Nem fracasso nem sucesso total: qual o saldo para a Petrobras e para o governo do leilão da cessão onerosa?

Petrobras terá que desembolsar mais do que o esperado, podendo elevar sua alavancagem; já governo terá que aprender com o que deu errado neste leilão

Lara Rizério

(Tânia Rêgo/Agência Brasil)

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SÃO PAULO – Um “sucesso”, nas palavras de Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia brasileiro. “Frustrante”, segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ),  e de muita gente que acompanha o mercado nesta quarta-feira (6).

Estas foram as definições bastante díspares sobre o megaleilão da cessão onerosa, feito pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) durante a manhã. De acordo com estimativas do governo, o leilão de quatro blocos poderia levar a uma arrecadação de até R$ 106,56 bilhões em bônus de assinatura (o valor que as companhias pagam pelo direito de exploração), com 17 companhias habilitadas para participar do certame, incluindo empresas estatais e privadas estrangeiras, além das brasileiras Petrobras e Enauta Energia.

O que ocorresse hoje, aliás, era visto como um bom termômetro do apetite do investidor estrangeiro pelo Brasil em um contexto de reformas estruturais no País, ao mesmo tempo em que os vizinhos latino americanos sofrem com reveses de suas políticas liberais.

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Assim, à primeira vista, o resultado do leilão não foi visto com bons olhos pelos investidores, uma vez que dois dos quatro blocos (Sépia e de Atapu) não receberam nenhuma proposta, enquanto os outros dois leiloados (Búzios e Itapu) tiveram a participação massiva da Petrobras (PETR3;PETR4), totalizando um bônus de assinatura de R$ 69,96 bilhões, 66% do esperado inicialmente.

No bloco mais caro, de Búzios, com um bônus de R$ 68,194 bilhões, a serem pagos até o dia 27 de dezembro, a petroleira brasileira entrou com uma fatia de 90%, em consórcio com as estatais chinesas Cnodc e Cnooc (ambas com uma participação de apenas 5% cada uma).

Desta forma, a Petrobras entrou com uma participação bem acima da mínima de 30% que ela havia apontado, gerando preocupações sobre a alavancagem da estatal. Ela tem realizado um intenso programa de venda de ativos e foco em exploração e produção para reduzir a sua dívida. Ao mesmo tempo, no âmbito macroeconômico, aumentaram as preocupações sobre os motivos para a falta de apetite de grandes empresas privadas estrangeiras no País.

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Apesar de todos essas indicações negativas, de antemão a “frustração” com os resultados do leilão já poderia ser antecipada nos últimos dias, dada a exigência da Petrobras pelos investimentos feitos anteriormente por ela.  Os valores foram considerados altos demais, o que gerou incerteza sobre como se daria as negociações posteriormente com a estatal e afastou muitos estrangeiros do leilão.

O problema no desenho do leilão levou a uma queda das ações da Petrobras, que chegaram a ter baixa de 5% logo após a primeira oferta da companhia, além de uma forte disparada do dólar, uma vez que não houve a entrada de capital externo tão esperada e que tinha gerado alívio no câmbio nas últimas sessões.

O próprio diretor-geral da ANP, Décio Oddone, destacou o problema: “neste caso da cessão onerosa, além de a Petrobras exercer a preferência por dois blocos, existe outro fato que inibe muito mais, que é a necessidade de algum consórcio ter de negociar no futuro uma indenização bilionária para a Petrobras”.

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Frustração e alívio

Assim, ao mesmo tempo em que confirmou a falta de interesse estrangeiro no leilão, a razão para o saldo a princípio negativo do leilão gerou certo alívio entre os investidores. Isso por mostrar que o resultado abaixo do esperado não foi sintoma de que os estrangeiros não estão interessados no Brasil de uma forma geral – e sim por conta de uma questão específica do certame.

Sem os estrangeiros, a Petrobras teve o protagonismo total, inclusive assumindo obrigações acima do esperado. Com isso, o fato de não ter apresentado proposta em dois blocos foi bem avaliada pelo mercado, fazendo inclusive com que os papéis amenizassem as perdas, com a avaliação de que a gestão de companhia segue de olho em projetos que valham o desembolso.

“Isso mostrou que a Petrobras está mais focada na produção e o que ela arrematou não foi para ‘agradar’ o governo”, avaliou em entrevista ao InfoMoney Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Ele ainda apontou que a análise de que o leilão foi um fracasso é errônea, ainda mais quando o assunto é a Petrobras, já que Búzios é uma das maiores reservas de petróleo do mundo e que a companhia conseguiu passar a mensagem de que está se tornando cada vez mais assertiva em suas escolhas de investimentos.

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O fato, contudo, é que a Petrobras pagará mais R$ 28,5 bilhões do que os analistas e investidores estavam esperando (R$ 63 bilhões ante expectativa de R$ 34 bilhões, que já viriam do aditivo recebido do governo no contrato de cessão onerosa). Assim, no curto prazo, a pressão sobre a companhia vai aumentar junto com a sua alavancagem, que deve passar de 2,6 vezes no terceiro trimestre de 2019 para 2,8 vezes, segundo cálculos feitos pela equipe de análise do Itaú BBA.

Já no médio prazo, apontam os analistas, a Petrobras terá que dedicar uma parcela maior de seu fluxo de caixa a investimentos e haverá um retorno no caixa muito menor. Nesse sentido, seria de esperar um atraso em pagamentos mais altos de dividendos da Petrobras, pelo menos nos próximos anos.

“Temos uma avaliação ligeiramente negativa dos resultados do leilão para a Petrobras. Apesar da qualidade dos ativos do leilão da cessão onerosa, a predominância da empresa nas ofertas sinalizou um desvio pontual na estratégia atual de redução do endividamento”, avalia Gabriel Francisco, analista da XP Investimentos (confira o relatório clicando aqui).

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Se a desalavancagem e os dividendos menores são um desafio, por outro lado os frutos que podem ser colhidos à frente são maiores. “Os blocos são de alta qualidade, largamente depreciados e foram conquistados tendo que conceder o valor mínimo de óleo para a União, o que tornam os ativos como de alto valor agregado para a Petrobras”, avalia Vicente Falanga, analista do Bradesco BBI. Ele aponta que as áreas arrematadas podem angariar um valor entre R$ 1,90 a R$ 4 para os ativos PETR4.

Leia mais: o gráfico da Petrobras que mostra a forte volatilidade das ações com o megaleilão da cessão onerosa

“Finalmente, com o custo da dívida potencialmente permanecendo baixo por mais tempo, as questões sobre permanecer mais alavancada no curto prazo não devem ser vistas como muito importante, a menos que os preços do petróleo caiam acentuadamente”, avalia o analista.

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Desta forma, ele segue com recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado) para os ativos e aponta que, embora preferisse que a Petrobras desalavancasse de forma mais rápida, o resultado do leilão desta quarta não muda a visão positiva na companhia. Três premissas seguem guiando o otimismo com a estatal: i) a já citada desalavancagem, ii) o menor custo de capital e iii) uma perspectiva de sólido crescimento.

Resultado negativo para o governo, mas ele tem mais uma chance

O resultado do leilão, por sua vez, foi visto como negativo para o governo brasileiro, uma vez que os blocos da Atapu e da Sépia não foram leiloados, implicando em uma decepção de R$ 36,6 bilhões na arrecadação de recursos, conforme aponta a XP.

Vale ressaltar que o governo terá que ressarcir a Petrobras em R$ 34 bilhões e, desta forma, restarão R$ 36 bilhões resultantes do leilão de hoje. Esse montante será dividido entre a União (67%), Estados (15%) e municípios (15%). O Rio de Janeiro terá uma vantagem uma vez, que, além da cota que receberá pela divisão entre os estados, receberá mais 3% do total, devido à localização das áreas ofertadas.

Muitos governos em crise fiscal contavam com o valor da cessão onerosa para aliviarem o seu caixa – assim, a frustração dos entes estaduais e municipais com o capital angariado pode gerar uma nova fonte de pressão sobre o governo federal.

Porém, haverá mais uma chance. O governo já afirmou que fará o leilão dos blocos Sepiá e Atapu novamente no próximo ano. “No entanto, para que o leilão atraia maior interesse, o governo deve entender o que levou as empresas a não fazer lances”, avalia o Bradesco BBI, reforçando a avaliação de que o principal problema foi o mecanismo de negociação para reembolsar a Petrobras posteriormente e que gerou muitas dúvidas entre as estrangeiras.

Desta forma, de uma forma geral, o resultado do leilão desta quarta-feira não pode ser visto nem como um fracasso total do Brasil em conseguir atrair o investidor estrangeiro, nem como um grande sucesso, já que os recursos não angariados farão falta nas contas dos três níveis de governo (federal, estadual e municipal).

A expectativa é de que o País consiga atrair mais investidores – mas será preciso um novo modelo de leilão que cause maior atratividade dos estrangeiros. Assim os olhos dos investidores ficarão cada vez mais voltados nos termos que darão o novo certame. Se persistirem as fontes de incerteza, mais uma vez as empresas privadas do exterior podem fugir da disputa e a frustração pode ser ainda maior.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.