“Dilma é honesta, bem-intencionada e faz algumas trapalhadas”, diz Delfim Netto

Economista participou de evento da Acrefi, destacando que o Brasil "não vai terminar", mas que situação é delicada: "nem Dilma nem os economistas têm a capacidade de acabar com o Brasil"

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O Brasil não está à beira do apocalipse, afirmou Antonio Delfim Netto, que entre os anos 1970 e 1980 ocupou os cargos de ministro da Fazenda, ministro da Agricultura e ministro da Secretaria do Planejamento da Presidência. Em debate promovido pela Acrefi nesta quinta-feira (6) em São Paulo, ele afirmou que “estamos sob uma impressão de que estamos em um estado de catástrofe. Se acreditarmos nisso, nunca vamos investir. O Brasil não vai terminar”.

Por outro lado, ele reconheceu que a economia brasileira atravessa uma situação delicada, além de tecer um “elogio crítico” à presidente Dilma Rousseff (PT), que foi reeleita em 26 de outubro: “Dilma é honesta, bem-intencionada e faz algumas trapalhadas”, afirmou, brincando ao falar sobre o estado de pessimismo de muitos brasileiros: “nem Dilma nem os economistas têm a capacidade de acabar com o Brasil”.

Delfim Netto destacou que a inflação está perto do limite da banda estabelecida pelo governo, mas lembrou que a diferença entre os preços livres e controlados já começou a se reduzir. Quanto à deterioração fiscal, o problema principal é o baixo crescimento, disse, uma vez que em processos de estagnação as receitas caem a um ritmo mais forte.

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O ex-ministro criticou a sugestão de realizar um ajuste fiscal com arrocho salarial. “Essa sugestão do mercado financeiro é equivocada, não existe a possibilidade de fazer um ajuste sem a volta do crescimento”, afirmou. Ele lembrou que a Europa realizou esse arrocho e está novamente com problemas, enquanto os EUA, que optaram por um caminho de incentivo ao crescimento, estão em uma situação mais tranquila.

Delfim voltou a reforçar que o principal problema do Brasil é o setor externo, e a solução seria crescer por meio da indústria e pela exportação. O ex-ministro ainda acrescentou que o principal risco para o País é perder o grau de investimento em um momento de alta nos juros dos EUA. “Isso retardaria todo o processo”, afirmou. 

País deixou de crescer com a crise na indústria
Para Delfim, a crise na indústria é o principal fator por trás da perda de fôlego na economia brasileira. Em seu diagnóstico, a crise passa pela redução da participação do setor no comércio internacional e pela utilização do câmbio para substituir a política monetária e fiscal, avaliou.

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“Faltou política cambial previsível. Quando controlamos a inflação pelo câmbio, desconstruímos a indústria e a possibilidade de crescer”, afirmou, durante palestra promovida pela Acrefi. “Jogamos fora o comércio para o exterior”, acrescentou. Desse modo, o consumo passou a ser suprido pela importação. “Temos uma tendência à redução da produção industrial.”

Delfim também explicou que o câmbio real, medido em termos de salário, passou a se valorizar de modo significativo a partir de 2007. Ele também questionou o sistema tarifário brasileiro. Para Delfim, o sistema pune os produtores de insumo. “Hoje, o aço é mais protegido que a geladeira”, exemplificou.

O ex-ministro concordou que o governo perdeu credibilidade, utilizando financiamentos questionáveis, contabilidade criativa, desarranjando a Petrobras e criando uma desconfiança mútua com os empresários. Ele também reconheceu que os subsídios e desonerações dados à indústria não surtiram os efeitos desejados.

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Para Delfim, o desenvolvimento da economia somente retornará quando entendermos o novo momento do Brasil, em que não há mais mão de obra disponível. O ex-ministro sugeriu duas alterações para o governo de Dilma Rousseff: a reforma do ICMS e a aprovação de uma proposta da CUT, que prevê que a negociação entre trabalhador e empregado esteja acima da lei, desde que respeitados todos os direitos constitucionais.

Para a reforma do ICMS, Delfim propõe um prazo de 20 dias para votar. “Já está tudo pronto, não tem mais objeção. A aprovação mudaria as expectativas de modo fundamental”, afirmou. “Precisamos devolver ao empresário industrial seu espírito animal”, explicou. Espírito animal é termo usado por John Maynard Keynes que está relacionado à confiança. O economista explicou o termo em seu livro A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda como um impulso espontâneo para a ação, em vez da inação. Ele acrescentou que é preciso devolver a certeza ao trabalhador de que terá emprego. “Só isso já ajudaria a voltar a produzir”, disse. 

Delfim ainda destacou que é preciso resgatar a confiança e o “espírito animal do empresariado”: “o grande problema do Brasil não é que o futuro é incerto, é que o passado é incerto”.  

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(Com Agência Estado)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.