Eneva e AES Tietê: as incertezas que travam a criação da gigante de energia de R$ 23 bi – e afetam as ações na B3

Termos da nova proposta da Eneva pela Tietê, apesar de melhores em valores, não devem agradar o BNDES; disputa com a AES também está no radar

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Mais uma vez, a Eneva (ENEV3) fez uma ofensiva pela AES Tietê (TIET11), com o objetivo de criar uma gigante setor elétrico com R$ 23 bilhões em valor de mercado. Contudo, apesar da proposta aparentemente mais agressiva, ela não parece ter agradado os principais envolvidos no negócio.

Na noite da última quinta-feira (23), a Eneva apresentou à BNDESPar, braço de participações do BNDES, nova proposta para combinação de negócios com a AES Tietê, com uma melhora em relação à oferta anterior, tendo como objetivo facilitar a saída do banco de fomento, que detém 28% do capital da empresa.

A incorporação ocorreria por meio de troca de ações, mais uma parcela em dinheiro de R$ 727,9 milhões. Mais precisamente, as condições são as seguintes: i) troca de ações na proporção de 0,32697609 ação de ENEV3 para cada unit de TIET11 (ou 0,06539522 ação de ENEV3 por ação ON ou PN da AES Tietê) e ii) pagamento em dinheiro de R$ 727,9 milhões aos acionistas da AES Tietê, o que resulta em um valor implícito de R$ 1,82 por unit de parcela em caixa (ou parcela em dinheiro de R$ 0,36 por ativo para cada ação ordinária ou preferencial).

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Cabe lembrar que a primeira proposta havia sido feita em março. Na época, os termos da proposta de fusão eram: i) uma relação de troca de ações de 0,2305 ação ENEV3 por unit de TIET11 e i) um pagamento em dinheiro de R$ 6,89 por unit, totalizando um desembolso de R$ 2,75 bilhões para os acionistas da AES Tietê.

Contudo, desde o começo, a proposta enfrentou a oposição do Conselho da AES Tietê, que posteriormente a rejeitou formalmente em 19 de abril de 2020. A Eneva acabou por também retirar sua proposta em 22 de abril de 2020.

Em seguida, mais precisamente em junho de 2020, o BNDESPar selecionou um assessor financeiro para auxiliar a desinvestir sua participação de 28,4% no capital da companhia, sendo feita essa nova oferta na última quinta.

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Conforme cálculos da XP Investimentos (veja mais clicando aqui), com base na nova proposta de fusão apresentada pela Eneva, é estimado um potencial de ganho de 10,4% para as units da AES Tietê, com base nos preços de fechamento de TIET11 e ENEV3 em 23 de julho de 2020, o que também foi destacado pela Eneva em comunicado.

Contudo, ainda há muitas incertezas envolvendo uma possível união entre as duas companhias, o que também leva à expressiva queda dos ativos de ambas as companhias durante a sessão, mais notoriamente para as units TIET11. Enquanto os ativos ENEV3 fecharam em queda de 1,84% (R$ 51,21), uma baixa bem menos expressiva em relação à mínima de 6,36%, os papéis TIET11 tiveram queda de 9,12% (R$ 15,55), na mínima do dia.

Gabriel Fonseca, analista da XP Investimentos, destaca que as condições são mais atrativas em relação à proposta anterior. “Entretanto, na nossa visão, seria mais interessante aos acionistas minoritários da AES Tietê que uma nova proposta de fusão previsse uma parcela maior de pagamento em caixa ou condições de direito de retirada para investidores que porventura não desejem ser acionistas da ‘nova empresa’ resultante da fusão”, avalia.

Conforme apontou o Valor Econômico, o BNDES deve recusar oferta da Eneva justamente porque a Eneva aumentou o prêmio, mas também elevou o percentual de pagamento por meio de ações. Assim, segundo as fontes ouvidas pelo jornal, isso não atende ao propósito de desinvestimento do banco de fomento.

A XP também ressalta ser necessária uma clareza maior sobre o mérito estratégico e a existência de fato de sinergias com a fusão. Isso porque tanto a Eneva como a AES Tietê já são eficientes em termos de custos operacionais e é incerto se a fusão geraria benefícios adicionais como amortização de ágio ou de natureza fiscal.

Além disso, a Eneva possui 98% de sua capacidade já contratada no mercado regulado de energia (ACR), o que implica pouca capacidade de geração excedente para mitigar os efeitos negativos de condições hidrológicas adversas sobre os resultados da AES Tietê.

Em abril, cabe lembrar, o investidor Luiz Barsi Filho, acionista minoritário da AES Tietê, posicionou-se contra a proposta de fusão, elencando três motivos principais: falta de uma política de dividendos na Eneva; matriz energética concentrada em energias poluentes e o momento pouco propício do mercado na época para o vendedor.

Por outro lado, entre os pontos positivos, Fonseca ressalta que a nova empresa resultante da incorporação das companhias teria um perfil de geração de caixa mais estável que o das empresas separadas, uma vez que as fontes hidrelétrica (AES Tietê) e termelétrica (Eneva) normalmente são complementares.

Outro ponto a favor é o de que a companhia resultante da fusão seria a segunda maior geradora de energia privada no Brasil, com 6,1 gigawatts (GW) de capacidade total entre usinas operacionais e projetos em construção. Ela ficaria atrás apenas da Engie Brasil, que possuí 10,6 GW (incluindo projetos em construção).

“Uma empresa de maior porte e com elevado potencial de geração teria capacidade de realização de maiores investimentos em expansão de capacidade de geração no futuro”, avalia.

Disputa com AES

Mas há um outro ponto de incerteza para que essa operação aconteça. Segundo fontes ouvidas pela Bloomberg, a AES Corp, acionista controladora da AES Tietê, está em vias de fazer uma oferta para comprar a fatia de 28,4% da BNDESPar.

“Se essa intenção for confirmada e a empresa norte-americana adquirir com sucesso a participação acima mencionada, isso acabaria protegendo a AES Tietê de quaisquer propostas futuras de fusão”, avalia Fonseca.

Isso porque a AES Corp. passaria a deter, com uma eventual aquisição da fatia do BNDESPar, a maior parte do capital total da empresa (52,8%), podendo assim barrar quaisquer propostas em Assembleias Gerais, de acordo com as condições do Nível II de Governança Corporativa da B3 – segundo o qual os acionistas preferenciais têm direito de votar em assuntos específicos, como eventos de fusão, cisão, transformação e incorporação.

O analista da XP reforça a ideia de que a proposta da Eneva geraria um grau adicional de complexidade para o BNDESPar na tentativa de desinvestir sua participação na AES Tietê. A troca de ações implicaria que o veículo de investimentos teria que realizar uma nova oferta subsequente por sua nova posição – ou melhor, na “nova empresa” resultante da fusão.

“Assim sendo, caso seja apresentada uma outra oferta por sua participação na AES Tietê, acreditamos que o braço de investimentos do BNDES pode levar em consideração outros fatores além do preço implícito por ação para decidir qual é a melhor proposta”, aponta.

Ainda no radar dos investidores, estão as notícias de que a AES Tietê se prepara para uma guerra judicial contra a Eneva em sua proposta de união com a empresa (conforme informado por Lauro Jardim em sua coluna no jornal O Globo).

Em entrevista ao Brazil Journal, Pedro Zinner, CEO da Eneva, rebateu, afirmando que a Tietê e a AES Corp. não adotam boas práticas de governança corporativa, por terem tentado anular os direitos de voto dos acionistas preferencialistas dessas empresas. Zinner também afirmou que, se a proposta for recusada pelo BNDES, a Eneva não buscará outros caminhos para uma fusão com a Tietê.

Em abril, cabe destacar, a B3 emitiu uma declaração reconhecendo os direitos de voto dos acionistas preferenciais em caso de fusão e incorporação de empresas. A AES havia defendido que eventual transação com a Eneva não poderia acontecer sem sua aprovação, por ser controladora da AES Tietê com maioria das ações ordinárias.

Assim, caso o BNDES concorde com a proposta (o que é visto como improvável nos termos atuais), será convocada uma assembleia geral para permitir que os acionistas da AES Tietê votem sobre o assunto.

Embora a AES Corp provavelmente seja contra essa proposta, a avaliação, conforme ressaltado pela B3, é de que ela não poderá bloquear o acordo, pois detém apenas 24,4% do capital total da empresa. O acordo poderá ser aprovado se os outros acionistas acharem seus termos atrativos (o BNDES detém 28,4% do capital total), avaliam os analistas do Itaú BBA.

“A AES Corp pode decidir entrar em uma batalha legal, mas acreditamos que as chances de ganhar são reduzidas, dada a declaração da B3 sobre os direitos de voto dos acionistas preferenciais”, reforçam.

Já os analistas do Safra ressaltam que a AES Corp aceitar ou não essa nova oferta é uma questão importante. “Caso não aceite, essa questão poderá ir ao tribunal de arbitragem e levar algum tempo para a transação avançar”, avaliam os analistas do banco.

Por enquanto, tudo parece indicar que a americana não aceitará. Mas, antes disso, as indicações são de que a proposta não deve interessar ao BNDES, o que desanima os investidores nesta sessão.

Com tantas incertezas no radar, uma alternativa para o BNDES, aponta a Levante Ideias de Investimentos, seria mesmo vender a sua participação na companhia para a AES Corp. “Acreditamos que a fusão entre Eneva e AES Tietê tem baixa probabilidade de ocorrer nas condições apresentadas”, reforça.

Já a XP segue com recomendação de compra para os ativos TIET11, com preço-alvo de R$ 16 para cada unit, mas sem colocar nas estimativas nenhum aspecto da fusão proposta.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.