Cheio de desafios, Temer ainda tem de apaziguar o PSDB, o PMDB e Renan Calheiros

O presidente ganhou até com certa facilidade a batalha final do impeachment – 61 votos a 20 -, mas agora tem uma batalha mais complicada: unir sua base em torno do ajuste fiscal e das reformas.

José Marcio Mendonça

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A alegria e o deslumbramento bem visíveis de Michel Temer, na festa da posse no Congresso Nacional, na reunião ministerial e até no tom grave que procurou dar à noite ao pronunciamento à Nação, não disfarçam os problemas de última hora que ele terá de se enfrentar e que não estavam na conta nem dele nem de seus auxiliares neste início de mandato agora sem interinidade.

E não se tratam das dificuldades econômicas já conhecidas e das soluções difíceis que terá pela frente, das quais procurou dar conta aos brasileiros em suas duas falas no dia da vitória. Não se tratam também das pressões e dificuldades que já está ciente que encontrará para realizar os ajustes econômicos, especialmente na contas públicas. Isto tudo já está, como se diz no linguajar do mercado, “precificado”. A esperança de Temer era que o impeachment definitivamente aprovado desanuviasse um pouco mais esse ambiente.

Porém, não, surgiram obstáculos, pedras inusitadas no caminho. O primeiro foi a quase declaração de guerra, o discurso beligerante da ex-presidente Dilma Rousseff logo após consolidada sua cassação. E encampado pelo PT, pelo menos por uma parte do PT e por grupos de movimentos sociais sempre dispostos a causar algum tipo de distúrbio. Temer tinha expectativa de ajustar algum tipo de conciliação com o PT, chegou a acenar com a possibilidade de conversar com Lula para evitar confrontos estéreis e paralisantes no Congresso. O PT e os adeptos de Dilma são aguerridos e têm como poucos o know how do oposicionismo radical.

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O discurso de Dilma com o amparo petista (curiosamente com o silêncio de Lula e do comando partidário) acabou um pouco com essa ilusão. As pontes foram queimadas. O que levou Temer, na fala aos ministros, a também bater duro, a dizer que não aceitará a pecha de golpista e a orientar seus auxiliares a responderem no mesmo tom, no linguajar de briga de rua a não levar desaforo para casa.

O segundo ponto, talvez mais grave, é que o episódio da votação do destaque do PT que acabou evitando a cassação dos direitos públicos da ex-presidente explicitou sérias divisões na base aliada, tanto entre alguns partidos, caso do PMDB de um lado e o PSDB e o DEM de outro, quanto no partido do presidente, com o PMDB palaciano de Temer e o PMDB no Senado de Renan Calheiros. Nem DEM nem PSDB gostaram das ações de Renan para evitar a cassação dos direitos políticos de Dilma. E menos ainda Temer, que se sentiu traído, não sabia das andanças de seu aliado e presidente do Senado. Tanto que os dois partidos e Temer chegaram a pensar em recorrer da decisão no STF – depois preferiram esperar o pó baixar.

E agora, Temer?

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Ficou claro, porém, para ambos, que Renan, de inegável habilidade política, com liderança no Senado que vai além do PMDB, tem projetos próprios nem sempre coincidentes com os de outros aliados da base governista e os de Temer. Lembrar-se que quando a crise começou a ficar mais aguda e o impeachment entrou no radar a política para valer, o PMDB lançou um plano para o Brasil e Renan quase simultaneamente lançou uma agenda própria, com poucos pontos coincidentes e muitos divergentes. Tudo isso levou Temer a dizer também, como um recado para o seu grupo, que divisões na base aliada são “inadmissíveis”. A pergunta é: até que ponto Renan pode ser “administrável”?

O grande teste, quase imediato da “fidelidade” de Renan aos programas do novo governo peemedebista virá ainda na semana que vem, mais tardar na seguinte, dependendo em parte de como funcionará o Congresso na Semana da Pátria com o feriado de 7 de Setembro. O presidente do Senado marcou para esses dias a votação da proposta de aumento salarial para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), teto para o salário de todos os servidores públicos. Renan, com dez processos na corte, defende o aumento, com entusiasmo, junto com boa parcela do PMDB e outros aliados.

Temer e a equipe econômica dizem que não querem nem ouvir falar desse assunto agora, para não comprometer ainda mais a obtenção da meta fiscal de déficit de R$ 170,5 bilhões este ano e R$ 139 bilhões ano que vem. Somente no Judiciário esse aumento traria um custo a mais na folha de pagamento de R$ 5 bilhões anuais. Sem contar o reflexo sobre toda a cadeia de servidores. Temer também não quer mais esse desgaste junto ao mercado, aos empresários e aos investidores, que não gostaram das concessões feitas pelo governo também em aumentos para diversas categorias do funcionalismo. O DEM e o PSDB já mandaram seguidos recados ao Planalto, alguns diretamente ditos a Temer, que se o governo ceder nesta área eles podem se afastar da base aliada. O que, somado à dura oposição prometida pelo PT e adjacências, pode dificultar a aprovação dos projetos de ajuste fiscal – PEC do Teto de Gastos, reforma da previdência, reforma trabalhista, todos muito polêmicos.

O risco é jogar fora de vez a confiança alcançada. A economia ainda patina no mundo real, haja vista o resultado do PIB do segundo trimestre, que traz sinais da recuperação das atividades em alguns setores, porém veio pior que a expectativa do próprio governo e de boa parte dos analistas privados. Os encontros no G-20 poderão dar a Temer uma medida exata de como o mundo que gira o dinheiro no mundo está vendo de fato o ambiente político e econômico no Brasil.

O único caminho de Temer, segundo o tom generalizado dos comentários nos jornais, é apostar todas as fichas no ajuste fiscal e nas reformas, sem grandes concessões e vacilações.

É, como pergunta “O Globo” ao enunciar os desafios quase imediatos do presidente: “E agora, Temer?”.

A lista:

– Aprovar o ajuste fiscal e as reformas da Previdência e trabalhista

– Reduzir o desemprego, atrair investimentos e destravar concessões

– Manter a promessa e não interferir no caso Eduardo Cunha

– Apoiar a Lava-Jato e rechaçar ações que atrapalhem as investigações

– Administrar a divisão no PMDB e pacificar a relação com o PSDB e o DEM

– Enfrentar no Congresso e nas ruas a oposição anunciada por Dilma

Outros destaques dos

jornais do dia

– “PIB cai de novo e falta fôlego para a retomada” (Folha/Estado/Valor/Globo)

– “Orçamento de 2017 corrige IR e prevê reajuste para o STF, mas reverte trajetória do gasto” (Folha/Valor)

– “Setor público tem déficit recorde de 2,54% do PIB em 12 meses” (Folha)

– “BC indica que juros não devem cair tão cedo” (Folha)

– “Plano de demissão da Petrobras deve atingir 8 mil” (Estado)

– “Benefício a Dilma pode ajudar Cunha em votação” (Folha)

LEITURAS SUGERIDAS

1. Leandro Colon – “Dureza de Temer amolecerá ao negociar com Congresso” (diz que Temer terá de conter gritaria de tucanos e instabilidade de Renan) – Folha

2. Editorial – “Governo novo” (diz que embora os delitos cometidos não sejam irrefutáveis, todo o processo do impeachment foi constitucional e cabe agora da Temer governar de fato) – Folha

3. Gustavo Baltazar – “Paciência de investidores depende de reforma” (diz que demora para aprovar projetos que freiam gastos públicos tornará ajuste custoso e recuperação mais lenta) – Folha

4. Joaquim Falcão – “Lewandowski levantou a dúvida” (diz que o país esperava que a decisão a favor ou contra Dilma trouxesse a volta da estabilidade política, econômica e segurança jurídica – não foi o que aconteceu) – Globo

5. Maria Cristina Fernandes – “A decisão falível” (diz que ainda é cedo para saber se os acontecimentos passarão à história como um golpe parlamentares, mas já é possível divisar o lugar de primeiro-ministro – e não é de Henrique Meirelles) – Valor

6. Editorial – “Presidente, Temer terá pouca margem para errar” (diz que hábil negociador político, ele terá de usar essa habilidade para colocar limites ao que pode ser concedido para atingir os fins propostos por sua agenda liberal) – Valor