Crise subprime: episódio inédito na história do mercado financeiro

Economistas do FMI e de Oxford falam à InfoMoney sobre como o risco se espalhou rapidamente nos mercados ao redor do mundo

Equipe InfoMoney

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SÃO PAULO – Independentemente do lado pelo qual se olha, as mudanças na economia global e no mercado financeiro depois da metade do ano passado impressionam. Tanto faz se a visão parte de um proprietário de um imóvel nos EUA ao testemunhar os preços das casas e as parcelas do financiamento da hipoteca, ou de um trader dentro de algum banco de investimento.

“Olhando para trás percebemos que o evento da crise foi um episódio inédito”, afirma Nathaniel Frank, economista da Universidade de Oxford. Em estudo publicado recentemente, Frank e os economistas Heiko Hesse e Brenda Gonzáles-Hermosillo do FMI (Fundo Monetário Internacional), investigaram o modo com o qual a crise espalhou-se rapidamente entre os mercados.

Uma quebra estrutural

Em “Transmission of Liquidity Shocks: Evidence from the 2007 Subprime Crisis”, os economistas argumentam que a inovação e a integração dos mercados financeiros internacionais podem ter ajudado na propagação dos efeitos dos solavancos no mercado imobiliário. “É possível ver evidências de uma quebra estrutural”, aponta Heiko Hesse, ao citar gráfico que mostra o comportamento de ativos financeiros.

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Em teleconferência com a equipe InfoMoney, os pesquisadores falaram mais sobre a crise que a cada dia revela um novo capítulo. Onze bancos nos EUA já foram declarados insolventes e, recentemente, o Tesouro norte-americano interveio nas agências de crédito imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac.

InfoMoney – Podemos interpretar a crise de crédito como uma quebra estrutural?

Nathaniel Frank – Sim. Nós interpretamos a crise como uma quebra estrutural e, dado que primeiro esta era uma hipótese, nós a testamos com outra. Uma alternativa era tratar a crise como um ponto fora da curva [outlier] que retornaria a média em seguida. Ao mesmo tempo testamos a hipótese de quebra estrutural e, estatisticamente, os resultados revelaram uma quebra significativa. Outra razão que nos leva a crer em uma quebra estrutural é o fato de que olhando para trás percebemos que o evento da crise foi um episódio inédito.

Heiko Hesse – Olhando para a figura [veja abaixo] é possível ver evidências de uma quebra estrutural. Os spreads mostram um comportamento relativamente constante desde 2003 até o verão de 2007, quando houve uma enorme elevação.

Um argumento presente no estudo é de que a integração financeira ajudou a espalhar a crise de liquidez do mercado de hipotecas subprime para outros, encerrando como uma crise de solvência. Os reguladores de mercado erraram ao prever as conseqüências da globalização nos mercados financeiros?


Taxa bancária agregada de CDS (Credit Default Swap) e spreads selecionados

Brenda Gonzáles-Hermosillo – O que acredito ter acontecido é que parte do financiamento ao mercado imobiliário norte-americano veio de outras regiões do mundo. Nos últimos meses alguns bancos europeus vêm enfrentando problemas de liquidez para encontrar dólares norte-americanos porque eles puseram parte destes ativos fora do balanço. Além disso, eles não podem correr ao Federal Reserve.

Com isso, os bancos têm utilizado o novo canal de empréstimos firmado entre os bancos centrais. Então, os mercados financeiros tornaram-se muito mais complexos e globalizados e por isso um problema no mercado imobiliário norte-americano tornou-se um problema em outras regiões. Mas podem os reguladores fazer algo? Acredito que já existem alguns esforços, como o FSF (Financial Stability Forum).

Temos tentado reunir reguladores de todo o mundo para debater sobre estes problemas. Porém, acho que ainda estamos em um estágio inicial para prever outra crise como esta. Entretanto, em relação às resoluções, o Fed, BCE (Banco Central Europeu) e o BNS (Banco Nacional da Suíça), por exemplo, já iniciaram um canal em conjunto para facilitar a solução dos problemas de liquidez.

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Hesse – Pelo lado da regulação, se você olhar para o capítulo 3 do GFSR (Global Financial Stability Report) em abril deste ano de fato vemos alguns possíveis passos que podem ser considerados daqui para frente. [clique aqui para acessar]

Um ano depois do estopim da crise, é possível dizer que agora os bancos e outras instituições financeiras conhecem o valor dos seus ativos?

Hesse – É verdade que um ano depois da crise os mercados financeiros globais ainda estão muito frágeis e muitos indicadores de risco sistêmico continuam elevados. É também verdade que a qualidade de crédito de muitas classes de empréstimos se deteriorou.

Os bancos obtiveram sucesso ao levantar capital adicional, mas os balanços seguem sob pressão e as ações do setor tiveram forte queda. Apesar disso, alguns investidores têm enxergado oportunidades em alguns produtos financeiros e têm começado a investir.

Brenda – A crise ainda não encerrou. Há muita incerteza e outros fatores de liquidez refletidos nos altos spreads.

Frank – As baixas contábeis ainda não encerraram. Há consenso entre os analistas do setor bancário de que ainda há mais por vir.

Há evidência de correlação entre os problemas de funding nos EUA e os spreads dos títulos de bancos no Brasil?

Hesse – O estudo está limitado aos EUA, mas também avaliamos outros mercados. No Brasil, a correlação entre os spreads dos títulos de bancos no Brasil e nos EUA aumentou. Da mesma forma, ao olhar para o Brasil e outros mercados emergentes como México e Rússia, há também uma resposta alta entre 0.7 e 0.8. O mesmo pôde ser visto nos mercados de ações.

Para acompanhar o estudo completo acesse o seguinte link: http://www.imf.org/external/pubs/cat/longres.cfm?sk=22238.0.