Estruturas de mercado estão em estado de convulsão, e isso é positivo, avalia Canuto

Em entrevista ao InfoMoney, diretor brasileiro no FMI destaca que as mudanças que o Brasil vêm passando trazem paralisia no curto prazo mas, superadas as dificuldades, o impacto será positivo ,aos adiante

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Em meio ao cenário de tamanhas dificuldades na economia e na política brasileira, o ano de 2015 “finalmente” está acabando. Porém, o que aconteceu neste ano terá reflexos bastante significativos para o Brasil nos próximos anos. Mais do que isso, as dificuldades de hoje podem trazer um cenário mais positivo para o País nos próximos anos.

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Esta é a avaliação do economista Otaviano Canuto, diretor executivo pelo Brasil do FMI (Fundo Monetário Internacional). Em entrevista ao InfoMoney, Canuto ressalta que as mudanças que estão fazendo o PIB (Produto Interno Bruto) sofrer numa perspectiva de curto prazo, como a deflagração do esquema de corrupção através da Operação Lava Jato, podem aumentar a competitividade num prazo mais longo, levando o Brasil voltar a crescer.

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No curto prazo, porém, o efeito é negativo: “agora, enquanto esse processo está se concretizando, há evidentemente um efeito depressivo sobre a economia. Isso porque as estruturas de mercado existentes estão sendo derrubadas, estão em estado de convulsão”, avalia.

O economista elogia o trabalho do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas ressalta que ainda falta o elemento fiscal, destacando que a dinâmica política não tem sido muito favorável neste sentido. Contudo, Canuto não acredita na aposta do “quanto pior melhor” na queda de braço entre a política e a economia. Para ele, a mudança de cenário depende principalmente de lideranças, lideranças benignas a ocuparem a linha de frente e ajudarem a encaminhar saídas para os diversos impasses. E, passadas as turbulências, o Brasil voltará a crescer. 

Confira a entrevista:

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InfoMoney – Após um 2015 bastante conturbado em termos econômicos, o cenário que se desenha para 2016, na visão do senhor, é pessimista? 

Otaviano Canuto – Eu detesto caracterizar [o cenário] como otimista ou pessimista. Quem está acompanhando mais de perto o desenrolar imediato das coisas, tem uma perspectiva mais clara do curto prazo.

A médio prazo, eu vejo que tem dois aspectos positivos a realçar. Primeiro é como as instituições independentes do Brasil estão funcionando, operando, o que traz um impacto positivo para economia a média e longo prazo. É uma melhora da perspectiva da prevalência da lei no Brasil e essa percepção só tende a melhorar a partir do desdobramento dos eventos mais recentes. A segunda coisa importante a ressaltar a longo prazo é a melhora na relação entre despesas públicas e os resultados que irão acompanhar o acirramento da concorrência do setor privado que opera com o setor público, em todas as áreas em que elas atuam em conjunto. 

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IM – Então, a curto prazo, o efeito pode ser negativo, mas depois nós poderemos nos beneficiar desse processo?

OC – Sim. Claramente, a estrutura de custos e benefícios do cálculo que induz os agentes econômicos a procederem por essas vias não meritórias está sendo alterado. Com essa mudança no cálculo, agora essa equação é muito menos favorável do que foi no passado.

Isso tende a induzir a um comportamento dos agentes econômicos forçado por uma tendência de abertura maior no número de participantes concorrentes, certamente levando no médio e longo prazos para uma maior eficiência na estrutura de oferta do setor privado brasileiro. Assim, há uma relação custo-resultado melhor para o setor público.

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Então, para além dos efeitos de curto prazo, vejo isso como dois grandes resultados do processo em curso no Brasil. Agora, enquanto esse processo está se concretizando, há evidentemente um efeito depressivo sobre a economia. É inevitável que haja uma paralisia no investimento privado. 

IM – Há muitas previsões de que 2016 e até 2017 são anos perdidos, com crescimento negativo. Pensando que tudo daria certo a partir daqui, a Operação Lava Jato conseguiria desmantelar o esquema de corrupção, qual é o cenário para o Brasil voltar a crescer? Essa volta ao crescimento voltaria só em 2018 mesmo?

OC – Primeiro, isso dependerá do que se conseguir implementar em termos de mudanças estruturais nas contas públicas. Caso o País possa avançar na discussão do debate estrutural, o valor presente da antecipação dos resultados positivos dessa área pode ajudar e muito a antecipar a recuperação.

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Nós continuamos com as mesmas necessidades de algumas medidas emergenciais de curto prazo em combinação com uma discussão de mais longo prazo, de modo a abrir a antecipação de horizontes mais favoráveis para o gasto do investimento público e privado. Algumas coisas importantes foram feitas esse ano porque a defasagem de preços administrativos e da taxa de câmbio sofreram uma correção acentuada esse ano e, até por isso, a inflação está correndo muito acima da meta.

IM – O elemento que falta é o fiscal…

OC – Isso mesmo. Aí a maluquice é que a dinâmica política não tem sido muito favorável à discussão e à aprovação pelo Congresso de componentes dessa agenda, mas não há outro jeito a não ser perseverar nesse caminho.

Há algumas medidas emergenciais para lidar com curto prazo ao mesmo tempo que se abra uma discussão sobre medidas estruturais e revisão do gasto público e lá na frente, quem sabe, justamente uma redução até da carga tributária. A agenda continua a mesma, a política é que pode prejudicar sua implementação. Mas quero crer que há também uma percepção cada vez maior da necessidade de caminhar nessa direção. Dependendo de avanços, o processo de recuperação pode ser antecipado. 

IM – Em um palestra recente, o senhor afirmou que o Brasil está prisioneiro do imbróglio político. O senhor acredita nessa tese de que temos que piorar mais para o Congresso se mobilizar? Ou existe uma saída drástica?

OC – Não acho que haja relação clara de que um tenha que piorar para outro melhorar, não creio. Mas lidar com o quadro político não é a minha área, pelo contrário. Acho que depende principalmente de lideranças benignas a ocuparem a linha de frente e ajudarem a encaminhar saídas para os diversos impasses.

IM – O senhor vê alguma liderança emergindo nesse momento? O Levy, por exemplo, assumiu a Fazenda com ares de que daria um norte para a política econômica, mas acabou de certa forma engolido pela questão política.

OC – Não acho que ele foi engolido. Avalio que o Joaquim está fazendo um excelente trabalho de comunicação, de articulação com o apoio da presidente, apoio explícito, fortemente explícito, já há algum tempo, que foi manifesto e reiterado desde antes até do rebaixamento do rating do Brasil pela Standard&Poor’s [para grau especulativo, em setembro]. Eu acho que esse é o exemplo de lideranças com legitimidade pra tocar isso. O detalhe de como trazer isso pra classe política como um todo, não tenho a dizer nada melhor do que aquilo que fazem os entendidos.

IM – Muito tem se discutido sobre a expansão de crédito para alguns setores para estimular a economia. Esse poderia ser um caminho?

OC – Não falarei especificamente sobre crédito para isso ou aquilo. Os caminhos são aqueles que o Joaquim já abordou, de ter que retomar o gasto com infraestrutura, com a combinação de componentes públicos e privados.

O Joaquim tem falado também da necessidade de ter uma integração comercial com o resto do mundo, de uma revisão qualitativa com o olho no longo prazo do gasto público, de melhorar diversos aspectos do ambiente de negócios do Brasil que sugam produtividade e que atrapalham a competitividade da produção no Brasil. São os itens que vejo ele falando e que parecem fazer todo o sentido. Eles são componentes de uma agenda bem mais ampla que tem começo, meio e fim.

Não vejo Joaquim falando em remédios, atalhos. Atalhos são medidas de curto prazo. Vejo o Joaquim falando em entender o ajuste em curto prazo como parte de um trajeto que é um trajeto para levar a economia a voltar a crescer.

IM – O ministro pode ter sido um pouco mal-entendido no começo, principalmente por alguns segmentos políticos, ainda mais por se tratar de uma agenda mais de longo prazo?

OC – Não creio que seja isso. Na questão do discurso do Joaquim, é muito mais de disposição a diálogo e de reunião. As falas do Joaquim são consistentes, elas carregam a mensagem da necessidade de fazer coisas no curto prazo como passo, ponte para uma agenda de mais longo prazo pra fazer a economia voltar a crescer de modo sustentável. Não vejo discordância significativa entre agentes econômicos, entre vários participantes desse debate e o desafio é principalmente as pessoas aceitarem, discutirem e agirem de modo concreto na direção de implementação dessa agenda, que passa pelo Congresso.

IM – Falando agora um pouco sobre o cenário internacional: está havendo umas mudanças políticas na América Latina. Na Argentina, um político de viés mais liberal, Mauricio Macri, foi eleito presidente. Qual pode ser o impacto no Brasil? Isso pode abrir os caminhos para o Brasil se tornar uma economia mais aberta?

 OC – Penso, pessoalmente, como uma boa notícia. Cheguei a escrever artigos sobre a Argentina com colegas ressaltando que, independentemente do resultado da eleição, haveria uma convergência muito grande em torno de uma agenda que envolvesse a busca da normalização das relações financeiras com o exterior. Isso envolve uma revisão nas relações entre Banco Central e finanças públicas, que leva uma mudança na orientação de política econômica, assim como também ocorreu no Brasil. Vejo esse movimento por lá como um movimento salutar.

Na medida em que esse movimento é salutar para a Argentina, também é evidentemente salutar para o Brasil, por nosso vizinho ser um parceiro econômico tão importante para a gente. 

IM – E também pode ajudar a resolver a questão de que o Brasil é muito fechado? Por ser muito grande, tem toda essa questão de ser um país muito fechado e com dificuldade para se inserir nas cadeias globais.

OC – Ajuda para quem acha importante essa agenda de termos parceiros do Mercosul na mesma página, como é meu caso.

IM – O senhor avalia que a saída para o Brasil, que está tendo uma desvalorização forte da moeda, seria mesmo pelo setor externo, com a elevação das exportações?

OC – Não é uma questão entre o setor externo versus setor interno, não existe contraponto entre eles. Mas sim, a relação com o exterior, no ponto de vista não apenas de comércio, mas de investimentos e de uso e adaptação de tecnologias, é fundamental para qualquer país do mundo. Não há um país do mundo – talvez só a Coreia do Norte –  que opere de uma maneira em que essas variáveis não sejam relevantes.

Mas com qualquer outra economia do mundo, como EUA, China e qualquer país europeu, o grau de integração é tal que não existe economia autossuficiente ou independente do cenário externo. O quadro externo e o interno se sobrepõem, não se trata de contrapor um ao outro. O que tem que ser mudado é a mentalidade do tempo em que ainda existia espaço para crescer tentando usar protecionismo.

IM –  O jeito atual não está dando certo? O caminho é fazer com que as empresas se alinhem e melhorem a tecnologia e a competitividade?

OC –  Sempre. Não há outro caminho. O outro caminho é do isolacionismo e não tem fôlego.

IM – O senhor ressaltou que detesta essa visão de pessimismo, mas as previsões são de que 2016 vai ser ainda pior do que o ano que passou. Qual seria a mensagem que o senhor teria sobre o próximo ano e os desafios a serem enfrentados?

OC – A mensagem seria reconhecer os riscos desse processo de estagnação e o decréscimo do PIB em decorrência da paralisia dos investimentos privados. É juntar forças para fazer aquilo que é necessário para recuperar as esperanças que os investidores privados têm e retomar suas apostas no crescimento do Brasil. Isso tudo passa pelo ajuste fiscal e pela retomada de mecanismos de interação público-privada, que sejam menos suspeitos do que aqueles que estão sendo revelados.

IM – Passando por toda essa fase, como o senhor vê o potencial do Brasil para voltar a ser uma das estrelas do mundo?

OC – O País tem tudo para crescer se cumprir a agenda que necessita de reformas estruturais como essas que mencionamos. Depois de tudo, o Brasil tem potencial para voltar a ter crescimento.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.