Derrota de Macri (e volta da esquerda) na Argentina é vista como quase irreversível: o que esperar a partir de agora?

Analistas avaliam que pode ser tarde demais para que o atual presidente argentino consiga virar o jogo, enquanto apontam que o provável futuro presidente, Alberto Fernández, pode buscar moderação

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Se em novembro de 2015 os investidores nos mercados emergentes proclamavam o início de uma “nova era” na América Latina com a eleição do liberal Mauricio Macri na Argentina, este último domingo representou um verdadeiro balde de água fria.

A chapa formada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner (Frente de Todos) venceu as primárias com apoio de 47% dos eleitores ante 32% da chapa Mauricio Macri – Miguel Ángel Pichetto (Juntos pela Mudança).

A vantagem, de 15 pontos, seria suficiente para que Fernández e Kirchner sejam eleitos, em primeiro turno, no dia 27 de outubro.  Na votação presidencial, o pleito pode ser definido no primeiro turno se a chapa mais votada tiver 40% dos votos úteis e 10 pontos percentuais a mais que a segunda colocada ou se a chapa obtiver 45% mais um voto.

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As prévias servem para definir os partidos e candidatos habilitados a participar das eleições gerais, mas também dão sinais importantes sobre as condições eleitorais de cada chapa, uma vez os argentinos só podem votar em uma chapa.

Ou seja, elas servem como uma grande pesquisa eleitoral sobre o primeiro turno. 

Após esse resultado, gestores e analistas de mercado veem a situação como irreversível: Alberto Fernández estaria virtualmente eleito, frustrando as expectativas de reeleição de Macri. 

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Com os resultados não agradando nem um pouco os investidores, nesta segunda-feira (12), os preços dos títulos despencam, o índice de bolsa Merval teve queda abrupta de 35%, enquanto o peso chegou a cair 30% na mínima do dia em meio aos sinais de que o ciclo pró-mercado no país está perto do fim.

O cenário que se apontava no ambiente pré-primárias já era complicado para o atual governo. Afinal, a Argentina segue em crise econômica – o FMI espera queda de 1,3% para o PIB este ano -, enquanto a inflação segue a níveis alarmantes. O índice inflacionário teve leve recuo em junho, mas continua alto, a 55,8% no acumulado de 12 meses; a expectativa é de que feche o ano acima de 40%. 

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Porém, a expectativa de grande parte dos agentes de mercado era de que, com as medidas para desaceleração da inflação e a recuperação (ainda que leve) da economia, além da escolha de um peronista moderado como vice, Macri ganhasse as eleições, mesmo que de forma bastante apertada. 

Por isso, a diferença de 15 pontos surpreendeu tanto a situação quanto opositores – além de muitos analistas de mercado e cientistas políticos.  Sondagens feitas anteriormente apontavam uma distância de, no máximo, seis pontos percentuais entre as duas chapas principais.

Explicações para a derrota

De acordo com a equipe de análise da XP Política, a tamanha diferença de 15 pontos percentuais pode ser explicada pelas decisões de última hora dos eleitores indecisos e por uma espécie de voto “envergonhado” no partido de Kirchner. 

Os peronistas obtiveram melhores resultados que em 2015 em distritos importantes como Mendoza, Córdoba, Santa Fé e a capital, onde antes tinham sido derrotados. A Grande Buenos Aires foi fundamental: a Frente de Todos atingiu 50,65% dos votos, enquanto em 2015 teve apenas 29,88% do apoio da população. 

Apelos de Macri: sem efeitos 

Durante coletiva com a imprensa, Macri destacou que teve uma eleição bastante ruim, mas lembrou que, no pleito anterior em que terminou vencedor, havia perdido as prévias e o primeiro turno.

Posteriormente, ele lembrou de alguns dos sucessos do governo, de forma a encorajar os eleitores a ajudá-lo a garantir uma vitória no segundo turno. 

“No entanto, ele não parece ter espaço suficiente para obter o mesmo resultado desta vez, porque perdeu a credibilidade entre o eleitorado e o clima sócio-político mudou”, avalia 

O novo tom adotado pelo governo é de que as primárias indicam simplesmente um resultado preliminar e podem ser reversíveis. Porém, essa narrativa parece ser um pouco difícil de vender, considerando que a equipe atual havia enfatizado a importância delas por semanas.

Assim, aponta a XP, há algumas questões para monitorar. Uma delas é se o “Juntos pela Mudança” tem margem suficiente para reverter os resultados. Para a equipe, parece tarde demais para mudanças em suas políticas e alterações no gabinete terem efeito.

Na mesma linha, Christopher Garman, diretor executivo para Américas da Eurasia, destacou ao InfoMoney que agora há uma chance de cerca de 90% de Macri ser derrotado na eleição. 

Porém, aponta, não avalia que Fernández será necessariamente tão negativo para os mercados quanto Cristina.

“Na América Latina, há vários exemplos na história de candidatos que chegam ao poder com um discurso mais heterodoxo, mas depois acabam sendo mais pró-mercado. Pode acontecer na Argentina”, afirma Garman. 

Daniel Delabio, gestor da Exploritas, que possui uma participação de 8% do fundo em papéis argentinos, avalia o resultado das primárias como um “baque”, mas aponta que pode haver uma recuperação no mercado dado o movimento brusco nesta sessão.

Agora, a expectativa fica pelas sinalizações de Fernández para acalmar o mercado, assim como mais detalhes sobre a equipe econômica caso seja eleito.

Enquanto isso, alguns efeitos já são sentidos na economia: o Banco Central argentino aumentou em 10 pontos percentuais a taxa de juros do país, passando de 64% para 74%, de forma a conter a alta do dólar, que teve um salto de 30% na manhã de hoje. 

Mais cedo, o Goldman Sachs já havia apontado em relatório que a provável deterioração do sentimento e o consequente aperto das condições financeiras nos próximos dias e semanas poderiam representar mais um obstáculo para a ainda frágil recuperação da economia argentina.

“Já do ponto de vista político, as novas pressões de queda do peso podem atrasar e talvez até mesmo reverter o declínio incipiente na inflação dos preços ao consumidor, prejudicando mais a imagem da administração Macri e prejudicando as condições para a reeleição do presidente”, aponta o Goldman. 

Impactos no Brasil

Para o Brasil, a perspectiva de uma fraqueza maior na economia na Argentina é negativa para o mercado nacional, uma vez que a Argentina é um importante parceiro comercial. Os efeitos devem ser sentidos principalmente na indústria brasileira, que ainda caminha a passos lentos rumo a uma recuperação. 

O mercado brasileiro já antecipa essas indicações nesta sessão, com o impacto sendo sentido tanto no dólar, que sobe forte, quanto na forte baixa do Ibovespa.

Os efeitos políticos também estão sendo sentidos com rapidez. Bolsonaro, que manifestou publicamente nos últimos meses o seu apoio a Macri, não escondeu a sua contrariedade com o resultado das primárias. 

Para ele, se a esquerda retomar o poder na Argentina, há um risco de que a população fuja para o Brasil, levando ao Rio Grande do Sul um cenário parecido ao que ocorreu em Roraima por conta da fuga de pessoas da Venezuela.

“Povo gaúcho, se essa esquerdalha voltar aqui na Argentina, nós poderemos ter, sim, no Rio Grande do Sul, um novo estado de Roraima. E não queremos isso: irmãos argentinos fugindo pra cá, tendo em vista o que de ruim parece que deve se concretizar por lá caso essas eleições realizadas ontem se confirmem agora no mês de outubro”, disse Bolsonaro em evento em Pelotas (RS). 

Assim, a eventual eleição da chapa de esquerda pode afastar de maneira bastante importante a Argentina do Brasil, mesmo se Fernández busque moderação. 

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.