Especialistas falam em risco de apagão energético; veja impactos da crise de energia na Bolsa e na economia

Especialista em energia e bancos explicam a dimensão da atual crise da energia e falam sobre os efeitos políticos, econômicos e para as ações

Lara Rizério Priscila Yazbek

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SÃO PAULO – Após o governo emitir um alerta sobre risco hídrico, especialistas não descartam o risco de apagão elétrico no país. E os efeitos da crise de energia para a economia e a Bolsa vão desde a pressão sobre a inflação e a redução da atividade de empresas com uso intensivo de energia, até um PIB mais fraco diante do aumento dos preços e paradas elétricas – além dos riscos políticos.

“É difícil de afirmar se vai ter apagão ou falta de energia [no segundo semestre], mas que o risco está muito alto, não tenha dúvida quanto a isso”, afirma Adriano Pires, fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e um dos maiores especialistas em energia do país.

O especialista afirma que o país deve enfrentar dois problemas centrais no segundo semestre: um possível déficit de potência, que poderia gerar um corte de carga, com risco de cidades enfrentarem cortes de energia pela falta de potência para atender horários de pico de consumo; e um déficit energético, que seria um problema semelhante à crise que provocou o apagão energético de 2001.

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“Os bancos estão falando em retomada de 5% da economia neste ano, mas eu acho que eles ainda não perceberam esse risco hídrico e, consequentemente, o risco de faltar energia no segundo semestre. A gente continua com o risco de pandemia, de inflação e agora agregamos aí o risco hídrico. A retomada do crescimento está ficando complicada”, disse Pires, em live do programa Radar InfoMoney (assista no player acima).

O diretor do CBIE afirma que o país já viveu três grandes crises de energia nos últimos anos: a primeira foi em 2001, com racionamento no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, em função de baixo nível de chuvas e da escassez de usinas térmicas. Em 2014, quando o país enfrentou um grave problema de baixo nível de reservatórios hídricos no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, mas que foi contornado porque as térmicas foram ligadas a tempo, apesar do efeito de fortes altas nos preços.

E a terceira grande crise citada por Pires seria o momento atual. “Agora em 2021 volta o problema: temos pouca chuva, reservatórios com 30% do nível e se falando em 20% em agosto e menos de 10% em outubro”, afirma. “O governo já deveria desde fevereiro ter ligado todas as usinas que não são hidrelétricas, a bandeira vermelha nível 2 já deveria estar vigorando desde fevereiro e o PLD, o preço da energia vendida no mercado elétrico, já deveria estar no teto porque com preços em alta teríamos um sinal para o consumidor reduzir o consumo e estímulos para despachar o máximo possível de térmicas, preservando o nível de água”, completa.

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Efeitos no mercado

Bancos e corretoras já começaram a divulgar análises sobre os efeitos da atual crise energética. O Credit Suisse afirma que as recentes notícias são negativas e destaca que o país deve ter mais despacho térmico, por mais tempo. “A situação começa a se comparar com 2014, com reservatórios do Sudeste mais próximos do nível de 30%, mas com mais capacidade e transmissão”, observa o banco suíço.

A XP destaca que dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostram que a média de energia armazenada nos reservatórios de hidrelétricas do país chegou ao final de abril com o armazenamento mais baixo para o mês desde 2015. “Os níveis se aproximaram daqueles registrados em 2014, ano de racionamento de consumo de água, e 2001, ano do “apagão’. […] Se esse novo regime persistir, pode ser um limitador ao crescimento potencial do Brasil, dada sua (ainda) grande dependência de energia hídrica”, diz o relatório da XP.

Na última quinta-feira (27), o ONS já havia manifestado preocupação com o baixo nível dos reservatórios do sistema hidrelétrico que atualmente estão em 32% na região Sudeste. Com isso, o ONS preconizou a redução do despacho obrigatório de reservatórios hidrelétricos para fins ambientais e de irrigação. O objetivo é chegar ao início do novo período chuvoso, em dezembro, com ao menos a capacidade mínima do reservatório (maior do que 10%) para evitar o racionamento de energia.

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O Bradesco BBI afirma que o alerta incisivo do ONS sobre os níveis críticos do sistema hídrico em cinco estados (Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná) vem como uma reação a: (i) níveis baixos dos reservatórios hidrelétricos do Brasil, atualmente em 32% da capacidade total na região Sudeste (que responde por 70% da capacidade total do reservatório do Brasil), o que reflete a pior estação chuvosa desde 1931; (ii) possibilidade de que as chuvas de junho a novembro voltem a decepcionar bastante – como referência, em maio, a região Sul (7% da capacidade do reservatório) teve chuvas de apenas 23% da média histórica, drenando recursos (maior despacho hidrelétrico) do Sudeste; e (iii) o fato de a demanda de eletricidade no Brasil ter se recuperado significativamente, atingindo 67 gigawatts (GW), em linha com os níveis pré-COVID em 2019, ante 60 GW em 2020.

Para piorar a situação, o Bradesco BBI também observa que: (i) a tão necessária usina térmica a gás GNA, com capacidade de 1,3 GW de geração em ciclo combinado (cerca de 2,0% do fornecimento) começará a operar em novembro, com um atraso de três meses; e (ii) a manutenção do campo de gás de Mexilhão pela Petrobras (PETR3;PETR4) removerá 3,0 GW (cerca de 4,4% da oferta) da matriz de abastecimento por um mês em agosto.

Os analistas do banco ainda apontam que o Brasil passou por um racionamento oficial em 2001, o que, entre outras coisas, fez com que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não tivesse seu sucessor eleito na disputa presidencial de 2002.

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Pires também afirmou, durante a live do Radar, que o apagão foi um fator crucial para a eleição do ex-presidente Lula em 2002, ressaltando que a falta de energia sempre traz risco político.

“A energia afeta todo mundo, hoje ninguém vive sem tomada. Como você carrega o celular, liga televisão, o ar-condicionado, como as indústrias ligam os equipamentos? Então a energia é um produto que tem um efeito sócio-político gigante em qualquer país do mundo. Então, se houver algum problema de falta de energia vai ser muito complicado para o governo, que já está na pandemia. Sendo dramático, se houver terceira onda da Covid isso pode ajudar a não ter apagão, porque reduz o consumo, mas não é o que a gente quer”, completa.

Apesar do risco de apagão, país tem mais capacidade hoje

O BBI afirma ainda que o país também experimenta chuvas abaixo da média desde 2014, quando, pela primeira vez, tivemos que “aprender o que significava um GSF” (medida de risco hídrico) abaixo de 1, que indica uma produção inferior à sua garantia física, o que obriga as geradoras hidrelétricas a comprarem energia de térmicas, mais caras, no mercado à vista.

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Porém, eles ponderam que, em 2015 o risco de racionamento era muito alto, mas no final das contas o racionamento não aconteceu. Portanto, mais uma vez, não se pode supor ainda que ocorrerá um corte oficial no fornecimento. “Enquanto os reservatórios estão baixos, as chuvas estão abaixo da média e a demanda por eletricidade aumentou, tal medida por parte dos reguladores deve ser o último recurso, dado o custo político, ainda mais levando em conta a aproximação das eleições presidenciais no final de 2022”, diz o banco.

João Leal, economista da Rio Bravo Investimentos, afirma que o racionamento de energia neste ano é um risco grande para o PIB, que deve ser monitorado, mas por ora não acredita que haverá efetivamente um racionamento. “Apesar dos alertas do ONS, acredito que outras razões vão ser tomadas e adotadas para priorizar e garantir o reservatório mínimo pelo menos antes de ser adotado um racionamento”.

O cenário-base do Bradesco BBI, por enquanto, é de que não deve haver nenhum racionamento oficial em 2021, mas sim um GSF ainda menor do que o esperado para 2021 e 2022 e preços à vista (PLD) mais altos, impactando negativamente as centrais hidrelétricas.

Em relação ao GSF, até o início de maio a câmara de compensação do setor CCEE modelava um índice de 0,77 para 2021, mas os analistas do BBI acreditam que ele deveria ser mais baixo, próximo de 0,70 a 0,72. Isso significa que, mantendo-se todas as outras condições, as geradoras terão que comprar entre 5% e  7% adicionais de sua capacidade firme no mercado à vista a preços provavelmente muito altos.

Os preços spot da eletricidade, atualmente em R$ 244/Megawatt-hora (MWh), provavelmente subirão para perto do teto de R$ 580  MWh na maior parte do segundo semestre. Isso porque, para preservar os reservatórios hidrelétricos, o ONS começa a despachar os 19,0 GW completos de geração térmica disponível (atualmente, o despacho térmico está em cerca 14 GW). As geradoras já estão prevendo esse impacto.

“Sabemos, por exemplo, que nesta semana as distribuidoras venderam cerca de 1 GW de capacidade comprada excedente no mercado não regulado, com algumas geradoras pagando entre R$ 450 e R$ 460/ MWh (até três semanas atrás, os preços estavam próximos a R$ 350/ MWh )”, destacam. Além disso, olhando para além deste ano, para 2022, as hidrelétricas também estão começando a fazer compras para mitigar o risco hídrico, pagando cerca de R $ 280 / MWh.

Apesar de ressaltar a dinâmica difícil ao longo do ano, a XP também não vê risco de escassez e racionamento de água (como ocorreu em 2014) ou energia (como em 2001) por ora. “A elevação do custo tende, mesmo que em magnitude pequena – trabalho acadêmico estima elasticidade preço da demanda perto de -0,20 –, a controlar a demanda, reduzindo a pressão sobre os reservatórios. Além disso, o país tem um sistema mais robusto que em 2001, ano do ‘apagão'”, dizem as analistas Tatiana Nogueira e Maira Maldonado, que assinam o relatório.

Se o racionamento chegar a ser acionado, porém, Leal, da Rio Bravo, afirma que a indústria vai ser o principal setor impactado, o que pode provocar um impacto relevante no PIB. “Não somente porque ele é o principal consumidor de energia elétrica, mas também porque os principais estados atingidos por esse racionamento são aqueles que concentram a maior parte da indústria no país. Fazendo um paralelo com 2001, um estudo do Banco Central daquela época que estimou um impacto de 1 a 2 pontos percentuais negativos no PIB. Mas aqui cabe destacar que a gente é bem menos dependente das hidrelétricas do que a gente era lá no início do século”, diz.

Ações impactadas

Para os analistas do BBI, as empresas mais afetadas negativamente neste cenário devem ser: i) Cesp (CESP6), que é totalmente exposta à hidro, ii) AES Brasil (AESB3), mas que tem cerca de 40% do lucro antes juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda) proveniente da geração eólica, iii) Engie (EGIE3), com 30% da capacidade de geração térmica / eólica , além de ter um negócio de transporte de gás mais transmissão greenfield e iv) concessionárias integradas como Cemig (CMIG4), Copel (CPLE6) e Light (LIGT3). Os vencedores relativos devem ser os geradores Omega (OMGE3), de energia eólica e Eneva (ENEV3), de energia térmica. As ações CESP6 e AESB3 registram baixa, de cerca de 2%, na sessão desta sexta-feira.

No caso da Eletrobras (ELET3;ELET6), cerca de 50% de sua capacidade total firme é vendida a distribuidoras no sistema de cotas, a tarifas muito baixas, mas que repassa integralmente o risco do GSF aos consumidores finais (sem incluir a receita da compensação financeira “RBSE” de transmissão).

Quanto às distribuidoras, neste cenário, a preocupação é que o despacho térmico maior do que o esperado gerará custos de compra de energia mais elevados. Embora esses custos sejam totalmente repassados ​​aos consumidores finais, as distribuidoras podem enfrentar pressão de capital de giro, tendo que esperar até o próximo ajuste tarifário (em média, com entre seis e doze meses de distância) para repassar / recuperar quaisquer custos mais elevados (tendo que arcar com eles a partir do momento em que o ONS começar o despacho de térmicas).

Notavelmente, em casos anteriores, para mitigar tais problemas de capital de giro, o regulador permitiu revisões tarifárias extraordinárias, destacam os analistas. O outro risco para as distribuidoras é que os consumidores finais veriam tarifas de eletricidade ainda mais altas quando o Brasil ainda não está recuperado totalmente da crise da Covid, o que pode levar ao aumento da inadimplência e perdas de eletricidade em algumas concessões.

O diretor do CBIE ressalta que qualquer problema de falta de energia, seja corte de carga ou racionamento, compromete todo o crescimento da economia, vide o que aconteceu nos anos de 2001 e 2002. “Mas os primeiros afetados em nível de mercado são os setores eletro-intensivos, como mineração, siderurgia e indústrias de forma geral”.

Como solucionar o apagão?

O BBI também destaca quatro possíveis medidas (ou considerações) para evitar o racionamento. Em primeiro lugar, como o ONS sugeriu, uma medida seria suspender a exigência de vazão mínima de água e reduzir o uso de reservatórios de eletricidade por qualquer motivo que não seja a geração de energia. Isso talvez pudesse adicionar entre 200 e 300 pontos-base de capacidade aos reservatórios ao longo do ano.

Em segundo lugar, o governo poderia implementar uma campanha voluntária de economia no consumo de eletricidade. Em casos anteriores, as indústrias foram solicitadas a cooperar, reduzindo o consumo de eletricidade tanto quanto possível, ou concentrando as operações / demanda durante os períodos noturnos nos quais, por exemplo, a geração de energia eólica é maior. Quanto aos consumidores finais, uma campanha de TV / mídia social pode ser uma alternativa, mas deve ter um custo político. Os analistas apontam que, neste cenário, as distribuidoras perderiam fluxo de caixa devido à queda no volume de vendas.

Em terceiro lugar, uma possibilidade seria aumentar as importações de eletricidade da Argentina e do Uruguai. Contudo, isso é incerto por conta dos volumes demandados e também depende de negociações políticas.

Em quarto e último lugar, os analistas apontam mais um desejo do que uma medida possível: esperar por mais chuvas.

“Até agora o patinho feio tem sido a região Sul, com chuvas a 23% da média histórica em maio, mas que historicamente é conhecida por sua alta volatilidade de precipitação (…) Assumindo que as chuvas no Sudeste e no Sul cheguem a 70% da média histórica até novembro, os reservatórios do Sudeste cairiam para níveis ainda aceitáveis ​​de 10% / 14%. No entanto, se as chuvas no Sul chegassem a, digamos, 40% da média histórica (mantendo 70% no Sudeste), os reservatórios do Sudeste cairiam abaixo dos 10% mínimos necessários para manter o controle operacional do sistema”, destacam.

Adriano Pires, do CBIE afirma que o planejamento do setor elétrico tem sido errático desde 2009 e os erros vêm persistindo em diferentes governos. “Desde 2009, o governo está apostando demais em geração de energia de fontes renováveis intermitentes, como hidrelétricas a fio d’água [que usam a força dos rios, sem reservatório], energia eólica e solar e está abandonando um pouco a questão de segurança de abastecimento.”

Ele explica que quando o país tinha hidrelétricas com reservatórios, havia mais segurança no setor elétrico, mas a partir do momento em que elas foram proibidas e o país passou a adotar reservatórios a fio d’água, a matriz ficou mais dependente do clima. “Reservatórios fio d’água só geram energia quando chove, a eólica só quando venta e a solar só quando faz sol, então a matriz energética brasileira está muito refém do clima”, diz Pires.

Para ele, a solução seria utilizar mais usinas térmicas movidas a gás natural, para assim gerenciar melhor o nível dos reservatórios, expandir a energia eólica e solar com mais segurança, além de reduzir a volatilidade do preço de energia. “Tem momento em que a volatilidade chega a 600%, nenhum produto da economia brasileira tem essa volatilidade. Se a gente já tivesse colocado térmicas a gás, mais baratas, pelo menos 70% do tempo rodando, o risco de faltar energia este ano seria zero”, afirma.

Mas, como o planejamento não foi feito, para remediar o problema agora e evitar o racionamento, Pires sugere a adoção de medidas de curto prazo, como elevar ao máximo o PLD (cotação no mercado de energia) e adotar a bandeira vermelha para desestimular o consumo, além de despachar toda a energia que não seja hidráulica.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.