Magnitsky, Moraes e bancos: o que se sabe sobre a decisão de Dino e as consequências?

Decisão reforça que leis estrangeiras não produzem efeitos no Brasil; especialistas explicam o impasse para bancos, os efeitos sobre Alexandre de Moraes e a reação do mercado

Paulo Barros

Os ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)
Os ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

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Na segunda-feira (18), o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que leis e atos estrangeiros não têm efeitos automáticos no Brasil, a não ser que passem por homologação judicial ou cooperação internacional – e o mercado reagiu com força nesta terça.

Embora a decisão tenha origem em processo relacionado às tragédias de Mariana e Brumadinho, agentes entenderam que ela também mira o caso do ministro Alexandre de Moraes, sancionado pelos Estados Unidos no fim de julho com base na Lei Magnitsky.

O resultado foi imediato: bancos lideraram as quedas do Ibovespa, que recuou 2,10%, enquanto o dólar encostou em R$ 5,50 e os juros voltaram a subir. Representantes do setor classificaram a situação como “inédita, complexa e insolúvel”, diante do choque entre determinações brasileiras e americanas.

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Entenda a seguir tudo o que se sabe até agora sobre o caso, quais são os possíveis efeitos de curto prazo e quais devem ser os próximos passos.

O que é a Lei Magnitsky?

Aprovada nos EUA, a Lei Magnitsky autoriza sanções contra estrangeiros acusados de corrupção ou violações de direitos humanos. Entre as medidas estão:

Alexandre de Moraes está em qual patamar de sancionados pela Magnitsky?

A inclusão de Alexandre de Moraes na lista Magnitsky coloca o ministro em um grupo restrito de indivíduos acusados pelos EUA de abusos de direitos humanos ou corrupção sistêmica.

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Entre os mais de 670 nomes já designados estão oligarcas russos, militares de Mianmar, líderes autoritários e empresários envolvidos em tráfico humano. Casos conhecidos envolvem aliados de Vladimir Putin que perderam contas bancárias, cartões de crédito, perfis digitais e até contratos com empresas de tecnologia.

No Brasil, é a primeira vez que uma autoridade é sancionada pela lei.

O que exatamente decidiu Flávio Dino?

Na decisão, Dino afirmou que “leis estrangeiras, atos administrativos, ordens executivas e diplomas similares não produzem efeitos em relação a pessoas naturais por atos em território brasileiro”.

Segundo ele, contratos firmados no Brasil, bens localizados no país e empresas registradas aqui só podem ser afetados por normas estrangeiras após os devidos trâmites legais .

Para Luiz Friggi, advogado do Simões Pires, o despacho abrevia o caminho para quem quiser contestar efeitos da Magnitsky no Brasil: “O que o ministro Dino fez foi criar uma porta para acessar diretamente o STF, sem ter que percorrer toda a tramitação judicial. É uma forma de resolver rápido casos em que bancos tentem aplicar sanções estrangeiras aqui dentro.”

Qual foi a reação dos EUA e o que isso indica?

Para José Andrés Lopes da Costa, professor da FGV, o que muda o jogo para os bancos é a reação dos EUA. Após a decisão de Dino, um órgão americano vinculado ao Departamento de Estado dos EUA disse que o ministro Alexandre de Moraes é “tóxico para todas as empresas e indivíduos legítimos que buscam acesso aos EUA e seus mercados”, e que americanos estão proibidos de fazer transações com Moraes, enquanto nacionais de outros países “devem agir com cautela”.

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“A decisão do ministro foi extremamente infeliz, porque ele não precisava mexer nessa casa de marimbondo agora. A provocação teve reação, e agora os bancos estão diante da possibilidade concreta de sanções”, avalia Costa.

Isso protege Alexandre de Moraes das sanções?

A decisão não cita Moraes, mas especialistas entendem que ela impede bancos de encerrar contas ou suspender serviços no Brasil apenas com base em decisão estrangeira.

“Se um banco disser que vai recolher cartões ou encerrar a conta de um ministro porque a sede nos EUA manda, a resposta é simples: o contrato foi firmado no Brasil, sob lei brasileira. Não pode ser alterado por norma unilateral estrangeira”, explica Friggi.

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O que estudos mostram sobre o impacto da Magnitsky em sancionados?

Uma pesquisa conduzida em 2023 por Anton Moiseienko (Australian National University) analisou 20 casos de sancionados. O estudo revelou que, embora nem todos tenham sofrido congelamento direto de ativos, a maioria enfrentou recusa generalizada de bancos e empresas privadas em manter relações comerciais.

“Mesmo em países que não são obrigados a cumprir as sanções americanas, instituições financeiras preferiram recusar os clientes sancionados”, observou Moiseienko.

Segundo ele, a exposição internacional muitas vezes desencadeia investigações locais, ampliando os efeitos da sanção para além dos EUA.

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Qual é o dilema dos bancos?

Bancos que operam no Brasil, mas possuem filiais ou correspondentes nos EUA, enfrentam dupla pressão:

1- Obedecer ao STF, mantendo serviços a clientes sancionados, sob pena de multas e sanções administrativas no Brasil
2- Cumprir a lei americana, arriscando multas bilionárias e até exclusão do sistema financeiro em dólar se desobedecerem à OFAC (órgão do Tesouro dos EUA que aplica sanções)

“Os bancos estão em corner, num xeque-mate: se mantiverem a conta de Moraes, podem sofrer sanções severas dos EUA; se cortarem, descumprem ordem do STF”, resume José Andrés.

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Carlos Henrique, CCO da Frente Corretora, alerta para riscos ainda maiores. “Não é só questão de obedecer um ou outro país. As próprias contrapartes internacionais podem cortar relações preventivamente, em um movimento de de-risking. Isso pode isolar instituições brasileiras da infraestrutura global do dólar”, explica.

Cooperativas de crédito são alternativa viável?

Reportagem da Folha de S.Paulo mencionou que ministros do STF teriam sido orientados a abrir contas em cooperativas de crédito. Os especialistas ouvidos pelo InfoMoney consideram a medida limitada.
“Cooperativas são instituições financeiras equiparadas, reguladas pelo Banco Central. Se o BC receber ofício da OFAC, pode aplicar a mesma restrição. Não há blindagem técnica”, avalia José Andrés, da FGV.

Além disso, como explicou Friggi, qualquer operação que envolva câmbio ou infraestrutura de cartões internacionais ainda pode esbarrar em jurisdição americana.

Quais os riscos de desobedecer cada lado?

O único banco a se pronunciar oficialmente sobre o caso foi o Bando do Brasil, que é por onde os ministros do STF recebem salário. “Com mais de 80 anos de atuação no exterior, a instituição acumula sólida experiência em relações internacionais e está preparada para lidar com temas complexos e sensíveis que envolvem regulamentações globais”, afirmou o BB em nota.

Qual é o histórico de punições a bancos que descumpriram sanções dos EUA?

Casos recentes mostram o peso de descumprir sanções impostas pela OFAC, braço do Tesouro americano responsável pela execução da Magnitsky e de outros embargos. O banco inglês Standard Chartered pagou mais de US$ 1,1 bilhão em 2019 por ter realizado 9 mil transações ligadas a países sancionados como Irã, Cuba e Sudão.

Em 2014, o francês BNP Paribas foi multado em US$ 8,9 bilhões por intermediar pagamentos envolvendo Irã, Cuba e Sudão. Além da penalidade financeira, 13 executivos foram demitidos, incluindo o chefe de operações financeiras.

Como o mercado reagiu?

“É difícil precificar as consequências se bancos brasileiros forem cortados do sistema internacional. Qualquer problema nessa linha seria muito ruim para o país”, avaliou Bruno Takeo, da Potenza Capital .

O que pode acontecer daqui para frente?

“Essa decisão pode entrar para a história. O risco não é só para Moraes, é para todo o sistema financeiro nacional”, resume José Andrés.

Como o mercado vê essa possibilidade de punição?

A decisão de Dino aumentou o temor de dirigentes de bancos sobre como agir em caso de conflito direto entre ordens do STF e sanções da OFAC.

Um executivo ouvido pelo O Globo resumiu a preocupação: “Vamos supor que venham novas sanções. Se o Supremo autorizar, ok, ficamos quites com o Brasil e com o exterior. Mas se o Supremo disser ‘não faça’, o que vai acontecer? Um banco que descumpre as sanções da OFAC não tem como sobreviver.”

Instituições avaliam pedir ao Supremo que detalhe como será tratada a aplicação prática de sanções estrangeiras, especialmente em situações que envolvem narcotráfico ou terrorismo.

Quais são os próximos passos para os bancos?

Especialistas avaliam que as instituições financeiras precisarão buscar respaldo jurídico e institucional antes de tomar qualquer decisão sobre clientes sancionados. Para o professor José Andrés Lopes da Costa, da FGV, a prioridade deve ser envolver as entidades de classe.

“Se eu fosse diretor jurídico de banco, procuraria a Febraban para entrar como amicus curiae (participante que não é parte da ação) no processo e participaria da audiência pública aberta pelo ministro Dino. É preciso mostrar ao STF que o risco não é só de um cliente específico, mas de todo o sistema financeiro nacional”, recomenda.

Já o advogado Luiz Friggi destaca que o Supremo pode ser acionado rapidamente em caso de conflito. “O caminho está desenhado para que os bancos reclamem diretamente ao STF, em vez de percorrer toda a primeira instância. Mas, qualquer que seja a escolha, as instituições estarão entre a cruz e a espada”, pontua.

Na prática, o setor discute como alinhar compliance global às regras brasileiras sem perder acesso ao sistema em dólar. Como resume Carlos Henrique, CCO da Frente Corretora: “As instituições terão que avaliar qual é o risco existencial maior: ser multado no Brasil ou perder correspondentes e contrapartes internacionais.”

Paulo Barros

Jornalista, editor de Hard News no InfoMoney. Escreve principalmente sobre economia e investimentos, além de internacional (correspondente baseado em Lisboa)