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SÃO PAULO – A recente mudança de governo e possível troca permanente de Dilma Rousseff por Michel Temer mudou bastante o cenário no Brasil, levando o investidor a ficar muito mais otimista com o futuro do país. Mas há outros fatores que estão levando o Brasil a se tornar o “queridinho” dos investidores ao redor do mundo. Esta é a visão do colombiano Alberto Bernal, estrategista-chefe da XP Securities em Miami.
Em entrevista ao InfoMoney, ele afirma que os países emergentes estão se tornando a melhor opção de investimento no mundo, mas que o Brasil vive um momento ainda mais especial, o que está levando a Bolsa a subir forte e o dólar para quedas ante o real. Para Bernal, o Brexit, o adiamento da alta de juros nos Estados Unidos, a tentativa de golpe na Turquia e outros eventos estão beneficiando cada vez mais o Brasil.
Bernal foi considerado o economista mais preciso da Colômbia em 2006 pela Revista Dinero e um dos cinco principais economistas do futuro da Colômbia pelo jornal La República. O estrategista ainda é colunista do LatinTrade Magazine, Alto Nivel Magazine, e do jornal colombiano La Republica, além de ser professor adjunto da Escola de Negócios da Universidade de Miami.
Não perca a oportunidade!
Confira os principais trechos da entrevista:
InfoMoney – O mercado está bastante otimista e a Bolsa voltou a subir forte nos últimos dois meses…
Alberto Bernal – …a Bolsa brasileira pagou, em dólares, desde o início do ano 59,2% até agora. O cenário é lindo.
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IM – E você acha que este é o momento, que o investidor está certo em estar animado com o mercado brasileiro?
AB – Eu entendo porque o Brasil continua a performar tão bem. Basicamente é uma história dividida em duas partes, e a primeira não tem nada a ver com o Brasil. A situação externa está forçando as pessoas a olharem para outras oportunidades de investimento.
E aqui está o por que: se você é um investidor japonês, por exemplo, você não acha nada para investir porque se você comprar um bond de 10 anos, que no Brasil paga 11,8% em reais, no Japão ele vai pagar 0,2% negativo. Se você é um investidor que precisa de algum tipo de retorno, seja para aposentadoria ou qualquer outra coisa, você não vai receber nada porque no Japão eles pagam taxas negativas de 0,2% nos bonds. Você precisa fazer alguma outra coisa, ou você irá morrer de fome. As taxas de juros estão tão baixas ao redor do globo que estão forçando as pessoas mais uma vez a olhar ao redor do mundo procurando oportunidades. E o Brasil está aí porque ele paga taxas de juros muito altas, assim como a Argentina.
E a segunda parte é onde entra o mercado local. Mesmo que você tenha muitas dúvidas sobre o futuro, você precisa admitir que as coisas estão pelo menos um pouco melhores no lado político. A administração de Michel Temer conseguiu gerar mais confiança dos investidores. Há maiores expectativas de que o governo irá aprovar algumas das reformas que ele precisa. Mas o mais importante, lembre-se que tudo é relativo. E neste caso, esta história fica ainda mais interessante.
Eu tive um encontro incrível com um gestor de uma Asset no Brasil no mês passado. Ele disse algo muito inteligente, e isto aconteceu um dia após o Brexit. O Reino Unido decidiu sair da União Europeia, eu estava em São Paulo. Eu estava no escritório deste cliente e percebi que estava um ambiente muito calmo e tranquilo e perguntei para ele “por que está todo mundo tão calmo, por que ninguém está em pânico com o Brexit?” E ele disse algo mágico para mim: “É simples, porque antes do Brexit todos diziam que o risco político do Brasil era 10 vezes maior que o risco político do Reino Unido. Depois do Brexit, você não pode mais falar isso. Houve uma convergência dos riscos. O Brasil, em escala, se tornou menos arriscado que o Reino Unido”. Vê como isso é mágico?
O fato de que há notícias ruins em outros lugares do mundo, acaba levando a uma convergência dos riscos, e isso é bom para o Brasil.
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IM – Os investidores estão vendo com bons olhos o governo do Temer, mas você acredita que ele será capaz de aprovar as medidas necessárias no Congresso?
AB – Eu acho que ele terá pelo menos a capacidade de entregar algumas coisas que ele prometeu. Não será 100%, e nunca é. Se fosse 100%, tudo seria perfeito e não estariam pagando as taxas que pagam hoje. As coisas não são perfeitas, e é por isso que os juros são tão altos. Quanto maiores os juros, maiores os riscos.
Segundo Zeina [Latif, economista-chefe da XP Investimentos], há uma expectativa muito maior sobre a capacidade de que o governo irá entregar algumas das reformas necessárias, e este também é o consenso do mercado. Reformas nas pensões, trabalhistas, fiscal, etc. Acho que o mercado passou a se ajustar sobre esta realidade.
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Nos últimos dias, eu passei a ouvir de muitas casas, do JP Morgan, Ashmore e outros lugares relevantes como BlackRock, como os mercados emergentes, e a América Latina de forma mais específica, estão muito melhores.
IM – Este tem sido um bom momento para os mercados emergentes em geral, mas o que aconteceu na Turquia pode afetar a visão dos investidores sobre outros mercados? Dentro deste grupo dos emergentes, você acha que nós conseguimos ter ainda mais destaque que outros países?
AB – Eu acho sim. Acho que os países mais beneficiados com o que aconteceu na Turquia são a Indonésia, África do Sul e Brasil, países que pagam altas taxas de juros. São boas notícias. As pessoas olham para a Turquia e pensam “isto aqui saiu de controle, este cara [Recep Erdogan, presidente da Turquia] está fazendo coisas estranhas”. Para mim, isto é assustador, porque lembra muito o que aconteceu com o Irã antes da Revolução Islâmica. Eu espero que não aconteça, mas estou preocupado.
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Mas as pessoas não vão “vender” o Brasil pelo que aconteceu na Turquia. Lá é um problema específico, não é nada sistêmico que pode afetar outros mercados. Neste cenário de altas taxas de juros ainda teremos outros grandes fluxos de dinheiro e que não irão para a Turquia. E eu definitivamente não venderia o Brasil por causa do que aconteceu lá.
IM – A Bolsa tem se sustentado pelo cenário doméstico e alguns fatores externos, mas o dólar depende da economia dos Estados Unidos e os analistas ainda divergem sobre o rumo da moeda até o fim do ano. Você acha que patamares próximos de R$ 3,00 são sustentáveis?
AB – Sim, mas novamente esta será uma questão externa. Minha visão, como analista e estrategista, é que o dólar não pode se valorizar mais do que o nível atual. Os EUA estão em uma situação de relativa dificuldade de crescimento. Quando olhamos para o que está acontecendo agora, a força do real, ou do peso argentino, ou do peso colombiano, peso chileno, é mais por causa do ambiente externo, que, novamente tem relação com o cenário de bonds globais que não pagam nada para os investidores.
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Com as taxas de juros pelo mundo tão baixas, com fluxos maiores indo para países com taxas mais altas, minha recomendação para meus clientes quando eu falo com eles todos os dias, eu digo “se eu fosse você, eu não tiraria meu investimento destes bonds, porque eu não consigo pensar em nada diferente para recomendar para você”. Todo mundo está falando isto para seus clientes.
Por exemplo, imagine que você está com um bond brasileiro e ele está me pagando muito (e está!), se você comprou estes títulos de dívida no começo do ano você está ganhando sessenta e poucos porcento em dólares. E seria lógico as pessoas pensarem em vender agora que já ganharam tanto dinheiro, mas elas estão se recusando a fazer isso. E elas não estão vendendo porque para isso, você teria que dizer ao seu cliente o que comprar. E esta combinação de cenário faz com que as moedas de países emergentes tenham espaço para subirem ainda mais.
IM – E você acredita que os Estados Unidos vão subir os juros logo?
AB – Eu acho que os Estados Unidos querem elevar os juros, mas eles não vão poder subir as taxas. Eles vão tentar fazer o melhor, mas não vão ser capazes de entregar os resultados. Um dos problemas é a economia e isso explica porque existem candidatos como Donald Trump. Você tem pessoas menos confiantes com a economia do país e passam a votar em candidatos mais agressivos como ele. Trump só está indo longe porque há muita expectativa negativa sobre o futuro. Eu acho que é importante ter em mente que aconteça o que acontecer, vai ser bastante difícil. As pessoas estão muito desencantadas com a política.
O Fed não vai conseguir subir os juros mesmo se quiser. Eles querem normalizar a política monetária. O Fed é uma instituição ortodoxa, eles não gostam do Quantitative Easing, eles não gostam destas coisas, eles querem voltar ao normal, mas não podem. A situação não permite. Nós precisamos entender os riscos. Eu acho que o Fed não será capaz de elevar os juros em nenhum momento em 2016 ou 2017. Os juros vão continuar baixos, e há ainda um grande risco do Fed ser obrigado a cortar as taxas no ano que vem, e não subir.
IM – Você comentou que os analistas não se preocuparam tanto com o Brexit aqui no Brasil. Mas e no resto do mundo, qual será o impacto nos principais mercados globais?
AB – Eu acho que terá um maior impacto na Europa, onde o crescimento será menor. Mas é preciso entender por que isso aconteceu. Eu estava muito preocupado com o Brexit e achava que seria um evento muito ruim. Mas eu estava errado.
Eu não acho que estava errado em relação aos fundamentos. Se você é um homem de negócios no Reino Unido hoje e não sabe como será o futuro agora, você não estará disposto a investir. Você precisa de certezas, esta é a base do investimento. Por que investir em um país onde você não sabe o que irá acontecer nos próximos três anos já que não sabe quais serão as regras do jogo? É importante ter em mente que que as incertezas irão continuar e o Reino Unido irá entrar em recessão em algum momento em 2017. Disso que tenho certeza. Mas se este é o cenário, por que o mercado não ficou maluco?
A questão é que todo mundo já sabe disso, não é novidade que as coisas ficarão feias daqui para frente. Então, as pessoas vão começar a incluir isso em seus cenários e análises e, com isso, começar a precificar que teremos muito mais estímulos econômicos pelas autoridades da Europa. E quando isso acontecer, teremos ainda mais dinheiro no mercado. Com mais dinheiro, é de se esperar que os preços irão subir ainda mais.
Um bom exemplo é a Royal Dutch, empresa de petróleo, que está pagando agora um dividend yield de 6,6% em dólares. Se você tem uma taxa dessa, mas os seus juros no mercado de bonds é de apenas 1% ou 2%, você realmente não deveria vender esta ação, porque o que você iria fazer com isso. Não há porque sair das ações e ir para os bonds porque eles vão te pagar menos.
IM – E a briga interna do Mercosul contra a Venezuela. Como você enxerga esta questão e há algum risco para os países membros?
AB – A maioria dos países está melhorando e a ovelha negra claramente é a Venezuela. O que está acontecendo por lá é tão patético, quer dizer, é uma crise humanitária, como se tivéssemos uma África na América do Sul. Centenas de milhares de pessoas não têm o que comer e estão cruzando a fronteira com a Colômbia para conseguir algum alimento.
Isto já deixou de ser um problema econômico, já é um problema humanitário. Eu não tenho ideia do que irá acontecer na Venezuela. Você perdeu uma geração inteira, e você vê pelas notícias que os danos que o chavismo fez para o país são incomparáveis na história da humanidade, porque, e isto é incrível, as pessoas estão morrendo de fome e a popularidade do presidente ainda é de 30%. A raiva da população pobre contra os mais ricos é tão grande que as pessoas preferem morrer de fome porque sabem que a outra parcela do povo também está sofrendo. É uma questão de ressentimento, inveja, é algo como “eu não me importo se não posso comer porque você também não pode”, e isto acontece por causa de dinheiro ou questões sociais.
Eu não sei como eles vão sair dessa, mas eu sei de uma coisa: isto irá colapsar em algum momento. E os investidores estão se aproveitando da estupidez do governo venezuelano porque os bonds lá pagam 29% em dólares e eles continuam pagando. Um governo que é comunista, ou socialista, está pagando Wall Street, mas não está dando comida para sua população. É incrivelmente patético como as coisas estão indo por lá.
Eu acho que as coisas irão mudar em algum momento, mas acredito que primeiro tudo irá piorar antes de começar a melhorar.
Sobre o Mercosul, as coisas mudaram. Tanto Argentina quanto Uruguai, Brasil e Paraguai estão agora com governos mais para a direita, o que deixa o governo da Venezuela sem mais nenhum amigo no Mercosul.