O ano finalmente começou? O que os dados de inflação nos EUA dizem para a Bolsa brasileira

Alta dos preços acima do esperado deve afastar fluxo de estrangeiros, mas visão para B3 segue positiva no médio prazo

Vitor Azevedo

Operadores trabalham no pregão da Bolsa de Valores de Nova York durante as negociações da manhã (Michael M. Santiago/Getty Images)

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Se o ano começa só depois do Carnaval, 2024 não se iniciou de forma positiva para o Ibovespa. O principal índice da Bolsa brasileira caiu na última quarta-feira (14) de Cinzas, repercutindo, principalmente, a publicação do índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, publicado na véspera, que afastou a crença de que o Federal Reserve pode começar seu ciclo de corte de juros na reunião de maio deste ano.

O dado em questão trouxe que os preços, por lá, subiram 0,3% em janeiro, acima do consenso de alta de 0,2% e não desacelerando frente a dezembro, quando também houve alta de 0,3% – e quando o índice também já havia sido pior do que o esperado. 

Rachel de Sá, chefe de economia da Rico, destaca que a abertura do CPI foi pior do que o projetado, com o núcleo da inflação, que exclui os itens mais voláteis, subindo, bem como o preço dos serviços. “Quando a inflação está em serviços, o Fed fica bastante de olho, principalmente por esse setor ter muita mão de obra. É algo que se retroalimenta. Salários ajustados aumentam a inflação de serviços o que gera mais inflação”, explica.

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Com isso, há um impacto em ativos de risco que oferecem maior risco, já que a renda fixa americana – principalmente os treasuries, considerados “com risco zero” – continua pagando bem. É o caso das ações dos países emergentes e, decorrentemente, da Bolsa brasileira. 

“Como a inflação está mais forte do que muitos esperavam, a expectativa por queda dos juros diminui nos EUA. As apostas para uma queda em março estão zeradas e muitos estão apostando em junho. Nós acreditamos em um corte em maio, a depender dos dados”, contextualiza de Sá.

A economista da Rico, no entanto, continua otimista, mencionando que a Bolsa brasileira está barata e que as variações recentes se tratam de movimentos de curto prazo. “É claro que se o Fed adiar muito, a perspectiva pode mudar, mas, por ora, esse não é o cenário base”, acrescenta. 

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O dado, então, prorroga momentaneamente a possibilidade do fluxo estrangeiro para o Brasil aumentar e fortalece um movimento já visto em janeiro, quando os investidores de fora retiraram R$ 7,9 bilhões da Bolsa brasileira.

“Não faz sentido assumir tanto risco no portfólio quando é possível obter um retorno de 5,5% ao ano em dólar no ativo considerado o mais seguro do mundo”, explica Felipe Moura, analista da Finacap. “Isso resulta em um dreno de liquidez para os mercados como um todo. Atualmente, já observamos uma alocação historicamente baixa em Brasil e em mercados emergentes. A confirmação da manutenção de juros mais elevados nos Estados Unidos agrava essa situação”, acrescenta.

Ao mesmo tempo, essa visão atrasa um corte mais forte da Selic pelo Banco Central brasileiro. “Se tivermos um Fed muito mais hawkish [duro, mostrando preocupação com inflação], isso tende a impactar a decisão da instituição brasileira. Os juros são relativos. A Selic acompanha as taxas de outros países e os títulos de renda fixa dos EUA são os mais importantes. Se estiver mais alto, há impacto no juros brasileiro”, fala a economista da Rico, lembrando ainda que a curva de juros brasileira vem, há algum tempo, repercutindo muito o que acontece na maior economia do mundo.

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E a volta do investidor local para a Bolsa depende dos cortes da Selic. Se os juros brasileiros estão altos, ou caindo de forma mais lenta, investidores locais acabam optando por manter mais seus investimentos na renda fixa – caso de papéis do Tesouro, por exemplo.

“A grande contribuição de um corte dos juros nos EUA para o mercado acionário como para as empresas é um ambiente econômico com taxa de juros sendo reduzidas. O BC, que acompanha e coloca em seus modelos o cenário externo, já considera essa postura do Fed, ao mesmo tempo em que vem determinando e informando os cortes a serem realizados que, de certa forma, estão de acordo com seus prognósticos de inflação”, diz Ricardo Martins, economista chefe da Planner.

No entanto, apesar do dado minguar o otimismo no curto prazo, os especialistas continuam vendo espaço para a Bolsa brasileira subir. A questão, quando o assunto é “juros dos Estados Unidos”, está no “quando” e não no “se”, e ela deve sair do papel mais cedo ou mais tarde. “Embora a queda dos juros americanos seja importante fator de incentivo, não muda as perspectivas, apenas é mais um componente de atraso”, fala Martins.