Biden tem espaço limitado para avançar com agenda democrata, incluindo aumento de impostos, diz BlackRock

Proposta de Biden sofrerá resistência, mas, se avançar, outros países podem seguir a onda para compensar déficits da pandemia, diz estrategista da BlackRock

Priscila Yazbek

(Justin Sullivan/Getty Images)

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SÃO PAULO – Em meio aos anúncios de pacotes trilionários de Joe Biden nos Estados Unidos, o mercado se pergunta quais serão os efeitos para a economia global de um Estado americano mais participativo. Apesar de algumas análises destacarem que a “onda azul” de controle democrata sobre o Executivo e o Legislativo marca uma mudança histórica e o fim de um período de 40 anos de domínio republicano, há quem defenda que a transição deve ser bem mais sutil.

Essa é a visão de Axel Christensen, estrategista-chefe para América Latina da BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo, com US$ 9 trilhões de ativos sob gestão. Em entrevista ao InfoMoney, Christensen avaliou que a maioria apertada dos democratas, principalmente no Senado, deve limitar o avanço da agenda de Biden e frear os ímpetos do novo presidente de intensificar o papel do Estado na economia.

O estrategista acredita que apesar de o primeiro pacote de Biden, no valor de US$ 1,9 trilhão com foco em famílias e empresas, ter avançado sem grandes obstáculos, muito por conta do apoio da população, as novas rodadas de estímulo enfrentarão mais resistência, principalmente porque preveem aumento de impostos.

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Porém, se as propostas de elevação de impostos se concretizarem, o exemplo pode ser seguido por outros países. “Caso esse tipo de iniciativa prevaleça nas economias desenvolvidas, abre-se a oportunidade para economias emergentes, como o Brasil, seguirem o exemplo, já que muitas delas também viram sua situação fiscal ficar mais estressada como resultado da crise provocada pela Covid”, diz Christensen.

Na entrevista, o estrategista-chefe para America Latina da BlackRock fala sobre a nova era Biden, os limites do Estado mais participativo nos Estados Unidos e os efeitos de uma possível onda de aumento de impostos no mundo. Leia a seguir os principais trechos.

InfoMoney (IM) –  A entrada de Biden e a onda azul democrata, com o partido dominando Executivo e Legislativo, encerraram uma era de 40 anos de dominância republicana. Como isso se traduz em termos do papel do Estado na economia americana? Como a BlackRock está vendo essa mudança?

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Axel Christensen (AC) – As recentes eleições nos Estados Unidos colocaram de volta os democratas no controle do Executivo e do Congresso, embora com uma margem apertada no Senado. Esse domínio democrata foi visto pela última vez quando Barack Obama foi eleito presidente em 2008, também levando as duas casas no Congresso, com uma maioria democrata ainda maior do que agora.

A maioria por uma margem muito estreita no Congresso e o aumento da polarização na política dos EUA apontam para um avanço limitado da agenda política democrata, incluindo a expansão do papel do governo no Estado. Esse é o caso, especialmente, das questões que exigem o apoio bipartidário (ou, pelo menos, os votos de democratas mais moderados).

Dada a dinâmica da política americana, há uma ampla expectativa nos mercados de que o governo Biden foque em fazer o máximo possível nos primeiros dois anos de gestão, antes das eleições parlamentares que acontecem no meio do mandato.

IM – Economistas historicamente liberais, alguns bem conservadores, têm mudado sua opinião sobre os efeitos de um Estado mais participativo na economia. Isso vem acontecendo desde o início da pandemia, com a revista britânica The Economist, bastião do liberalismo, admitindo que a participação do Estado pode ser menos danosa do que se supunha. O que fez essas visões mudarem? Foi a pandemia?

AC – Certamente, a pandemia reforçou o papel do governo na prestação de assistência para superar os graves impactos provocados pela Covid-19 tanto do ponto de vista sanitário quanto econômico. A natureza da origem desta crise e a ausência do colapso financeiro que caracterizou a Crise Financeira Global – com uma importante fonte da crise derivada do moral hazard [risco moral, em português, conceito que diz que agentes tomaram risco excessivo no mercado porque sabiam que seriam socorridos diante de eventuais prejuízos], que levou ao excessivo risco financeiro assumido – facilitaram uma resposta de política econômica mais rápida e ampla, especialmente no âmbito fiscal.

No caso das medidas fiscais, com o apoio da opinião pública à aprovação de transferências diretas de recursos aos cidadãos e pacotes de apoio a empresas (que também foram observados na gestão anterior), o primeiro pacote de recuperação passou rapidamente, embora sem o apoio dos republicanos.

O pacote fiscal com foco em infraestrutura também é visto como uma forma de acelerar a retomada econômica, especialmente em termos de criação de empregos, e como uma forma de aumentar a produtividade de longo prazo (principalmente em áreas que ficaram expostas durante a pandemia, como a cobertura de wi-fi e infraestrutura de saúde).

No entanto, avanços em outros aspectos da política fiscal, como em aumentos de receitas provenientes de impostos para compensar a elevação do déficit fiscal e da dívida pública, resultantes dos pacotes de combate à pandemia e dos gastos com infraestrutura, enfrentam consideravelmente mais dificuldades no Congresso, incluindo o apoio essencial dos democratas moderados.

Além disso, a eficácia de propostas fiscais, como o aumento dos impostos corporativos, exige um alto grau de coordenação com outros países, como reconheceu a secretária do Tesouro Nacional dos Estados Unidos, Janet Yellen, portanto não é uma tarefa fácil.

IM – Depois que Biden afirmou que pretendia financiar o pacote dele com impostos, na Europa também surgiu uma discussão sobre um Imposto de Renda comum aos países europeus. Como isso afeta a dinâmica das empresas e dos mercados? Há algum impacto específico para o Brasil?

AC – Caso esse tipo de iniciativa prevaleça nas economias desenvolvidas, abre-se a oportunidade para economias emergentes, como o Brasil, seguirem o exemplo, já que muitas delas também viram sua situação fiscal ficar mais estressada como resultado da crise provocada pela Covid.

A perspectiva de crescimento da BlackRock para as economias do G7, incluindo os EUA, pode ser encontrada no painel Macro do BlackRock Investment Institute [que prevê avanço de 4,7% para os Estados Unidos, contra 5,44% do consenso de mercado].

IM – De que forma um governo americano mais participativo na economia pode afetar os mercados países emergentes e o Brasil? Onde investir nesse cenário?

AC – O crescimento esperado para 2021 é condizente com uma retomada da economia dos EUA, alimentada pelo estímulo fiscal significativo que impacta o consumo e a geração de empregos e também pelas condições de excesso de liquidez proporcionadas pelo Federal Reserve, o banco central americano.

À medida que os ventos da retomada diminuírem, a economia dos EUA deve voltar à faixa de crescimento de 2% a 3%. No entanto, o aumento na produtividade que pode resultar da pandemia (por exemplo, os benefícios do trabalho remoto e a eficiência das plataformas de varejo eletrônico), bem como as melhorias na infraestrutura, podem deslocar o crescimento potencial para o limite superior dessa faixa.

As retomadas econômicas dos EUA e da China (já iniciadas no segundo semestre de 2020), e eventuais recuperações no resto do mundo (esperadas para a segunda metade de 2021 em relação à maioria dos países da Europa; e apenas em 2022 para a maioria dos países emergentes não-asiáticos) já tiveram impacto nos preços das commodities.

Esse será um impulso significativo para diversos setores do Brasil, embora os segmentos mais dependentes da demanda doméstica só apresentem recuperação no ano que vem.

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Priscila Yazbek

Editora de Finanças do InfoMoney.