“Nossa política econômica é feita por marqueteiros”, diz Gustavo Loyola

Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, ex-diretor do BC diz que Dilma busca anunciar na TV o que "pega bem", como baratear a energia ou o feijão

Paula Barra

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SÃO PAULO – O economista Gustavo Loyola sabe como é trabalhar no governo. Foi diretor do BC no governo Collor e presidiu a instituição nos governos Itamar e FHC. Em seu último mandato, teve não apenas que tomar decisões difíceis envolvendo a taxa de juros como também coordenou um doloroso processo de saneamento do sistema financeiro, que culminou com a quebra de bancos como o Nacional, o Econômico e o Bamerindus.

Hoje sócio da Tendências Consultoria, Loyola acredita que a economia brasileira entrou em uma fase de retrocessos em várias frentes, com um viés estatizante que afugenta investidores, demora nas concessões de infraestrutura, câmbio artificialmente depreciado, política fiscal que alimenta a inflação e sensação de pouca autonomia do BC para decidir sobre juros.

Leia a seguir os principais trechos de entrevista exclusiva:

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Revista InfoMoney – Por que o PIB tem crescido tão pouco?
Gustavo Loyola – O resultado decepcionante tem como uma das origens a crise mundial. O comércio internacional cresce menos, o preço das commodities não é tão espetacular, e alguns parceiros do Brasil que passam por dificuldades, como a Argentina, estão fechando a economia. 

IM – Mas há vizinhos do Brasil que vêm crescendo bastante. Não temos cometido erros também?
GL – Sim, temos crescido pouco principalmente por razões domésticas. Está muito caro produzir no Brasil, deixamos de ser competitivos, o mercado de trabalho está extremamente apertado, os custos salariais são altos e a produtividade tem caído. O setor de serviços consegue repassar esses custos ao consumidor final com reajustes médios de 8% ao ano. Mas a indústria sofre para exportar e para competir com produtos importados. Embora o consumo tenha se comportado relativamente bem, nossa produção não conseguiu acompanhar. O Brasil também sofre com a baixa taxa de investimento, um problema crônico que se acentuou com o aumento do pessimismo dos empresários em relação à economia e ao governo. 

IM – Por que os investimentos não cresceram mesmo com juros mais baixos?
GL – O viés estatizante do governo Dilma tem afugentado os investidores. Você acha que a Bovespa vai mal porque o mercado de commodities está ruim? Não. É basicamente porque tivemos interferências do governo, regulatórias ou de gestão, que fizeram com que o investidor ficasse com o pé atrás. Os investidores saíram muito machucados do episódio do setor elétrico. Como é que o governo pode esperar investimentos adicionais em energia se de repente há uma surpresa dessas? O governo tem uma grande dificuldade em dialogar com o setor privado e tem aquela visão de que a taxa de retorno não pode superar 7%. 

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IM – Mas quando autoriza a Petrobras a reajustar o diesel, eleva a Selic para combater a inflação ou aumenta a taxa de retorno das concessões de rodovias, o governo não dá sinais de mudança?
GL – A mudança é mais evidente na infraestrutura. O governo desistiu de tabelar o lucro dos concessionários e entendeu que não adianta colocar uma taxa de retorno muito baixa, porque só se transfere uma infraestrutura ruim do setor público para outra ruim nas mãos do setor privado. Mas é um processo desgastante que tem demorado demais. Os investidores estão na expectativa de ver mais segurança jurídica para investir em infraestrutura. A situação econômica e a inflação também adiam investimentos. A inflação já faz com que o consumo da classe média cresça menos. Não há um sentimento de crise entre os empresários, mas há desânimo e desilusão. 

IM – Quão grave é o problema da inflação?
GL – É sério o suficiente para merecer atenção especial. A meta de inflação de 4,5% já é alta. É incrível que a inflação esteja em 6,5% com um crescimento tão baixo. Mas a gente já percebe uma mudança no discurso do BC. Haverá novos aumentos da Selic, para 8,25% ou 8,5%, mas fica a dúvida se isso será suficiente. Boa parte do crédito às empresas é indexado à TJLP, e não à Selic. Esse canal de política monetária está entupido. 

IM – A redução de impostos pode ajudar a segurar a inflação?
GL – É uma política totalmente equivocada, porque a inflação é um fenômeno que tem a ver com desequilíbrios de oferta e demanda. Quando o governo baixa um imposto, pode até ter um efeito imediato sobre os preços. Mas sem um freio na demanda, eles voltam a subir. A inflação é um processo de reajuste continuado. 

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IM – Qual é o risco de tomar medidas heterodoxas para conter a inflação?
GL – O risco é desviar a atenção do essencial e vender a ilusão de que a inflação está sob controle quando ela não está, gerando mais distorções. Essas desonerações vão afetar o resultado fiscal. O governo vai ter que contrabalancear isso com outras medidas. Não sou contra desonerações quando elas têm o objetivo de reduzir a carga tributária de maneira responsável, para baratear a produção. Reduzir o custo da energia é positivo, mas, quando o objetivo é melhorar a inflação, não funciona. 

IM – A presidente deveria se meter menos na economia?
GL – Ela pegou uma agenda de “marquetólogo”. É uma política econômica feita por marqueteiros, e não por economistas. O que pega bem? Ir à televisão falar que os juros estão mais baixos, que a conta de luz está mais barata, que o preço do feijão é menor porque não tem imposto. Atrapalha muito ter uma agenda de marketing em vez de uma agenda econômica. Não significa que não seja bom ter juros baixos nem menos imposto, mas essas coisas têm de ser feitas de maneira estruturada. Os juros caíram rápido demais. A sociedade percebe quando a queda vem mais para atender uma meta política. 

IM – O governo parece ter na cabeça que o ideal seria frear a inflação sem prejudicar o emprego. Isso é possível?
GL – Acho muito difícil. Teoricamente, se aumentar a oferta, daria para segurar a inflação. Mas nós sabemos que a economia não funciona assim. No curto prazo, os instrumentos disponíveis são os que atuam sobre a demanda: a política fiscal ou a política monetária. O que está errado hoje é que o governo está expandindo a política fiscal colocando mais lenha na fogueira da inflação, ao mesmo tempo em que o BC começa a restringir a política monetária para jogar água no fogo. A alta de juros terá de ser muito maior, porque as duas políticas não estão trabalhando do mesmo lado. O setor privado é o mais atingido pelos juros. Se eles segurassem mais a política fiscal, haveria um prejuízo menor ao emprego. 

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IM – Como você vê os resultados fiscais?
GL – Desde 2011, é só deterioração. O resultado do ano passado foi muito ruim e pouco transparente, com manobras contábeis. E neste ano tudo indica que teremos algo ainda pior. O governo tem uma visão de que ainda há espaço fiscal. O ministro [Mantega] já disse que, com juros menores, o superávit primário, que é o esforço para pagar juros, poderia também ser menor. É um raciocínio puramente aritmético, mas, do ponto de vista econômico, é também paupérrimo. Se o governo tivesse mantido um superávit primário razoável, poderia baixar os juros ainda mais sem que houvesse inflação. Poderia ter sido feita uma análise mais qualitativa dos gastos públicos, reduzindo despesas de custeio e aumentado investimentos. 

IM – Você acredita que o mercado possa começar a questionar a solvência brasileira?
GL – A gente está longe disso. Do ponto de vista de dívida, o Brasil está tranquilo, mas não podemos continuar assim. As crises recentes mostram que o investidor é meio imprevisível. Ele pode aceitar por muito tempo que a dívida seja de 120% do PIB, mas, de repente, se revolta. Às vezes, o mercado reage com níveis de dívida bem menores, de 60% ou 70% do PIB. É difícil dizer qual é o gatilho da dívida brasileira.

IM – A desvalorização do real é inflacionária. Você acredita que é correto deixar o dólar se valorizar?
GL – Isso pode ajudar na competitividade dos produtos brasileiros? Pode. Mas a taxa de câmbio deveria estar amparada em fundamentos. Não pode ser uma taxa fixada pelo BC por meio de juros artificialmente baixos ou com intervenções permanentes. Eu manteria a política que vinha sendo feita, na qual o BC atuava no mercado de câmbio para reduzir a volatilidade do processo e acumulava reservas. Mas sem querer fixar o câmbio em um nível artificialmente depreciado. 

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IM – Mas hoje países como EUA, Japão e Austrália também intervêm no câmbio…
GL – Não é uma intervenção direta. Esses países têm uma política monetária muito frouxa, que acaba interferindo no valor das moedas. Mas qual deveria ser a nossa resposta? Teríamos que baixar mais os juros. E por que não fazemos isso? Porque temos inflação. Acho que o governo não vai depreciar o real demais, para que não haja impacto na inflação, nem vai permitir uma grande apreciação. O dólar deve ficar entre R$ 2 e R$ 2,10. 

IM – Alguns economistas acreditam que o dólar pode se valorizar muito mais do que isso…
GL – Vai ocorrer um evento em 2013 ou 2014 que é o fim do programa de relaxamento monetário nos EUA. Quando houver um claro sinal de que o Fed voltará a elevar os juros, a tendência do dólar será de se apreciar. Nesse momento, o real poderá chegar a R$ 2,20. O governo vai atuar para que esse movimento não seja abrupto e para evitar um impacto na inflação. 

IM – O que mais você faria diferente se ainda estivesse no governo?
GL – Reafirmaria a autonomia do BC para executar a política monetária. A história do BC é como aquela da mulher de César, para quem não basta ser honesta, é preciso parecer honesta. Quando a própria presidente diz que os juros baixos foram uma vitória do governo dela, fica parecendo que o local de decisão sobre a Selic migrou do BC para o Palácio do Planalto. Não estou dizendo que não é o BC quem decide mais os juros, mas se criou essa impressão. E basta essa percepção existir para haver um problema. 

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IM – Por quê?
GL – A base teórica do regime de metas de inflação é que o BC vai agir para trazer os preços para a meta. É possível baratear o custo da política monetária quando as pessoas acreditam na meta do BC. Se todo mundo acreditar que a inflação vai cair, ela acaba caindo mais rapidamente. Mas se o BC perde a credibilidade, fica mais difícil de combater a inflação e se torna necessário um maior esforço nos juros para atingir o mesmo resultado. 

IM – Você acredita em alguma mudança relevante nas políticas ou na equipe econômica se o PIB não deslanchar?
GL – Tenho a perspectiva de melhora do PIB. No ano passado, foi 0,9% de crescimento. Estimo 3% neste ano. Não deve haver uma mudança drástica porque há eleição em 2014. Até lá, o governo vai tentar manter a inflação no nível atual e deslanchar as concessões de infraestrutura, sem mudanças de equipe. 

IM – Como o você avaliaria os últimos três governos?
GL – O governo FHC foi transformacional, porque plantou as sementes para o futuro. Evidentemente ele não resolveu todos os problemas. Mas não é correto questioná-lo sobre as privatizações, por exemplo. Muito do que não deu certo nas privatizações teve como razão a mudança de modelo das agências reguladoras. Em vez de terem um papel forte, as agências passaram a ser utilizadas como objeto de barganha política. Aí o cidadão culpa a privatização quando não consegue fazer uma ligação pelo celular, em vez de culpar a regulação frouxa. O governo Lula seguiu na linha de fazer reformas e trabalhou muito a questão social, o que é positivo. Mas ele deixou o país com um modelo de crescimento meio esgotado, porque tardou demais a incentivar a expansão da oferta via investimentos em infraestrutura. O governo Dilma apostou em uma mudança da política econômica que não deu resultado nenhum. Muito pelo contrário, está trazendo crescimentos pífios. Mas é cedo para fazer um diagnóstico definitivo. A presidente ainda tem a chance de retomar a agenda de reformas para tornar o país mais competitivo.

IM – Você acredita na possibilidade de a presidente não se reeleger?
GL – Ela é a franca favorita. Sob a ótica da população, está tudo muito bem. Na ausência de um fato novo ou de um erro muito óbvio de construção da campanha, ela deve ganhar.

Essa matéria foi publicada na edição 45 da revista InfoMoney, referente ao bimestre julho/agosto de 2013. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui.