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Libra e Bitcoin: qual delas irá pra frente?

O advento da Libra e do Bitcoin é uma espécie de desafio aos arranjos monetários que prevaleceram no mundo desde o fim do padrão ouro internacional. Como os estados vão reagir?
Por  Bruno Meyerhof Salama -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O Comitê de Serviços Financeiros do Congresso americano enviou uma carta, no início de julho, ao Facebook:  solicitam a suspensão dos planos de criação da sua criptomoeda, a Libra. Os congressistas americanos estão preocupados com riscos ligados à privacidade, negociação, segurança e operação da política monetária criados pela Libra. Jerome Powell, presidente do banco central americano (popularmente conhecido como FED) fez declaração no mesmo sentido.

O Dólar e o FED têm proeminência nas finanças internacionais. Os Estados Unidos emitem a principal moeda de reserva internacional. Todos – pessoas, empresas, governos – precisam acumular dólares. Não é só no Brasil que a cotação do dólar aparece na primeira página do jornal. O ex-presidente francês, Giscard d’Estaing, chamou essa situação de um privilégio exorbitante dos Estados Unidos.

É compreensível a preocupação dos congressistas americanos. Mas há um detalhe. A Libra terá um administrador com sede e endereço. O Bitcoin não tem. E se os congressistas americanos quisessem solicitar a suspensão do Bitcoin? Simplesmente não haveria para quem endereçar uma comunicação.

Aí já se vê que as duas mais famosas criptomoedas são muito diferentes. A Libra, que ainda não está em operação, será lastreada por uma cesta de ativos. Ela funcionará num blockchain de acesso privado (permissioned blockchain). O gerenciamento da Libra será feito pela Libra Association. Essa organização situada na Suíça congregará, além do Facebook, uma série de outras grandes empresas parceiras.

O Bitcon não está ligado a nenhum país e a nenhuma instituição financeira ou organização. As operações com Bitcoin são confirmadas através de criptografia e registradas numa espécie de livro razão virtual aberto chamado “blockchain” (permissionless blockchain). Esse blockchain roda em uma rede voluntária de computadores remunerados em Bitcoins pelo serviço. Essa estrutura decentralizada torna mais difícil regular, brecar ou banir o Bitcoin.

Não que os políticos e reguladores financeiros não possam tentar frear o Bitcoin. Por exemplo, o governo chinês proibiu a operação das corretoras de Bitcoins (chamadas popularmente de “exchanges”) no seu território. A ideia seria preservar a capacidade do banco central da China de fazer política monetária e cambial.

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Mas existe dúvida sobre a eficácia de medidas desse tipo. Será que o número de operações com Bitcoins na China diminuiu após o fechamento oficial das exchanges? Não se sabe ao certo. Não existem estatísticas oficiais. Mas há rumores de que a China ainda seja o país com a maior quantidade de negócios em Bitcoin. Como isto seria possível?

Tudo que é necessário para negociar com Bitcoins é ter uma carteira digital (ou digital wallet) e o acesso à internet. Proibir as negociações com Bitcoins ou banir a rede em que tais negociações acontecem dentro de um país não resolve o problema. Um simples VPN ou Proxy system permitem ao usuário operar internacionalmente.

De fato, após a proibição das exchanges pelo governo chinês, o preço dos Bitcoins não caiu (exceto por um curtíssimo tropeço). Isso é curioso. A economia chinesa é enorme. Faz pensar que a proibição chinesa talvez não esteja sendo imposta para valer. (Uma piada: a lição da internet é, se a China banir um ativo, invista nele!).

Ao que parece, o governo chinês tem meios para rastrear as operações com Renminbis trocados por Bitcoins com certa facilidade. Se o governo não o faz, provavelmente é porque não quer. Talvez a estratégia seja somente reduzir essa atividade e “assustar” os pequenos investidores, as pessoas comuns.

Os entusiastas do Bitcoin tem uma leitura toda particular sobre esses episódios na China. Há quem diga que a proibição das exchanges pelo governo chinês fortaleceu o Bitcoin. Forçou a realizações dos negócios de maneira decentralizada, peer-to-peer. Isso teria tornado o sistema mais resiliente como um todo – ou mais “antifrágil”, para referir o termo cunhado por Nassim Taleb, um autor muito popular entre os criptonerds.

Guilherme Bandeira, um estudioso das criptomoedas, levantou informações sobre o Bitcoin. Os dados são realmente impressionantes. O valor de mercado dos Bitcoins em circulação já ultrapassou USD 190 bilhões. Recentemente, o Bitcoin ultrapassou um milhão de endereços ativos diários. Mais de USD 400 bilhões foram transacionados via Bitcoin em 2018.

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Há mais: o número de caixas eletrônicos de Bitcoin vem dobrando ano após ano. Ao fim de 2018, esses caixas eletrônicos já contavam 4.000 unidades. Em valor de mercado, o Bitcoin é hoje a 35a moeda no mundo. Está à frente do peso argentino e do colombiano.

Quer dizer o seguinte: se o Bitcoin for apenas uma febre, uma mania tal qual as tulipas do século 17, então é uma das mais incríveis bolhas da história! Mas e se não for?

Se não for, é porque as pessoas reconhecem no Bitcoin um mecanismo de hedge, de proteção contra a instabilidade monetária. E também um mecanismo de obliterar aos controles dos governos de modo geral – controles de câmbio num primeiro momento, e controles de outras naturezas também.

Dessa ótica, o Bitcoin estaria se transformando em um padrão de reserva de valor tal qual o ouro.

Repare bem: a Libra almeja ser uma moeda global. Por isso, ela é vista como uma rival das moedas estatais. Mas o Bitcoin é mais diretamente apenas um rival do ouro. O Bitcoin somente seria um rival das moedas estatais na hipótese de os países migrarem de volta para um padrão ouro – desta feita, um padrão Bitcoin, porque o Bitcoin é como um ouro sintético.

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Por isso, curiosamente, a convivência harmônica entre o Bitcoin e as moedas estatais talvez seja mais fácil do que convivência harmônica entre a Libra e as moedas estatais.

Mas a história não termina aí. É preciso olhar o big picture, o grande quadro das relações monetárias globais.

O advento da Libra e do Bitcoin é uma espécie de desafio aos arranjos monetários que prevaleceram no mundo desde o fim do padrão ouro internacional no início da década de 70. Como os estados vão reagir? Uma possibilidade é migrarem para o dinheiro estatal digital. A ideia está sendo seriamente estudada por alguns bancos centrais, especialmente o da Suécia.

Em termos práticos, teríamos aqui a abolição das notas de dinheiro. A grande novidade prática seria a possibilidade de cobrança de juro negativo sobre o depósito bancário como forma de estímulo monetário. Teríamos o fortalecimento do poder monetário estatal.

A possibilidade oposta é o desenvolvimento da moeda de emissão privada. Seria o enfraquecimento da soberania monetária estatal. A carta recentemente enviada pelo Congresso americano ao Facebook mostra como a emergência de moedas privadas assusta os governos.

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Mas essa mesma carta, e a resposta apresentada pelo Facebook, sugerem uma terceira via. Mais moderada e nada impossível. Trata-se de um diálogo entre os administradores de moedas privadas e os bancos centrais. Ambos os lados estariam se unindo ao inimigo que não podem vencer (não por completo, pelo menos).

Aqui teríamos a popularização da Libra de maneira concatenada com os governos e calcada em um conjunto de acordos políticos de alto nível. Com o Bitcoin, nada disso seria possível.

E os bancos privados? Vão ficar pra trás? A essência da Libra é permitir a desintermediação financeira. Ou seja, realizar operações financeiras sem bancos. Em princípio, quem corre riscos no caso de sucesso da Libra são os bancos tradicionais.

Só que os bancos são craques em conceder crédito nas moedas estatais. Por isso, podem, com vantagem, liderar esse mercado em Libras. Isso teria que ser combinado com os bancos centrais. Para aqueles que gostam de pôr um olho na política e outro na tecnologia, essa é uma boa aposta.

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Sobre os autores:

Bruno Meyerhof Salama – Lecturer em UC Berkeley Law School nas disciplinas de Law and Economics, Law and Technology e Law and Development. Professor Associado da FGV Direito SP. Advogado admitido pela OAB e pelo New York State Bar. Integrou o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional indicado pela ANBIMA. Doutor em direito pela Universidade da Califórnia em Berkeley, mestre em economia pela FGV, bacharel em direito pela USP.

Leonidas Zelmanovitz – Senior fellow na fundação educacional Liberty Fund, nos Estados Unidos. Fundador e ex-CEO da Mercurio D.T.V.M. S.A. Formado em direito pela Universidade Federal de Porto Alegre, mestre e doutor em economia pela Universidad Rey Juan Carlos em Madri. Autor de The Ontology and Function of Money: The Philosophical Fundamentals of Monetary Institutions (Lexington Books, 2016).

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Bruno Meyerhof Salama Lecturer em UC Berkeley Law School nas disciplinas de Law and Economics, Law and Technology e Law and Development. Advogado no Brasil e nos Estados Unidos. Integrou o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Doutor em direito por UC Berkeley, mestre em economia pela FGV e bacharel em direito pela USP

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