Eletronuclear quer R$ 800 milhões de acionistas para renovar licença de Angra 1

Estatal de energia nuclear negocia aporte com acionistas, que são a ENBPar e a Eletrobras (ELET3)

Reuters

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A Eletronuclear está negociando um empréstimo-ponte de cerca de R$ 800 milhões com seus acionistas ENBPar e Eletrobras (ELET3) para pagar os investimentos que estão sendo realizados na usina Angra 1 neste ano, como parte do processo de prorrogação da licença de operação do empreendimento, disse à Reuters o presidente da empresa nuclear.

A companhia busca recursos junto a seus acionistas porque não teria condições de tomar ela própria montantes volumosos nos bancos, já que enfrenta um desequilíbrio de caixa nos últimos anos, quando também deixou de ter a Eletrobras como acionista majoritária após a privatização da elétrica.

A ENBPar, que passou a ser a controladora da Eletronuclear, embora seja uma empresa estatal e apoiada pelo governo, não tem histórico de crédito para tomar empréstimos relevantes.

Por isso, segundo o presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, o empréstimo junto aos acionistas representaria uma solução de curto prazo para ajudar a destravar a concessão da licença para operação da usina por mais de 20 anos.

Enquanto isso, a Eletronuclear e seus acionistas buscam uma saída definitiva para financiar o restante dos aportes necessários em Angra 1, que totalizam quase R$ 3 bilhões até 2027.

Com 640 megawatts (MW) de potência, a primeira usina nuclear brasileira está completando 40 anos em atividade e desde 2019 vem trabalhando para renovar sua licença, que expira em dezembro.

Os financiamentos de Angra 1, que foi construída pela norte-americana Westinghouse, são geralmente contratados junto ao Eximbank, agência de crédito à exportação dos Estados Unidos, que não tem o histórico de crédito da ENBPar.

“Eu preciso desse mútuo, que é um empréstimo-ponte, até que as coisas com o Eximbank (banco norte-americano), com o financiador efetivo lá na frente, se resolvam”, explicou o executivo.

O presidente da Eletronuclear notou ainda que tudo seria mais fácil se a Eletrobras fosse ainda majoritária na empresa, algo que mudou porque há restrições para uma empresa privada ser dona de usinas nucleares no Brasil.

“O sócio controlador não tem histórico de crédito junto a ele e junto ao mercado em geral, porque é uma empresa recente, uma empresa de 2022. Por isso que dá esse solavanco, essa turbulência, porque se fosse com Eletrobras não teria problema. Mas a Eletrobras entende que por ela ser minoritária, ela não tem que dar (garantia)”.

A Eletrobras se mantém como acionista importante da Eletronuclear, com 35,3% das ações ordinárias, enquanto a ENBPar detém os outros 64,7% restantes.

“Os termos e condições (do empréstimo-ponte) já foram conversados com os acionistas. Então já foi encaminhado para o conselho de administração, que depois, obviamente, vai ser levado para as empresas”, acrescentou.

A Eletronuclear atualmente passa por um problema de “estresse” de caixa, com custos acima das receitas aprovadas pelo regulador, e tem as receitas das usinas Angra 1 e 2 já vinculadas a financiamentos tomados no passado, o que limita eventuais novos empréstimos.

Procurada, Eletrobras disse que não iria comentar. A ENBPar, acionista majoritária da Eletronuclear, também não fez mais comentários.

Segundo o presidente da Eletronuclear, investimentos para modernização do empreendimento, como troca de gerador de vapor, transformadores e outros, são realizados há pelo menos 20 anos.

Para que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEC) autorize a extensão da vida útil de Angra, a empresa precisa executar um plano de investimentos de cerca de US$ 500 milhões entre 2024 e 2027, o que equivalente a algo entre R$ 2,5 bilhões e R$ 3 bilhões, disse Lycurgo.

São aportes em aspectos de engenharia, instrumentação e controle que em parte já vêm sendo realizados, com equipamentos encomendados e até mesmo entregues. “A questão é só pagar os fornecimentos.”

Ele ressaltou que a Eletronuclear também está conversando com os demais agentes envolvidos para renovar a licença de operação até dezembro seguindo todos os parâmetros de segurança.

“No nuclear, usina sem licença não funciona, ela para no dia seguinte. Obviamente, estamos conversando com CNEN, Ibama, ICMBio, e até agora está tudo ‘ok’, o que a gente tem feito é suficiente para garantir a renovação.”


Futuro de Angra 3


Em relação a Angra 3, Lycurgo afirmou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está avançando com os estudos que vão apontar um caminho para a finalização do empreendimento. Projetada com 1,4 gigawatt (GW) de potência, a usina teve suas obras iniciadas na década de 1980, mas ao longo dos anos elas foram paralisadas e reiniciadas algumas vezes.

As obras estão 67% concluídas, e são cerca de 11,5 mil equipamentos já comprados e estocados no sítio do empreendimento aguardando seu reinício. A estimativa é de que a conclusão da usina exija pelo menos mais R$ 20 bilhões.

Um dos principais pontos em aberto é a tarifa de energia do empreendimento, que precisará ser aprovada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

O presidente da Eletronuclear avalia que a usina deverá ter uma tarifa “competitiva” se considerados os benefícios trazidos pela fonte nuclear, como a estabilidade da geração — aspecto que se tornou mais importante para a matriz brasileira devido à intermitência das renováveis eólica e solar diante — e proximidade do centro de carga.

A Eletronuclear divulgou recentemente uma consulta pública com os documentos da licitação que deverá ser lançada para contratar “EPCistas” para finalizar a obra de Angra 3. Ainda não há data definida para o certame.

Na visão de Lycurgo, o Brasil não pode demorar para realizar o processo, porque poderá ficar para trás e ter dificuldades no futuro com a cadeia de suprimentos.

“Se o mundo for efetivamente investir três vezes mais no nuclear e a gente ficar nesse ‘vai, não vai’, a cadeia de suprimento, que é obviamente limitada e nesse momento consegue atender… pode falar ‘vou tirar a minha linha de montagem dele e colocar para o outro’. E aí a gente perde a oportunidade.”

Ele avaliou ainda que o Brasil não deveria sequer discutir abandonar a obra de Angra 3, já que os custos de desmobilzação seriam quase tão altos quanto seguir adiante com o projeto.

“Não é normal você ter 11,5 mil equipamentos comprados, pagos, sendo guardados lá, e você desista… Angra 3 não tem como se discutir porque é um empreendimento que parar, não concluir, é tão caro quanto concluir. E não concluir significa que não ter geração de trabalho, renda, desenvolvimento.”