Dias sombrios para o contribuinte

Não importa se a Receita Federal vá ou não guardar segredo sobre informações bancárias do contribuinte. Simplesmente não pode o STF permitir a relativização de uma das maiores garantias fundamentais do contribuinte de bem

Equipe InfoMoney

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Colunista convidado: Fernando Zilveti, professor doutor livre-docente pela Faculdade de Direito da USP e consultor da E-Z-Tax

O resultado pífio da arrecadação não provoca mais grande alarde no cidadão, resignado de alguma forma com a crise econômica, volta da inflação, desemprego, perda de grau de investimento e outras mazelas de um país desgovernado por políticos comprometidos apenas em se manter no sistema de poder patrimonialista de cooptação. Sequer as panelas soam com muita convicção quando algum representante do governo vai à televisão anunciar medidas econômicas.

Impressiona, portanto, que o Fisco siga açodando o contribuinte de forma tão implacável, como se não bastassem as más notícias que acima mencionadas. Os agentes de política fiscal estão sempre pensando na melhor forma de arrecadar, sem levar em conta o sufocamento do cidadão em sua capacidade de gerar riqueza. O que mantem o contribuinte vivo é o liberalismo clássico, representado pelo Estado e seus princípios, garantias de limitação ao poder de tributar. O liberalismo brasileiro pragmático é divorciado dos princípios constitucionais mais comezinhos.

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A necessidade de arrecadação tem levado o Estado brasileiro a rever direitos fundamentais do contribuinte. Lembra a história que, quanto maior a avidez do Fisco, maior o risco de perda ou relativização de direitos individuais. A eminente falência do Estado, diga-se de passagem, por má gestão e incompetência no trato das contas públicas, deixou os agentes de política fiscal em desespero. Contam esses tecnocratas agora com um aliado de peso, o Supremo Tribunal Federal.

O STF está julgando legítimo o direito da Receita Federal do Brasil de obter dados bancários do contribuinte sem prévia autorização judicial, num julgamento que promete ser histórico e de igual sorte temerário. A maioria dos ministros seguiu a premissa equivocada de que a RFB deve guardar em sigilo absoluto as informações dos contribuintes. Assim, nessa lógica circular, não estaria, necessariamente, sendo violado o direito constitucional ao sigilo bancário. Ledo engano.

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O sigilo bancário surgiu no mundo como um recurso de proteção contra a perseguição étnica, religiosa, racial, enfim, toda a forma de agressão às chamadas minorias, ou melhor, à diferença. Uma das formas mais cruéis de perseguição foi e continua sendo a expropriação por meio de impostos. O sigilo bancário veio, afinal, para atender ao perseguido, contra o Estado religioso ou laico, que queira avançar sobre o patrimônio do contribuinte a qualquer custo, sob qualquer justificativa. Não se engane que foi o Fisco que perseguiu judeus na Inglaterra, protestantes nos reinos germânicos, muçulmanos nos reinos hispânicos e, em pleno século XX, espoliou judeus na Alemanha nazista.

O sigilo bancário não foi feito para acobertar criminosos. Estes devem ser investigados e, entendendo o juiz assim, determinará a abertura do sigilo bancário para alcançar dados financeiros que possam interessar a investigação e, superado o devido processo legal, punir eventual conduta delituosa. Essa medida deve ser sempre excepcional, jamais uma regra pragmática liberal vira-lata. Não importa se a Receita Federal vá ou não guardar segredo sobre informações bancárias do contribuinte. Simplesmente não pode o STF permitir a relativização de uma das maiores garantias fundamentais do contribuinte de bem, pagador de impostos, cumpridor de leis, para quem o liberalismo de Tocqueville idealizou garantias fundamentais contra o poder de tributar do Estado.