Mellon de um lado, Keynes do outro: intervenção nos EUA pode acabar piorando cenário

Bill Gross acende o debate, olha a série de pacotes por outro ângulo e decreta o fim da linha para o capitalismo à moda americana

Publicidade

SÃO PAULO – Em sua maioria, o mercado parece aceitar que o destino das economias depende bastante dos aportes governamentais já freqüentes. O velho debate entre partidários republicanos e democratas nos Estados Unidos e a resistência dos economistas mais liberais pouco a pouco foram acalmados pelo avanço dos problemas. Também aos poucos, o mercado esquece que um dos principais legados desta crise certamente será a queda do capitalismo American-style.

Os planos de resgate do governo norte-americano por si só já são controversos. Basta lembrar que Paulson utilizou a sigla Tarp (Troubled Asset Relief Program) para definir que o objetivo de seu plano era a compra de ativos podres. Um mês depois, o próprio Paulson questionou a efetividade de se comprar ativos hipotecários. À primeira vista, os republicanos se mostraram totalmente contra; uma semana depois assinaram a favor.

Sobre a questão, Bill Gross, diretor da gestora de recursos Pimco, lembra das palavras do antigo secretário do Tesouro Andrew Mellon. Em 1930, Mellon aconselhou o mercado a liquidar suas posições, eliminar tudo que fosse improdutivo – “eliminem a podridão do sistema”, disse na época. Gross tentou descrever como o ex-secretário e seus seguidores interpretariam as medidas atuais: o governo está tentando apagar o fogo com gasolina.

Não perca a oportunidade!

Assumindo um olhar mais liberal das coisas, argumenta que parece insensato injetar trilhões de dólares em novos débitos em um mercado que ruiu exatamente por mostrar níveis de endividamento insustentáveis.

Obama pensa diferente (um pouco)

As palavras de Barack Obama na tarde da última quinta-feira (8) mostram que o presidente-eleito pensa diferente, ou é obrigado a pensar. Em discurso sobre seu plano de estímulo, reconheceu que o déficit orçamentário se elevará muito e que os custos com o novo aporte devem ser maciços, mesmo sem citar números.

Somente por esta idéia, fica a impressão que Obama está do lado dos “Mellons”. Por outro lado, defendeu a necessidade dos aportes, argumentando que, sem ajuda agora, a recessão pode se estender por muitos anos sobre a economia do país. Ruim com os resgates, pior sem eles.

Continua depois da publicidade

A queda de um sistema

Na mesa de debate, a efetividade destes aportes é tão controversa quanto sua criação. Alguns críticos lembram que déficits governamentais tendem a alimentar elevações de juro básico e reduzir os investimentos do setor privado. Outros episódios de aportes governamentais maciços remetem a casos posteriores de hiperinflação.

O grande defensor, ou melhor, difusor destas práticas foi John Maynard Keynes. Suas idéias de intervenção estatal, no início questionadas, ganharam força após a Grande Depressão, ajudaram a reconstruir a Europa e o Japão no pós-guerra. Ainda assim, as idéias do economista britânico cederam espaço para um modelo mais liberal, que tornou a economia norte-americana seu grande expoente.

Este American-style capitalism que tende a cair após a crise atual. Da economia liberal, os Estados Unidos provavelmente passarão a ser reconhecidos como o país dos pacotes governamentais. Se os planos irão realmente recuperar a maior economia do mundo ou trazer impactos posteriores ainda mais significativos, só o tempo pode dizer.

Mellons x Keynesianos

Mas mesmo com a questão em aberto, Bill Gross olha estes pacotes por outro lado. Afirma que não só os Estados Unidos mas também a maioria do G-7 se tornou mais e mais dependentes da valorização dos ativos nestes últimos 25 anos de capitalismo.

Antes do reflexo destes aportes diretamente na economia real, Gross vê os EUA como um sistema inteiro estruturado como um esquema Ponzi; necessita que Wall Street invente a cada vez novas maneiras de securitizar ativos. O papel das companhias é captar mais e mais dinheiro em Wall Street. Isso torna os planos de estímulo necessários.