enquanto o dólar tinha leve alta.  

O movimento já era esperado pelos analistas, uma vez que a expectativa pela aprovação da reforma já havia influenciado o preços dos ativos. Mas, no geral, o resultado da votação de ontem animou o mercado, que segue otimista no médio prazo.

O fato de a reforma ter sido aprovada em primeiro turno ainda em julho foi bem-visto. “A maioria das casas de análise consideravam que isso aconteceria em agosto ou setembro. Pode indicar que o governo vai ter força para aprovar outras reformas importantes daqui para frente”, avalia William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue Securities.

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Sem projetar um patamar, ele acredita que ainda há espaço para a Bolsa subir, apesar do retorno positivo de mais de 20% no ano. “Ainda temos juros reais entre 2% e 3% no Brasil, acima de outros países na América do Sul, como Paraguai e Colômbia. Tem espaço para os juros caírem ainda mais e isso tende a aumentar o fluxo de caixa esperado das ações, empurrando a Bolsa para cima.”

Além do timing da aprovação, o que também deu base para o otimismo do mercado foi a quantidade de votos favoráveis à reforma, 379, que ficou acima do esperado (o mínimo necessário eram 308 votos). Para Alexandre Silvério, diretor de investimentos da AZ Quest, a valorização do Ibovespa deve continuar após a mudança fiscal proveniente da aprovação da reforma. 

“Esse não é o único gargalo que o Brasil tem, mas é um tema muito importante para entrarmos numa trajetória de maior crescimento”, diz. Ele destaca que setores mais sensíveis à atividade econômica podem se beneficiar nesse ambiente de aprovação da Previdência, caso do varejo e da construção civil, dadas as perspectivas mais positivas para o crescimento da economia pós-aprovação da reforma. 

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“Outro benefício para a Bolsa, que ainda não está precificado totalmente, é que os investidores vão operar agora em um ambiente com uma taxa de juro baixa por muito mais tempo, o que deve levar a uma melhora da situação das empresas mais endividadas, enquanto a alavancagem operacional [quando um crescimento nas vendas leva a um crescimento maior no lucro bruto] das companhias deve aumentar.” 

Silvério aponta que, com uma perspectiva de crescimento nos lucros das empresas, não surpreenderia uma alta do Ibovespa para cerca de 130 mil pontos nos próximos 12 meses. Soma-se a isso o fato de que o investidor global ainda está pouco alocado no mercado local.

A equipe de análise da Bradesco Corretora revisou a projeção para o Ibovespa no fim de 2019, que passou de 116 mil pontos para 122 mil pontos. É um avanço em torno de 16% sobre o patamar atual — 105 mil pontos. A justificativa foi a aprovação da reforma, que “materialmente aumentou a probabilidade de uma forte ancoragem fiscal no Brasil.”

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O analista André Carvalho está de olho no impacto esperado de mais de mais de R$ 1,1 trilhão no balanço fiscal do Brasil. “Uma forte ancoragem fiscal vai abrir espaço para novos cortes nos juros”, diz. A Bradesco Corretora acredita que a Selic pode cair para 5% ao ano até o final de 2019 (atualmente o juro básico brasileiro está em 6,5% ao ano, seu menor patamar histórico).

A XP Investimentos também enxerga espaço para novas altas do Ibovespa. “Vemos este momento como transformacional para o país. Vemos a Bolsa como o melhor ativo para se investir, com potencial de atingir 115 mil pontos até o final do ano e 140 mil até o final de 2020.”

Câmbio

No mercado de câmbio, a expectativa dos analistas é de que o real valorize. A justificativa é que a entrada de investimento estrangeiro no país pode aumentar com uma situação fiscal mais sólida — conforme aumenta a oferta de dólares no mercado, o preço da moeda tende a cair. 

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“Ajuda o câmbio o fato de o Fed, o banco central dos Estados Unidos, estar mais ‘dovish’, ou seja, está mais propenso a cortar os juros naquele país. Isso ajuda a empurrar a cotação do dólar para baixo em relação a outras moedas, como o real”, afirma William Alves, da Avenue.

O corte de juros nos Estados Unidos deixa a remuneração dos títulos do Tesouro americano menos atraentes, apesar de esse ser o investimento considerado mais seguro do mundo. Isso faz com que os investidores estrangeiros busquem por ativos de risco um pouco maior, como os de mercados emergentes como o Brasil, mas que pagam mais — mesmo que temporariamente.

Diferentemente da Bolsa, que subiu muito com a expectativa de aprovação da reforma da Previdência, o dólar não caiu tanto quanto se esperava pelo mesmo motivo. Segundo Sidnei Nehme, diretor da NGO Corretora, isso é explicado pelo fluxo cambial negativo acumulado no ano — ou seja, pela diferença entre a entrada e a saída de dólares do país.

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“A reforma permite ao governo equacionar a crise fiscal, melhora o conceito do país que está neste momento com o excelente CDS [indicador internacional de bom pagador] de 135,9 pontos, mas não é bastante para garantia de que, ante a incapacidade governamental de realizar investimentos, o setor privado assuma o papel preponderante imediato de incrementar os investimentos no setor produtivo, essencial para a retomada, até porque há uma capacidade ociosa ainda expressiva na economia e as projeções mais recentes colocam no crescimento do PIB deste ano viés cada vez mais decadente o que é inclusive ratificado pelo governo, e as perspectivas são de economia estagnada no 2º semestre”, diz Nehme.

Ele acredita que a entrada de investimento estrangeiro no país não aumentará apenas com a aprovação da reforma da Previdência. “Os bancos estão operando com posições vendidas [a descoberto] de US$ 31,508 bilhões, das quais em torno de US$ 14,0 bilhões estão financiadas por operações de empréstimos em moedas estrangeiras com recompra pelo Banco Central e a diferença de US$ 17,0 bilhões por linhas de bancos estrangeiros”, ressalta. 

“Com as perspectivas para o segundo semestre, a despeito da reforma da Previdência, não se espera com as projeções postas economicamente para o ano que haja incremento de investimentos estrangeiros para o país, portanto ingresso de recursos estrangeiros. As linhas externas para os bancos financiarem suas posições descobertas, que envolvem operações de cupom cambial, já não estão tão imediatamente acessíveis e baratas para os banqueiros brasileiros e a diferença de juro interno e externo está estreita, então há impactos no custo do cupom cambial com ausência de fluxo cambial suficiente que reflete em pressão consequente na taxa do mercado à vista.”

Para Nehme, se não houver mudança na dinâmica do fluxo cambial para o Brasil e houver qualquer sinalização de aversão que motive pressão de demanda no mercado à vista, a taxa cambial sofrerá reflexo imediato e assumirá o viés de alta com a elevação do custo do cupom cambial.

“Então, para apagar o ‘incêndio’, a disfuncionalidade do mercado à vista, o BC poderá ser levado a ter que intervir ofertando moeda efetiva das reservas cambiais para suprir a liquidez [o que não faz desde 2009] e não mais linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra. E ainda, se o custo do cupom cambial se elevar de forma consistente, o BC poderá até deixar de rolar os contratos de swaps cambiais vincendos, atualmente com estoque em torno de US$ 70 bilhões, e ofertar, também, dólares moeda efetivos”, diz.

“Este contexto deixa evidente de como foi danosa a demora na tramitação da reforma da Previdência, pois paralisou a dinâmica econômica do país e sua atratividade, por ter sido subjugada ao ambiente político. Ao longo deste ano sempre preconizamos projeção do dólar para o final do ano em R$ 3,75, mas neste momento entendemos que este patamar pode não ser sustentável e evidenciar-se volátil”, completou.

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