De Claro e Petz a consumidores: por que brasileiros estão cada vez mais comprando produtos chineses

Dólar alto e pandemia atrapalharam pouco o interesse dos brasileiros nos itens da China. Dia dos Solteiros por aqui foi melhor do que em 2019

Mariana Fonseca

(Karolina Grabowska/Pexels)

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SÃO PAULO – Não é de hoje que comprar produtos chineses parece, bem, um negócio da China. Mas a competitividade dos itens do país asiático se provou mesmo nestes tempos de pandemia. O Alibaba faturou US$ 75 bilhões no Dia dos Solteiros, o famoso evento de compras chinês que aconteceu no dia 11 de novembro.

É mais um recorde para a gigante chinesa – que apostou inclusive em ações focadas no mercado brasileiro, por meio da marca de varejo AliExpress. Ela foi a pioneira por aqui de um segmento conhecido como comércio eletrônico transfronteiriço, ou e-commerce cross border.

Segundo a terceira edição do Relatório Neotrust, o comércio eletrônico nacional movimentou R$ 75,1 bilhões em 2019, enquanto sites estrangeiros movimentaram R$ 6,1 bilhões em vendas para brasileiros. Significa que as transações online transfronteiriças representaram apenas 8% das feitas em páginas brasileiras. Mas o crescimento ano a ano será potencializado pela pandemia, segundo startups ouvidas pelo InfoMoney que atuam na conexão entre o varejo da China e o do Brasil.

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8 anos de e-commerce chinês no Brasil

O interesse dos brasileiros pelos produtos chineses não é de hoje. Metade dos consumidores aumentou sua frequência de compra em sites internacionais de 2018 para 2019, segundo o Beyond Borders. O estudo do instituto de pesquisa Opinion Box e da fintech brasileira de pagamentos transfronteiriços Ebanx ouviu 3 mil brasileiros que compraram de sites internacionais nos últimos 12 meses.

O Ebanx viu o número de empresas internacionais atendidas crescer 13% entre dezembro de 2018 e dezembro de 2019, para 150. O salto foi ainda maior em 2020, mesmo em tempos de pandemia. O número de merchants cresceu mais de 30%, de 150 para 200, entre janeiro e outubro de 2020.

Jaqueline Bartzen, diretora global de engajamento com merchants no Ebanx, diz que a expansão dos e-commerces chineses começou com a chegada do AliExpress na América Latina, por volta de 2012. “Essa iniciativa trouxe outras marcas para a região. Quantas mais negócios investem por aqui, mais a oportunidade aparece a outros players chineses”, diz Jaqueline.

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Na visão da diretora, a América Latina é conhecida internacionalmente como um celeiro de mercado consumidor, de crescimento e de abertura à inovação. “Quanto mais as condições econômicas parecem positivas, maior o interesse. O Brasil é reconhecido como o maior mercado da região e como uma economia relativamente estável.”

Em 2020, o Brasil também conquistou níveis não previstos de acesso à internet e às compras online. Segundo um relatório do fundo Atlantico, a penetração do e-commerce no varejo saltou cinco pontos porcentuais entre março e maio deste ano, de 7,2% para 12,6%. É um crescimento percentual maior do que o registrado entre 2009 e 2019, de 5,2 pontos percentuais.

“Tivemos uma curva muito acelerada na adoção do comércio eletrônico no Brasil, e a procura por sites chineses cresceu junto. Mas isso veio depois de anos de construção dessas marcas por aqui”, diz Jaqueline.

Segundo dados do próprio Ebanx, esses vendedores viram queda nas compras brasileiras entre março e abril. O consumo foi se recuperando nos meses seguintes e atingiu níveis pré-pandemia em julho deste ano.

“Vimos um começo de pandemia com pessoas inseguras, comprando apenas itens essenciais. Quando elas completaram um mês em casa, passaram a procurar itens de escritório e entretenimento. Por fim, perceberam que não existe uma data definida para o isolamento social terminar e voltaram a consumir normalmente, incluindo eletrônicos e vestuário. Saímos desse período com mais pessoas aprendendo a comprar pela internet”, resume a diretora.

Da mesma forma, os vendedores chineses voltaram depressa a investir em marketing localizado – e de peso. O AliExpress preparou uma ação para o Dia dos Solteiros no reality show A Fazenda. “O consumo de julho em diante estava nivelado com o que vimos no ano passado – até o Dia dos Solteiros. A data foi ainda maior do que em 2019. Esperamos um novembro superior, somando também a Black Friday”, estima Jaqueline.

Empresas latino-americanas de olho na oportunidade

O Ebanx fornece a infraestrutura para que empresas como AliExpress e Wish, os e-commerces chineses preferidos dos brasileiros, tenham soluções locais de pagamentos – como boleto e parcelamentos, característicos do Brasil. A fintech já permitiu o acesso de 50 milhões de consumidores latino-americanos a produtos e serviços globais de mil comércios eletrônicos.

Além de terem a própria interface com formas de pagamento brasileiras, outra maneira de os chineses entrarem no Brasil é por meio da inserção nas plataformas de compra e venda locais de produtos terceirizados (marketplaces). O movimento é especialmente notado entre os comerciantes de menor porte. Essa é a aposta da startup uruguaia nocnoc, que faz a ponte entre vendedores na China e as plataformas latino-americanas de compra a venda de produtos.

“Tínhamos contatos com os sellers chineses e víamos a dificuldade deles em criar relacionamentos na América Latina. É uma região com alto crescimento no comércio eletrônico, mas obstáculos burocráticos. Os fornecedores chineses não têm um CNPJ nacional para fazer cadastro nos marketplaces brasileiros, por exemplo”, diz o cofundador Ilan Bajarlia.

A nocnoc atende centenas de fornecedores americanos e chineses com um esforço próprio de remessas internacionais de pagamentos, despacho de mercadorias, monitoramento das entregas e conexão com transportadoras e marketplaces latino-americanos inclusive para logística reversa.

“O vendedor teria que entender como a plataforma funciona, integrar seu catálogo de ofertas, atender clientes, conhecer novas formas de pagamento e impostos associados, além de realizar operações cambiais frequentemente”, diz Fábio Mori, conselheiro de expansão da nocnoc no Brasil. “Já o marketplace nacional teria de selecionar vendedores, analisar produtos que mais vendem, verificar procedimentos de alfândega e montar operações de logística e de pagamento internacionais”, completa Bajarlia.

A nocnoc atende o mercado nacional desde janeiro deste ano. Algumas empresas brasileiras interessadas nos produtos e atendidas pela nocnoc são Claro (telefonia), Mobly (decoração e móveis) e Zoom & Buscapé (diversos). Em janeiro de 2021, a Petz (produtos para animais de estimação) também começará a vender produtos internacionais em parceria com a startup uruguaia.

Assim como visto no Ebanx, as compras foram aceleradas por conta da pandemia – os brasileiros não puderam viajar, então adquirir esses produtos internacionais online foi o substituto encontrado, diz Bajarlia.

Mori completa que a demanda acima do projetado inclusive trouxe dificuldade para comércios eletrônicos na reposição de estoques e compra de insumos, como papelão, madeira e plástico. “Estamos conversando com as parcerias do próximo ano com esse viés, de resolver a dificuldade de recolocar produtos nas prateleiras. Elas podem apresentar um cardápio de produtos maior do que se importassem, porque só despachamos quando o cliente compra uma unidade”, diz o conselheiro.

O futuro do “negócio da China”

Segundo o Beyond Borders, vendedores chineses precisam cumprir três requisitos para conseguir se posicionar no mercado brasileiro: linguagem, moeda e métodos de pagamento.

Pouco mais da metade (54%) dos consumidores de sites internacionais entrevistados pela fintech não se sentem confortáveis em comprar de um site que não está em português. A mesma porcentagem não usaria o serviço se fosse cobrada em dólares. Os meios mais usados de pagamento são cartão de crédito doméstico, cartão de crédito internacional e boleto bancário. Quatro em cada cinco brasileiros optam por parcelar em compras acima de R$ 200.

Depois de entender o jogo brasileiro, o próximo obstáculo é acertar no preço: 66,7% dos consumidores que passaram a comprar mais em sites internacionais colocaram o valor dos produtos como motivo; 55,8% alegam uma boa experiência em compras anteriores; enquanto 43,8% dizem encontrar itens não disponíveis nacionalmente.

A variação cambial é um obstáculo recorrente para que produtos internacionais cresçam no Brasil. A desvalorização do real em relação ao dólar americano se refletiu também nos preços dos produtos chineses por aqui – mas não o suficiente, na visão da Jaqueline.

“Imaginávamos que o dólar teria um grande impacto nos preços dos e-commerces internacionais, e teve mesmo. Mas os produtos chineses ainda continuam com valores competitivos”, afirma a diretora do Ebanx.

Outros obstáculos são logística e segurança: algumas razões de desistência de compra são a falta de frete gratuito, a incerteza sobre o recebimento de produtos e a falta de confiança na hora de finalizar o pedido

Os primeiros dois pontos estão sendo solucionados, segundo Ebanx e nocnoc. Os dois negócios investem em deixar custos transparentes ao consumidor brasileiro, em monitoramento dos pacotes e em políticas de estorno e reembolso. A fintech brasileira afirma que seu tempo de entrega vai de 16 a 17 dias pelo braço próprio de logística Leve, enquanto a startup uruguaia coloca uma média de 15 a 25 dias.

Já a confiança na compra pode ser reforçada em tempos de novo normal, depois de muitos consumidores terem se acostumado a adquirir produtos por meio da internet. Um comportamento comum, praticado por 68,5% dos entrevistados ouvidos no Beyond Borders, é realizar compras de pequeno valor para experimentar o site internacional.

Jaqueline afirma que a imagem de qualidade questionável dos produtos chineses já teria mudado muito. “Marketplaces que investem em marca já trabalham com outro patamar de qualidade”, diz Jaqueline. Um dos indícios é o aumento no tíquete médio de 2019 para 2020, que passou de US$ 25 para US$ 35. A diretora afirma que o câmbio contribuiu, mas também que a confiança gerou compras de produtos mais caros.

A expectativa é grande para todos os players clientes e marketplaces brasileiros, vendedores chineses e as startups que ligam os elos dessa cadeia. “Temos um bolo maior, o que leva a uma fatia maior para cada um também. Milhões de pessoas que já tinham acesso a serviços financeiros passaram a comprar pela internet, mas outras milhões ganharam só agora a inclusão financeira digital. Isso significa que uma parte ainda maior da população deve aderir ao e-commerce nacional. O passo depois disso será a experimentação das compras no e-commerce chinês. Por fim, sua consolidação como opção recorrente de varejo”, diz a diretora do Ebanx.

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Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.