Marfrig e BRF tentarão se unir de novo? Operação tem grandes diferenças com 2019 – e gera dúvidas no mercado

Ao contrário de 2019, em que foi proposta operação de fusão, a Marfrig agora comprou mais de 20% das ações BRFS3; analistas veem portas abertas para união

Lara Rizério Ricardo Bomfim

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*Matéria atualizada às 20h10 com a confirmação da compra das ações da BRF pela Marfrig

SÃO PAULO – Depois de quase dois anos de um processo de fusão fracassado, novamente ganharam forças as notícias de união entre a Marfrig (MRFG3), focada em carne bovina, e a BRF (BRFS3), com foco em aves, suínos e produtos processados de Sadia e Perdigão, ainda que a moldes bastante distintos dos intencionados em 2019.

A ação da BRF passou a registrar um forte movimento de alta desde quarta-feira (19), conforme começou a ganhar espaço entre os investidores alguns rumores sobre a fusão entre as empresas. Contudo, foi nesta sexta-feira (21) que o movimento ganhou força, especialmente durante a tarde, fazendo com que os ativos BRF saltassem 16,28% no dia e acumulassem alta de 28,79% na semana. Apenas nesta sexta, o ativo movimentou BRFS3 cerca de R$ 2 bilhões, ante volume médio diário de R$ 234,5 milhões dos últimos 21 pregões. Enquanto isso, os ativos MRFG3 caíram 5,20% nesta sessão.

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Nas horas finais do pregão, o jornal Valor Econômico e o site Brazil Journal destacaram que a Marfrig estava comprando uma grande quantidade de ações da BRF e, inclusive, já teria preparado com o JP Morgan uma estratégia coordenada de compra de papéis da rival com operações à vista e aluguel de ações.

O Brazil Journal destacou que, num leilão ocorrido nesta tarde, a Previ tinha a intenção de vender cerca de 24 milhões de ações a R$ 27,15 — e a Marfrig teria a intenção de comprar uma parte substancial dos papéis.

O site especializado havia destacado que o objetivo de Marcos Molina, da Marfrig, não é fundir as duas empresas, mas chegar a 20% do capital na BRF, tornando um acionista de referência. A companhia de Molina também teria feito uma posição de 4,9% na BRF na forma de ADRs nas últimas semanas. As implicações regulatórias ainda não são claras.

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Tornando-se um acionista de referência da BRF com a participação de 20%, a Marfrig poderia impactar de um modo completamente relevante a gestão e o controle da empresa, destacou a equipe de análise da startup de conteúdo financeiro Top Gain, o que poderia levar a questionamentos por parte dos órgãos fiscalizadores.

Até o fechamento da véspera, os maiores acionistas da BRF eram Petros (9,9%), Previ (9,16%) e Kapitalo (5%).

Depois do fechamento do mercado, a BRF confirmou que a Marfrig comprou ações que poderiam resultar em participação de cerca de 24,23% do capital da companhia. As operações, que envolveram até 196,68 milhões de papéis, foram realizadas via opções e leilões em bolsa.

Contudo, a Marfrig declarou à BRF que a aquisição “visa diversificar os investimentos em um segmento no qual possui complementaridades com seu setor de atuação” e “que não pretende eleger membros para a administração da empresa, exercer influência sobre decisões ou promover alterações no controle ou estrutura da companhia”.

Em 2019, BRF e Marfrig chegaram a anunciar a possibilidade de fusão, mas desistiram por falta de acordo sobre a sociedade. As notícias de mercado na época destacaram que a união entre as companhias não aconteceu por conta da discordância de Molina sobre o tamanho da fatia que teria na companhia resultante da fusão. A BRF também queria replicar todo o seu modelo de governança; além de listada no Novo Mercado da B3, ela contava com ADR nível três, o mais exigente para ações negociadas em Nova York. A BRF também tem capital disperso, enquanto a Marfrig era uma típica empresa com dono, que esperava ter mais voz com as operações. Dessa forma, com tantas diferenças, a operação não vingou.

Complementares e positivas?

Apesar da visão de que a Marfrig não está buscando uma fusão entre as empresas no curto prazo, essa transação poderia abrir as portas para a união entre as empresas, aponta Bruno Komura, analista de renda variável da Ouro Preto Investimentos.

Há duas visões sobre o efeito da união dessas operações. Se, por um lado, pode levar a uma maior força e complementaridade das operações das empresas, por outro cabe ressaltar que ambas as companhias já tentaram diversificar as suas operações e não foram bem-sucedidas. Além disso, recentemente, a Marfrig reiterou seu foco no segmento bovino.

Em 2013, a Marfrig vendeu, principalmente para reduzir dívidas, a divisão de aves, suínos e alimentos processados Seara para a JBS (JBSS3) apenas quatro anos após a sua compra, enquanto a BRF vendeu em 2018 a empresa argentina QuickFood para a Marfrig. Cabe destacar, contudo que, naquela ocasião, as empresas também celebraram uma parceria para a produção e distribuição de hambúrgueres, almôndegas, quibes, dentre outros, produzidos na fábrica de Várzea Grande (MT). A parceria das empresas para distribuir produtos levou as companhias a discutirem a possibilidade de uma união (fracassada) no ano seguinte.

Agora, contudo, a avaliação também é de que, com a conjuntura mais favorável para a Marfrig, que apresentou resultados “estelares” em 2020, tendo um lucro líquido recorde de R$ 3,3 bilhões em 2020 (salto de 15 vezes na base anual e com forte participação da operação da empresa na América do Norte), a empresa esteja favorecida na posição de compradora.

Conforme apontam Larissa Pérez e Leonardo Alencar, analistas da XP, não há muita sobreposição entre as empresas, uma vez que a Marfrig é 100% carne bovina com operação majoritária nos EUA, seguida por Brasil, Uruguai e Argentina. Já a BRF é focada em frango, suínos e processados com operação majoritariamente no Brasil e com uma operação bem menor no Oriente Médio.

Larissa e Alencar apontam que, com operações bem distintas, um desafio a ser enfrentado é sobre a cultura das empresas. “Uma empresa baseada em carne bovina compra quase toda a matéria prima no mercado. Já a compra de grãos é muito importante para frangos e suínos para a BRF”, destacam.

A parte de integração logística também é desafiadora, mas essa sim tem potencial de gerar muitas sinergias. “Gera muita força de negociação para vender no varejo, o que tende a favorecer a leitura de portfolio. No Brasil, Marfrig e outros players podem vender produtos de terceiros [sem haver tanto impacto], mas o benefício no exterior, como vender na China com a gama de produtos bovinos e suínos, é maior”, afirmam.

Os analistas também destacam que, por a BRF ser muito mais forte em processados e a Marfrig em commodities, a união entre as empresas poderia levar a um “hedge” (ou proteção) das operações por conta da diversificação. E não só uma diversificação de produtos, mas também geográfica.

“A BRF é muito grande no Brasil e o estado da economia afeta. No caso da Marfrig é diferente, 80% das operações são nos EUA. A diversificação geográfica e de proteínas é muito bom, porque diminui a leitura de risco”, avaliam.

Komura também aponta que uma união entre as companhias seria positiva, ainda mais levando em conta o momento de bastante incerteza e forte alta dos preços dos grãos, que acabam elevando os custos para a BRF, enquanto a Marfrig, mesmo em um ciclo não tão favorável para o boi gordo, está conseguindo ter uma forte melhora das suas operações, principalmente na sua operação em EUA.

Para as duas empresas é muito bom, BRF está em um momento de bastante incerteza, com os custos dos grãos, as commodities agrícolas subindo bastante com problemas de safra aqui no Brasil e problema da demanda, elevando bastante o preço, câmbio desvalorizado também contribui para a exportação das commodities e acaba os insumos aqui para a BRF, então tem uns que o Brasil acaba sendo importador, pressionando os custos da BRF.

“No Brasil, as operações da Marfrig também estão dando bons resultados, mas provavelmente haverá alguma desaceleração. Já para a BRF, o ciclo de aves é mais curto, tornando-se mais fácil a adaptação ao ciclo de oferta ou demanda. Com isso, para a Marfrig, que segue o ciclo bovino, ter participação do ciclo das aves pode ajudar a complementar e dar resiliência nos lucros”, avalia Komura.

Levando isso em conta, apontam os analistas da XP, há poucas sinergias no radar, que existem mais na parte comercial, há muitas complementaridades entre as empresas e o ponto de desafio é o cultural, uma vez que o “DNA” das operações é diferente.

Até pela complementaridade, aponta Komura, não haveria grandes dificuldades da operação passar pelo crivo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Desta forma, os investidores estarão atentos aos próximos passos das companhias, enquanto a Marfrig terá que calibrar o discurso que vinha fazendo aos investidores de concentrar suas operações em bovinos. Os objetivos da companhia em se tornar uma acionista de referência e não propor uma fusão também serão observadas de perto.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.