Elétricas mais afetadas pela pandemia, distribuidoras recebem “socorro”, mas ainda não animam analistas

Medidas tomadas pela Aneel e governo podem resolver problemas de curto prazo, mas não questões estruturais das distribuidoras

Lara Rizério

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SÃO PAULO – “Patinho feio” dentro do defensivo setor elétrico em meio à pandemia do novo coronavírus, o segmento de distribuição conseguiu buscar um alívio nos últimos dias com medidas de socorro – mas o cenário segue desafiador.

As distribuidoras têm apontado que o aumento da inadimplência segue como um dos principais desafios de curto prazo com a pandemia, uma vez que as medidas de isolamento social diminuíram significativamente a capacidade do pagamento de conta de luz por uma fatia expressiva dos consumidores brasileiros, e não apenas dos clientes considerados de baixa renda.

Além disso, cabe ressaltar, a demanda de eletricidade caiu de 10% a 15% por conta das fábricas e comércio parados, resultando em uma baixa acentuada no fluxo de caixa das empresas devido a: (i) menor volume de vendas; (ii) o consequente excesso de fornecimento de eletricidade comprada de empresas geradoras de energia elétrica; e (iii) queda nas taxas de cobrança, pois um grande número de consumidores param de pagar suas contas ou demoram mais para fazê-lo.

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Somou-se a isso que, no fim do mês passado, em uma medida de proteção social, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) determinou, no dia 24 de março, a suspensão por 90 dias do corte de energia, mesmo para os clientes inadimplentes, o que levou a uma reação negativa dos mercados, uma vez que as medidas compensatórias (como a suspensão do atendimento presencial) teriam pouco impacto.

Vale destacar, contudo, que nos últimos dias foram tomadas medidas para aliviar a situação das elétricas – particularmente as distribuidoras -, com mais efeito para o mercado.

Na semana passada, a Aneel autorizou a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) a repassar, para as distribuidoras do sistema interligado, recursos do fundo de reserva para alívio futuro de encargos, de forma a “reforçar a liquidez” do setor elétrico. Com a medida, serão antecipados R$ 2,022 bilhões reservados para “alívio futuro” de encargos para as distribuidoras do ambiente de contratação regulada e para 7.166 agentes do ambiente de contratação livre.

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Em seguida, o governo publicou a Medida Provisória 950, que decreta o aporte de R$ 900 milhões para pagar a conta de luz dos consumidores de baixa renda, enquadrados no programa Tarifa Social.

De acordo com as estimativas oficiais, a isenção temporária do pagamento pela eletricidade deve custar em torno de R$ 1,250 bilhão. O restante do orçamento virá de sobras na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), o fundo setorial que banca subvenções nas tarifas de energia. Com isso, o governo evita um aumento da CDE e impactos negativos para os demais consumidores, especialmente na região Centro-Sul do país.

O Ministério de Minas e Energia disse que a MP trata os dois impactos considerados “mais urgentes” da epidemia sobre a indústria elétrica – a perda de capacidade de pagamento pelos consumidores de baixa renda e as dificuldades de caixa das concessionárias de distribuição. “A medida possibilitará que as distribuidoras continuem honrando seus compromissos com os demais agentes setoriais, preservando a sustentabilidade do setor elétrico”, afirmou. As operações financeiras em benefício das distribuidoras deverão ser posteriormente amortizadas por meio de encargo nas tarifas dos consumidores, cobrado na proporção do consumo de energia.

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O plano também envolve uma injeção de caixa de cerca de R$ 18 bilhões nas empresas, na forma de um grande empréstimo do “setor”, proveniente de bancos privados ou estatais conforme destaca o Bradesco BBI. O formato será semelhante ao plano de auxílio à conta “ACR” de 2014, quando as empresas distribuidoras de energia elétrica receberam um empréstimo da ordem de R$ 21 bilhões, que foi posteriormente pago pelos consumidores finais ao longo de 5 anos.

Os analistas do banco acreditam que a injeção do fluxo de caixa real ocorra no final de abril/início de maio. Esse atraso ocorre porque o governo ainda precisa emitir um decreto com as regras específicas para o empréstimo, incluindo garantias aos bancos (o ativo regulatório “CVA”) e cronograma de amortização, que está se desenhando para ser publicado nos próximos dias.

Ainda de acordo com o BBI, é difícil dizer que o empréstimo de R$ 18 bilhões será suficiente para cobrir o déficit de fluxo de caixa no curto prazo, uma vez que tudo depende de quanto tempo vai durar a pandemia.

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As empresas de distribuição de energia afirmam que sua taxa de arrecadação pode cair até 30% se a atividade econômica (e, portanto, a demanda de energia elétrica) for interrompida por mais de 2-3 meses, caso em que provavelmente não seria suficiente.

“É por isso que o plano de ajuda também inclui o governo pagando as contas de energia elétrica de consumidores de baixa renda (9 milhões de famílias), além de estudar a securitização de encargos de Pesquisa & Desenvolvimento que seriam usados para mitigar o impacto negativo no fluxo de caixa sofrido pelas empresas de distribuição de energia elétrica”, avalia o BBI.

Uma outra questão destacada é sobre o efeito na cadeia de energia elétrica. Afinal, e se as empresas de distribuição de energia elétrica decidirem deixar de efetuar pagamentos a empresas de geração/transmissão de energia elétrica antes que os empréstimos sejam concedidos pelos bancos?

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O Bradesco BBI ressalta que as empresas de distribuição de energia elétrica estão de fato passando por tempos muito difíceis e o déficit de fluxo de caixa cresce a cada dia. Além disso, as margens Ebitda (Ebitda = lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações/receita líquida) das distribuidoras de energia elétrica são de apenas cerca de 20%, em média, o que significa que uma queda acentuada na receita / aumento do capital de giro (atraso no pagamento das contas) poderia causar problemas sérios a algumas empresas de distribuição de energia elétrica (especialmente aquelas com maior alavancagem).

“Dito isto, se os empréstimos forem concedidos até o final de abril, pensamos que as empresas de distribuição de energia elétrica ainda seriam capazes de manter intacta a cadeia de pagamentos. Observamos que o decreto mencionado provavelmente exigirá que as empresas de distribuição de energia elétrica estejam com seus pagamentos atualizados com as empresas geradoras / transmissoras de energia para se qualificar para os empréstimos”, avalia.

Conforme destaca o Credit Suisse, até que todas as medidas estejam válidas, a visão dos analistas de que o segmento de transmissão está mais protegido. Os analistas avaliam, contudo, que o mercado já está precificando um cenário mais duro para as distribuidoras e geradoras.

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O quadro abaixo mostra como se dividem os segmentos do setor elétrico e as empresas que fazem parte de cada segmento.

Segmento Qual o papel dentro do setor Empresas do setor
Geração Responsável por produzir energia elétrica e injetá-la nos sistemas de transporte (transmissão e distribuição)
para que chegue aos consumidores.
Energias do Brasil, Eneva, Eletrobras, Cemig, CPFL, Engie, Cesp, Light, Omega, Copel e AES Tiete
Transmissão É aquele que se encarrega de transportar grandes quantidades de energia provenientes das usinas. A interrupção de um linha de transmissão pode afetar cidades inteiras ou até mesmo estados.
O segmento conecta os geradores aos grandes consumidores ou,
como é o caso mais comum, às empresas distribuidoras.
Energisa,  CPFL, Equatorial, Eletrobras, Cemig, Copel, Taesa, Engie, CTEEP e Alupar
Distribuição Recebe grande quantidade de energia do sistema de transmissão e a distribui de forma pulverizada para consumidores médios e pequenos. Existem também unidades geradoras de menor porte, normalmente menores do que 30 MW, que injetam sua produção nas redes do sistema de distribuição. É a empresa distribuidora quem faz com que a energia elétrica chegue às residências e pequenos comércios e indústrias.

Energias do Brasil, Cemig, CPFL, Energisa, Equatorial, Light, Enel e Copel

O Bradesco BBI reforça que a medida tomada é um bom começo, mas ainda não é uma solução estrutural. “Ressaltamos que todas essas medidas são para aliviar o déficit de fluxo de caixa de curto prazo das distribuidoras e, embora reduzam o risco de um colapso do setor (ainda mais levando em conta que elas possam parar de pagar geradoras e transmissoras)”, avalia o banco.

Sobre os possíveis desafios estruturais de longo prazo que ainda serão enfrentados pelas distribuidoras após a crise, eles são os seguintes: (i) o volume de vendas / demanda per capita de eletricidade não se recuperar rápido o suficiente para níveis pré-crise, tendo que enfrentar um período incerto de recuperação econômica; e, pela mesma razão, (ii) os níveis de provisão para devedores duvidosos podem subir para um novo nível, sendo mais difícil a redução; bem como (iii) as taxas comerciais de perda de eletricidade (roubo) também podem ser estruturalmente mais altas do que os níveis pré-crise.

É provável que essas questões tenham que ser tratadas posteriormente, à medida que a pandemia diminui, pontua. Do lado positivo, há a avaliação de que o governo parece conter a questão da crise no segmento, resistindo a passar parte do déficit de fluxo de caixa (maior inadimplência / taxas de cobrança mais baixas) para geradoras e transmissoras. “Vemos isso como uma decisão acertada, pois mantém intacta a menor percepção de risco nesses dois segmentos”, apontam os analistas do banco.

Assim, em meio ao cenário ainda desafiador para as elétricas, notoriamente para as distribuidoras, os analistas de mercado ainda mantêm cautela para o setor. Dentro do universo de cobertura do Morgan Stanley, por exemplo, eles destacam que as empresas mais expostas à distribuição são a Energisa (ENGI11), seguida pela Equatorial (EQTL3), Light (LIGT3), CPFL (CPFE3), Energias do Brasil (ENBR3), Cemig (CMIG4) e Copel (CPLE6).

Sobre a Copel, o Bradesco BBI revisou suas estimativas no início do mês para a companhia, considerando um cenário mais desafiador em função dos impactos do coronavírus, mas considerando que a companhia, que é integrada (opera nos segmentos de geração, transmissão e distribuição), possui maior estabilidade em seus fluxos de caixa em relação à uma distribuidora pura. A empresa está bem posicionada para enfrentar esse momento, com a relação dívida líquida/Ebitda em 2 vezes, e considerando um cenário mais difícil, a relação poderia chegar a 2,3 vezes em 2020. Contudo, os analistas mantêm recomendação neutra para ação.

Já a gestora Gauss ressaltou recentemente em entrevista ao InfoMoney que, entre as ações preferidas da gestora no setor elétrico estão a Taesa (TAEE11) e a Transmissão Paulista (TRPL4).

Em relatório recente, a XP Investimentos destacou também que o setor de transmissão não deve sofrer grande impacto em suas linhas de receitas e custos, mas companhias podem enfrentar potenciais atrasos no fornecimento de equipamentos e realização de obras de novos projetos.

Assim sendo, nesse contexto, destacaram os segmentos de geração e transmissão de energia de forma a reduzir a exposição a risco. Entre as ações, estão da AES Tietê (TIET11), Energias do Brasil e Copel como nomes excessivamente descontados, nos quais possuem recomendação de compra. “Também ressaltamos a estabilidade proporcionada por nomes como Engie Brasil (EGIE3), Taesa e Transmissão Paulista”, avaliam.

A XP também comentou, em relatório nesta quarta-feira (15), as notícias sobre o que o governo está preparando para o decreto que regulamenta a Medida Provisória 950.  As informações são de que o financiamento a ser contratado seria arcado não só por consumidores do mercado regulado, mas também sobre tarifas de transmissão, que recai sobre consumidores do mercado livre. O pagamento se dará em cinco anos. Além disso, o decreto prevê a possibilidade de reequilíbrio econômico dos contratos de concessão das distribuidoras caso o empréstimo não seja o suficiente para cobrir as despesas adicionais.

“Apesar de ser uma sinalização positiva, acreditamos que as medidas a serem apresentadas servirão para endereçar os problemas de curto prazo das distribuidoras como inadimplência exacerbada e sobrecontratação, mas não conseguirão solucionar questões como queda estrutural da demanda, aumento de perdas não-técnicas (ou furto) de energia e inadimplência estruturalmente maior com a deterioração da economia”, destaca a XP Investimentos.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.