Fundo Verde é surpreendido em fevereiro, mas mantém postura cética com o Brasil

Apostas no book cambial e em renda fixa guiaram perdas do maior fundo multimercado do Brasil, mas mantém cenário; para o médio prazo, País pode se recuperar, mas terá que arrumar casa

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O câmbio e a mudança na curva de juros surpreenderam o maior fundo multimercado no Brasil, o Fundo Verde, que teve perdas em fevereiro. A princípio, as mudanças, com a valorização do real e a expectativa de menores altas dos juros, poderiam indicar uma mudança “mágica” nas expectativas do Brasil. Contudo, uma leitura atenta dos dados pode indicar que este movimento pode não durar muito tempo. Isso porque, apesar das potencialidades, o País tem que passar por uma turbulenta arrumação de casa.

O fundo ressalta que o mês de fevereiro destacou uma das mais notáveis reversões de fluxo para mercados emergentes já vistas pelo gestor do maior fundo multimercado do BrasilEm relatório para comentar os resultados do último mês, o gestor Luis Stuhlberger destacou que, como um “passe de mágica”, o medo da redução de estímulos nos EUA e de aumento da taxa de juros de renda fixa diminuísse significativamente. 

O relatório do Fundo Verde, do Credit Suisse Hedging-Griffo, destacou ainda que continuam com a sua aposta sobre a queda do real, em meio às preocupações sobre a sustentabilidade das finanças brasileira. O fundo registrou uma perda de 1,25% em fevereiro, frente a um desempenho positivo em 0,06% no mês anterior, gerada majoritariamente por sua aposta no câmbio em alta e também por uma mudança no cenário de renda fixa. 

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Na carta, Stuhlberger e sua equipe destacam que o ganho do real de 2,9% em fevereiro seguindo a estratégia do Banco Central para aliviar a demanda em moeda estrangeira e aumentando a taxa básica de juros para controlar a inflação, tornando os retornos do País mais atraentes do que o de outras economias dos mercados emergentes.

A situação, no entanto, não pode prevalecer por muito tempo, com os investimentos e a carteira de fluxos para o Brasil devendo perder forças, aponta a equipe. “Essa disputa entre fundamentos e market timing é um dilema clássico em gestão de recursos, e eu já passei por isso diversas vezes ao longo de minha vida profissional”. Desta forma, a equipe do gestor continua a acreditar na tese de uma desvalorização do real. 

O maior argumento para a aposta contra do Verde em relação ao real decorre do questionamento da sustentabilidade das finanças públicas do País. No curto prazo, no entanto, a preocupação do mercado se aliviou após a promessa do governo da presidente Dilma Rousseff em cortar R$ 44 bilhões nos gastos e elevar o superávit primário para o equivalente a 1,9% do PIB (Produto Interno Bruto). Contudo, a equipe de gestores seguem questionando o modelo atual de sustentabilidade fiscal de longo prazo no Brasil. 

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O relatório destaca que, a partir da dinâmica dos preços de câmbio e juros futuros, um observador poderia ser levado a concluir que houve uma melhora significativa no Brasil. Contudo, uma leitura mais detalhada dos dados pode sinalizar o contrário. 

O crescimento de 2013 terminou em 2,3% sobre 2012, mostrando uma ligeira surpresa com relação ao consenso de 2,1%. Porém, quando se vê a abertura do PIB, fugindo da análise mecânica tradicional sobre o que subiu e o que caiu, temos uma perspectiva um pouco mais inquietante. Isso porque, apesar do investimento ter sido o destaque do PIB, uma leitura mais atenta indica que o consumo, com amplo apoio das políticas públicas, segue sendo o grande vetor para o crescimento econômico nacional. 

E avaliam que o aumento de consumo está calcado num rápido crescimento do crédito, que no período pós-crise vem sendo particularmente impulsionado pelo crédito subsidiado dos bancos públicos – especialmente BNDES e Caixa -, além do crédito imobiliário. 

As questões enfrentadas pelo governo continuam e uma delas é de que a política econômica vem reduzindo a já baixa taxa de poupança doméstica da economia, que caiu a seu nível mais baixo dos últimos 11 anos. “Cabe notar que a queda da poupança não vem apenas do setor público, mas em grande medida dos efeitos das ações do setor público sobre a economia, avaliam os gestores.

Desta forma, a quantidade de poupança doméstica é pequena demais para financiar o patamar atual de investimento, que, diga-se, terminou o ano praticamente no mesmo nível de 2012, em 18,4%. Como não há poupança doméstica para financiar o investimento, há que se financiar por meio da poupança externa.

“Poupar pouco significa que o estoque de capital de um país cresce devagar e, portanto, deve-se esperar um baixo crescimento potencial da economia. Desta maneira, o crescimento forte do consumo acaba por criar um excesso de demanda significativo e persistente, o que acaba por deixar a inflação sempre elevada”, avaliam.

Stuhlberger ainda aponta que, apesar de uma melhora nas perspectivas frente à economia do governo, o resultado primário parece estar em uma trajetória muito difícil de melhora. O resultado primário de janeiro do governo central foi de R$ 13 bilhões – à primeira vista, um número razoável. Entretanto, em janeiro de 2013, o resultado havia sido de R$ 26,3 bilhões, que trazidos a valor de hoje pelo IPCA dariam R$ 27,8 bilhões. 

Além disso, o governo federal postergou vários gastos de dezembro de 2013 para janeiro de 2014, justamente para cumprir com sua meta de primário de 2013, inflando assim os dados de gastos de janeiro de 2014. “Tal estratagema vai pelo jargão técnico de ‘pedalada’ do gasto. Deste modo, convém olhar para o bimestre dezembro e janeiro e ver como as grandes variáveis caminharam, sem o ‘efeito Robinho'”, avaliam.

Em meio a isso, ainda há mais riscos que pairam no ar, como o de racionamento de energia elétrica ou o do colapso da Argentina, destacando ainda que o país vizinho dá um “ensinamento grátis”, ao mostrar o que não fazer. 

E, por falar em ensinamentos gratuitos, retirar direitos e benefícios sociais é tarefa política inglória, como mostra a evolução do quadro da periferia europeia. Dá para ficar otimista com o Brasil no médio prazo pelas suas potencialidades, mas aparentemente teremos de passar por uma turbulenta arrumação de casa no caminho. Apertem os cintos!”, conclui o relatório. 

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.