Governo despertou, mas pode ter sido “tarde demais”, avaliam economistas

Alexandre Schwartsman e Fábio Giambiagi destacam que concessões privadas foram um avanço, mas que há um longo aprendizado e afirmam que população brasileira quer mais

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Enquanto o noticiário político se aquece cada dia mais em meio à proximidade das eleições de outubro, a economia também está cada vez mais em pauta, ainda mais levando em conta o atual quadro nacional. Em meio a esse cenário, dois economistas lançarão às 18h30 desta terça-feira (8) o livro “Complacência – entenda por que o Brasil cresce menos do que pode”, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo

Os economistas Alexandre Schwartsman e Fábio Giambiagi fazem uma reflexão acerca do atual modelo econômico e também de suas limitações, com o Brasil crescendo menos do que a média da América Latina nos últimos 15 anos, e avaliam: o atual momento pode apontar para épocas futuras mais sombrias.

O InfoMoney realizou uma entrevista por email com os dois autores sobre as perspectivas para o País e o que precisa ser melhorado. Schwartsman e Giambiagi destacou o que pode ser feito para restaurar o crescimento maior e dizem acreditar que o governo acordou em meio às concessões de infraestrutura, mas ainda há um longo espaço para aprendizado. Além disso, o despertar pode ter sido tarde demais. Confira abaixo:

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InfoMoney – O lançamento do livro coincide com um momento de aquecimento da disputa eleitoral, em que Dilma vem registrando queda nas pesquisas eleitorais e que os adversários criticam o atual modelo macroeconômico. Como os senhores acham que o livro contribuirá para o atual debate?

Alexandre Schwartsman – Acredito que o livro aponta precisamente para os problemas ligados ao esgotamento do modelo econômico adotado nos últimos 15 anos: do lado da demanda a ênfase dada ao consumo e, mais importante, do lado da oferta, basear a expansão do produto mais pela incorporação da população previamente desempregada do que pelo aumento do produto por trabalhador. Nenhuma destas dinâmicas é sustentável (principalmente a segunda), no sentido simples de ser impossível manter as taxas de crescimento do período 2004-2010 (algo como 4-4,5% ao ano em média) por muito mais tempo.

Fábio Giambiagi – O livro traz uma visão crítica das políticas adotadas nos últimos anos, mas não é um livro partidário. É uma tentativa de contribuição ao debate, que aponta para o que na nossa opinião foi errado. Tentamos nos apressar para lançar o livro com certa antecedência em relação às eleições justamente para evitar que a discussão seja contaminada pelo clima de “vale tudo” que em geral acompanha o calor das campanhas.

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IM – Por que ter um crescimento econômico mais baixo é ruim, enquanto as classes mais baixas vem registrando um maior índice de satisfação e há uma situação de pleno emprego no País? Ter um crescimento baixo é necessariamente ruim?

AS – [É ruim] essencialmente por 2 motivos. O primeiro deles é que é da natureza humana querer mais. As pessoas estão felizes em ter emprego hoje e isto é bom, mas, se alguém acha que isto basta é melhor rever seus conceitos. O fim da hiperinflação, por exemplo, trouxe enorme satisfação à população, a ponto de elegerem Fernando Henrique Cardoso duas vezes – em primeiro turno – , mas eventualmente acabou se tornando um fato comum da vida e novos anseios apareceram. Da mesma forma, o desemprego baixo e a melhora na distribuição de renda foram cruciais na reeleição de Lula e na eleição de Dilma, mas há indicações cada vez mais claras que a população quer mais, e os protestos do ano passado são uma manifestação disto.

FG – A resposta está no título do livro: “complacência”. Para entender nosso estado de espírito, imaginemos duas famílias, ambas com 5 filhos. Na primeira, os filhos quando crescem vivem mais ou menos na mesma situação, mas todos eles vivem relativamente mal, ainda que melhor do que os pais e relativamente resignados e conformados com a situação. Na segunda, os filhos seguiram histórias diferentes, alguns se destacaram, outros não, eventualmente há alguma ciumeira entre eles, mas o salto de alguns deles em relação à vida que levaram os pais é enorme. O Brasil se parece um pouco com a primeira família, mas o mundo se parece com a segunda. É um pouco a diferença entre ter uma vida pacata mas sem muita perspectiva numa cidadezinha do interior onde nunca acontece nada e tentar a vida numa cidade grande, com todos os desafios que isso implica. O livro é uma espécie de libelo contra o conformismo.

IMComo fazer para o Brasil aumentar a produtividade e superar este momento de baixo crescimento?

AS – É a proposta do “pentágono virtuoso”: maior competição, aumento da poupança doméstica (via ajuste fiscal); aumento do investimento em infraestrutura; educação e gasto público eficiente. Os detalhes, claro, estão no livro, mas o racional é bem direto.

FG – Isso passa por uma combinação de políticas, que envolve fundamentalmente duas coisas. Primeiro, uma mudança de atitude: o governo precisa sinalizar que o modelo de Estado vai mudar e que teremos que viver tempos de maior competição, onde as empresas e os indivíduos terão que depender cada vez mais de si mesmos e o Estado se concentrará em fazer melhor aquilo que é seu dever indeclinável, que é fornecer boa saúde, boa educação e mais segurança. E segundo, novas políticas, ligadas a uma maior abertura do país à competição internacional, a uma alocação de maiores recursos para o investimento público e a um maior esforço de poupança.

IM – A sinalização do governo, com o programa de concessões de aeroportos e rodovias, é de que o governo estaria “acordando do sonho tido nos últimos anos Lula”. Vocês acreditam que o governo está buscando agir ou são só medidas paliativas?

AS – Acredito que, depois de tentar todo o resto, o governo foi forçado a admitir que o caminho passa pela concessão de responsabilidades ao setor privado. Mas o aprendizado parece longe de completo: o governo ainda vê o setor privado mais como seu agente do que como um segmento com interesses próprios e permanece desconfiado da dinâmica de competição capitalista. Por conta disso ainda tabela preços, taxas de retorno, exige investimentos e se surpreende quando ninguém se interessa. Isto dito, aos trancos e barrancos, a realidade vai aos poucos se impondo.

FG – O Governo acordou, não tenho dúvidas. Porém, aplica-se a velha expressão: “too little, too late” (“pouco e tarde”). Não consigo encontrar uma única razão, a não ser a obtusidade ideológica, que explique por que o Galeão, privatizado em 2013, não foi privatizado 10 anos antes.

IM – No livro, vocês elegem algumas saídas para o labirinto que a economia entrou nos últimos anos. Qual é o mais urgente e crucial para começar a mudar os rumos da economia?

AS – Do que pode ser feito, para mim é o ajuste fiscal e a reforma tributária. Não que tenha qualquer ilusão quanto à redução do peso dos impostos, mas, pelo menos uma redução considerável na complexidade do sistema tributária que exige de uma empresa brasileira típica algo como 2.600 homens-hora/ano em termos de tempo dedicado à tarefa de pagar impostos contra 175 homens-hora/ano em média para os países da OCDE. Os ganhos potenciais da simplificação tributárias me parecem óbvios e enormes.

FG – Eu diria que são três: a) o fim da tolerância com a inflação, sinalizando para um cumprimento efetivo da meta, ainda que depois de uma etapa inexorável de inflação corretiva para corrigir os atrasos tarifários; b) um programa crível de ajuste fiscal de curto, médio prazo e longo prazo; e c) um cronograma de abertura, que reposicione o tipo de inserção brasileira no mundo, com redução gradual de tarifas de importação ao longo de 4 a 5 anos, em moldes análogos ao que ocorreu na economia brasileira entre 1990 e 1993.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.