O falatório de políticos influencia as ações de estatais, e isso é um problema

As ações de Sabesp e Sanepar, por exemplo, oscilaram depois que integrantes do governo anteciparam possíveis mudanças nas empresas. Especialistas em governança corporativa pedem que a CVM regule melhor esse tipo de declaração

Beatriz Cutait

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SÃO PAULO – A palavra é prata, o silêncio é ouro, já dizia o provérbio. Mas a julgar pelo falatório que vemos recorrentemente em empresas de capital aberto, cujos executivos deveriam ser diligentes em suas declarações públicas, cada vez menos se tem conseguido garantir medalha pela discrição.

Desde o resultado das eleições, políticos resolveram fazer anúncios públicos “informais”, que repercutiram sobre os preços das ações. Isso aconteceu, por exemplo, com a Sabesp (SBSP3), companhia de saneamento do estado de São Paulo. O atual secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles, deu uma série de declarações, algumas eufóricas, sobre possíveis mudanças no capital da empresa. Destaque para sua indicação de que a capitalização ou a privatização da estatal poderia ser concluída em 2019 e renderia mais de R$ 10 bilhões ao governo paulista, o que foi recebido positivamente por investidores.

Nesta segunda-feira (dia 1º), contudo, Meirelles voltou atrás e indicou uma mudança, por parte do governo, na percepção do prazo em que a operação seria viabilizada, descartando sua conclusão neste ano e ressaltando a possibilidade de que as receitas entrem nos cofres públicos apenas no início de 2020.

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Ainda no setor de saneamento, a Sanepar (SAPR11), do Paraná, registrou um disparo de suas ações, diante de declarações feitas pelo governador eleito, Ratinho Junior, sinalizando que encurtaria o diferimento tarifário dado dois anos atrás à estatal paranaense, que havia desagradado muito o mercado à época.

No comando do Banco do Brasil (BBAS3) desde janeiro, Rubem Novaes também já mencionou, em entrevista coletiva, que a instituição poderia vender total ou parcialmente sua participação no capital do Banco Votorantim, cujo controle é compartilhado com a família Ermírio de Moraes.

Muito barulho não foi por nada

Como toda ação tem uma reação, cada declaração bombástica envolvendo uma empresa de capital aberto se reflete diretamente em suas ações negociadas em Bolsa. E as empresas de capital misto (com participação do governo) naturalmente não escapam dessa lógica.

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Desde o início deste ano, as ações da Sabesp estão entre as principais altas do Ibovespa, com valorização de 33,3% no trimestre. Já as units da Sanepar (compostas por uma ação ordinária e quatro preferenciais), que não fazem parte do índice, avançam 34,2%, enquanto os papéis do Banco do Brasil têm perdido ímpeto e sobem 6,3% no ano, abaixo da valorização de 8,6% do Ibovespa entre janeiro e março.

Segundo dados da Bloomberg, seis casas de análise recomendam compra dos papéis da Sanepar, sete, a manutenção, e apenas uma, a venda. Em relação às ações do Banco do Brasil, 13 indicam a compra e sete, a manutenção. Nenhuma recomenda a venda. Não há informações disponíveis para a Sanepar.

Mas, afinal, ainda que o mercado possa estar em clima de festa se antecipando às informações divulgadas, declarações como as feitas por Meirelles, Ratinho Jr. e Novaes são permitidas? Ou os executivos estariam adiantando dados a uma parte do mercado, sem seguir o devido processo na CVM (Comissão de Valores Mobiliários)?

Empresas de capital misto também são regidas pelas normas da CVM, lembra Alexandre Di Miceli, fundador da consultoria Direzione e professor do mestrado da Fecap. Assim, diz ele, qualquer informação concreta, capaz de influenciar o preço das ações, tem a obrigação de ser pública e direcionada para o mercado de forma organizada, justamente para se evitar o acesso exclusivo.

“Informações sigilosas, que podem alterar o valor das ações, são regidas pelo dever de lealdade dos controladores. As pessoas têm dever de sigilo e podem prejudicar uma empresa conforme ela falam”, diz. “A empresa tem que dar luz ao mercado.”

Especialmente no caso da Sabesp e da Sanepar, a questão é crítica pelo fato de as declarações terem sido feitas por pessoas que sequer são parte de seus conselhos de administração ou de seu corpo diretivo.

“Em tese, as informações são das estatais, não deveriam chegar nos políticos. Eles não deveriam ter acesso aos dados e, se tivessem, deveriam guardar reserva”, assinala Di Miceli.

Embora seja secretário da Fazenda de São Paulo, Meirelles não ocupa cargo formal na Sabesp. Da mesma forma, o governador paranaense não atua diretamente na Sanepar.

Alô, Alô, CVM

Para Di Miceli, as declarações feitas pelas companhias mencionadas nos últimos meses mostram um problema claro de segregação de funções, ingerência e falta de governança, e a CVM deveria ter uma postura mais ativa nesses casos.

“Muitas vezes falta, no caso dos administradores, uma compreensão melhor do seu papel e do seu peso. Há um desconhecimento do dever do sigilo, de lealdade, e percebemos que esse tipo de comportamento pode, inclusive, ensejar casos de insider trading”, diz.

Não há lei que impeça funcionários públicos de negociar ações na Bolsa, inclusive de empresas de capital misto.

“Funcionários públicos do Estado de São Paulo, seja da administração direta seja os empregados das estatais, não estão impedidos de investir diretamente em ações de empresas de capital misto na Bolsa de Valores, salvo situações nas quais o funcionário tem informações sobre fatos relevantes, que não podem ser utilizadas em benefício próprio ou de terceiros”, informou a Secretaria Especial de Comunicação do governo de São Paulo, em nota.

Para Mauro Cunha, presidente da Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais), a postura inadequada de executivos e governantes tem se repetido ao longo do tempo e deveria ser combatida pela CVM.

“É um problema educacional e que a CVM precisa endereçar. Poderia existir um sistema que notificasse essas pessoas, indicando que elas estão sujeitas às normas. Basta a CVM querer”, defende.

“Agentes políticos estão tomando decisões, em última instância, diretamente com pessoas de confiança, com maior ou menor grau de indicação política. Mas não há privilégio das instâncias de governança. Os conselhos seguem esvaziados e, com isso, não conseguimos construir uma governança de longo prazo.”

Nos casos mencionados, as empesas deveriam dar o exemplo, já que o BB e a Sabesp estão listados no Novo Mercado, o segmento de mais alto nível de governança corporativa da Bolsa. Já a Sanepar está listada no Nível 2.

Como diria Arnaldo Cezar Coelho, a regra é clara. Doris Wilhelm, conselheira de administração do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), chama atenção para o artigo 14 da lei nº 13.303, de 2016, que regulamenta empresas públicas, de economia mista e suas subsidiárias.

Nele, consta que o “acionista controlador da empresa pública e da sociedade de economia mista deverá fazer constar do Código de Conduta e Integridade, aplicável à alta administração, a vedação à divulgação, sem autorização do órgão competente da empresa pública ou da sociedade de economia mista, de informação que possa causar impacto na cotação dos títulos da empresa pública ou da sociedade de economia mista e em suas relações com o mercado ou com consumidores e fornecedores”. 

O artigo, diz Wilhelm, já veda a divulgação de informação que possa causar impacto na sociedade pública ou de economia mista. O problema esbarra na falta de menção a quem está fora da empresa, seja de governo ou de secretaria da Fazenda, que não tem que ser seu porta-voz, assinala. 

A conselheira do IBGC destaca que a “incontinência verbal” acaba por prejudicar tanto o acionista minoritário quanto o majoritário, já que, se a precificação da empresa cai, o valor de mercado contabilizado para o Estado também diminui.

Embora a posição das companhias de capital misto seja delicada, Wilhelm avalia que poderia partir das próprias a iniciativa de repreender a atitude de porta-vozes não oficiais.

“Cabe um posicionamento das próprias empresas prejudicadas, que poderiam mandar ofícios à CVM. Ainda que possam não resultar em nada, eles preservaria a empresa, o executivo e o próprio conselho”, afirma a conselheira do IBGC, para quem a sociedade também deveria se mobilizar mais em relação ao tema.

Outro lado

Procurada, a CVM afirmou, em nota, que acompanha e analisa informações e movimentações envolvendo companhias abertas, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário, e reforçou que não comenta casos específicos.

A autarquia ainda fez menção a um comunicado de junho de 2016, em que ressaltou a “necessidade de que as pessoas que, por seu cargo ou posição, ainda que não diretamente ligados à companhia, tenham acesso a informações que possam influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários por ela emitidos, atuem de maneira articulada com os canais institucionais da companhia aberta e comuniquem tais informações ao DRI antes de lhes darem publicidade. Desse modo, o DRI poderá agir tempestivamente para fornecer ao mercado informações verdadeiras, completas, consistentes e que não induzam o investidor a erro”.

A CVM informou que atribui à administração da companhia a responsabilidade primária de avaliar a potencialidade que uma informação tem de afetar as decisões dos investidores, uma vez adequadamente divulgada e disseminada no mercado.

Em algumas situações, a xerife do mercado de capitais brasileiro cobra uma posição das empresas.

Foi o caso da Sanepar. A Superintendência de Relações com Empresas da CVM demandou, no início de fevereiro, esclarecimentos em relação às declarações de Ratinho Junior indicando que o governo encurtaria o diferimento tarifário dado dois anos antes.

Em fato relevante, o diretor financeiro e de Relações com Investidores, Abel Demetrio, não negou a afirmação do governador paranaense, mas ressaltou que a agência reguladora seria “autônoma e soberana” em suas decisões e disse que não havia um cronograma pré-estabelecido para as tratativas do reajuste tarifário.

Já a Sabesp não se pronunciou sobre as declarações de Meirelles, assim como o Banco do Brasil não esclareceu os comentários de seu presidente sobre o Votorantim. 

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Beatriz Cutait

Editora de investimentos do InfoMoney e planejadora financeira com certificação CFP, responsável pela cobertura do universo de investimentos financeiros, com foco em pessoa física.