Construtoras têm ações mais alugadas da B3, mas analistas têm visão positiva para setor: o que explica contradição?

Setor é muito ligado à inflação e à perspectiva de alta dos juros; analistas se dividem quanto à visão futura da macroeconômica brasileira

Vitor Azevedo

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O setor de construção civil brasileiro está, atualmente, em uma situação um pouco dúbia. Desde o início de julho, o índice imobiliário da B3, o IMOB, saltou mais de 20%, mas do outro lado, as ações das construtoras continuam entre as mais vendidas da Bolsa brasileira – ou seja, com número considerável de investidores apostando contra elas.

No período mencionado, as ações ordinárias da MRV (MRVE3) acumulam alta de mais de 46% e as da Cyrela (CYRE3), mais de 34%. Os papéis da Tenda (TEND3) foram além e avançaram 79%.

Ao mesmo tempo, porém, de acordo com o XP Short Scout, as três figuram entre as dez ações mais vendidas a descoberto da bolsa brasileira, com shorts interest (posição de contratos em aberto em relação às ações em circulação no mercado) em 16,1%, 15,5% e 13,3%, na mesma sequência.

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“O que vemos como explicação para esse short interest mais alto é que o setor de construção civil é bastante ligado ao cenário macro – tanto à taxa de juros quanto à inflação”, abre Ruan Argenton, analista da XP Investimentos. “Essa quantidade de posições vendidas nas empresas de real state, no geral, é por conta de uma característica do cenário interno”.

Nos últimos meses, contudo, a inflação no Brasil deu uma folga. Em julho, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) recuou 0,68% e em agosto, 0,36%. O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC-M) teve uma alta de 1,16% no sétimo mês do ano, mas desacelerou para 0,33% no oitavo.

O recuo dos preços, ou ao menos a desaceleração da alta, tira pressão das margens de lucratividade das companhias do setor de construção civil.

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Ao mesmo tempo, com menores índices de inflação, a curva de juros brasileira começou a arrefecer, com parte do mercado enxergando que o Banco Central brasileiro não precisará ser tão severo para controlar os preços. No primeiro dia de julho, o DI para 2031, por exemplo, era negociado a uma taxa de 12,82%, ante 11,48% no fechamento de ontem.

Considerando que fatia relevante das pessoas recorrem aos financiamentos para comprar imóveis, essa queda dos juros também tende a beneficiar as construtoras.

“Construção civil é o ‘mais vendido’ não de agora. O setor é impactado tanto pelo aumento de juros, com as pessoas comprando menos imóveis, mas também pela alta das commodities, que comprime margens. As construtoras planejam vender imóveis a um preço mas, com a alta das commodities, elas veem esses preços compensando menos”, complementa Gabriel Maksoud, CEO da DOM Investimentos.

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A questão, porém, é que fração relevante do mercado ainda tem dúvidas de como será o futuro do cenário macro brasileiro.

“Nós não estamos animados com o setor de construção civil porque as taxas de juros ainda estão muito altas e porque estamos vendo a formação de estoque das construtoras. Há um excesso de lançamentos, sobretudo na cidade de São Paulo”, pontua Flávio Conde, analista da Levante.

O Credit Suisse, em relatório, destaca que o número mais baixo de lançamentos e vendas mais fortes, até então, não foram um alívio para os estoques.

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“Os lançamentos em julho diminuíram 35% no ano, para 4,5 mil unidades (queda de 51% no mês), principalmente devido ao encolhimento do segmento de baixa renda, de 45% na mesma base. No entanto, os números no acumulado do ano ainda estão 7% acima do mesmo período de 2021”, dizem os analistas Pedro Hajnal e Vanessa Quiroga. “As vendas aumentaram 11% no ano, para seis mil unidades. Consequentemente, o estoque da cidade voltou a 64 mil unidades, após atingir a marca recorde de 65 mil unidades em junho, levando a duração do estoque para 11 meses”.

Apesar da recente queda da curva de juros, há quem duvide que a tendência continuará. O próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na semana passada, falou que uma queda de juros não é “pensada no momento” – no dia, as ações das construtoras fecharam em forte queda.

“O fato de termos grandes posições vendidas em construtoras na bolsa retrata uma ancoragem, em que grande parte dos institucionais ainda consideram a possibilidade de que os recentes incentivos liberados pelo governo, bem como o cenário inflacionário externo, possam levar a um novo ciclo de inflação local, que obrigaria o Banco Central Brasileiro a fazer uma manutenção maior da taxa de juros por aqui”, acrescenta Sidney Lima, analista da Top Gain.

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Os otimistas com as construtoras

Apesar do nível de investidores vendidos em construtoras, o Itaú BBA, em relatório divulgado no primeiro dia dessa semana, no entanto, afirma que vê espaço para mais altas para as ações do setor – principalmente para as de baixa renda.

“As construtoras de baixa renda subiram 50% desde que iniciamos nossa cobertura, no início de julho, contra 15% do Ibovespa. Mantemos nossa visão otimista apesar do rali, com base em nossa expectativa de forte impulso de ganhos”, disse a equipe liderada pelo analista Daniel Gasparete.

Para o BBA, as companhias devem ser beneficiadas por uma concorrência mais suave, com os nomes listados em Bolsa dobrando sua participação de mercado em algumas cidades. “Além disso, o custo dos produtos vendidos está em queda, com os preços de muitos materiais em uma tendência de baixa e espaço para melhoras margens, à medida que os orçamentos incorporaram as altas da inflação”, explicam.

O destaque final, e talvez o mais importante, para o banco, são as mudanças no Casa Verde Amarela (CVA) – que fazem boa parte dos especialistas estarem mais otimistas com as construtoras voltadas ao setor de baixa renda.

Apenas em agosto, segundo a presidente da Caixa Econômica Federal, Daniella Marques, as contratações do programa habitacional cresceram 45,6% na base anual, para R$ 7,2 bilhões.

Em julho, o Governo Federal anunciou o prolongamento do prazo de financiamento do CVA de 30 para 35 anos, revisou o valor dos subsídios e aumentou a renda máxima para os grupos contemplados pelo programa. Além disso, permitiu também que o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) seja considerado como parte da renda dos contratantes dos financiamentos.

“As mudanças no CVA mudaram o alcance do programa. Houve aumento dos subsídios, diminuição da taxa de juros, aumento do período de financiamento. Tudo isso resultou em parcelas menores, o que é muito importante, bem como o valor máximo que o consumidor pode financiar”, diz Ruan Argenton. “Isso é importante para os consumidores, mas também para as empresas, que ganham intervalos maiores para repassarem os preços”.

O JPMorgan tem opinião parecida.

“Nossa preferência por baixa renda é motivada pelas melhorias recentes no programa CVA, que auxiliam na recomposição de margens. Além disso, há uma resiliência da demanda, com um déficit habitacional de mais de 7 milhões de unidades”, destaca a equipe de analistas, liderada por Marcelo Motta. “A eleição presidencial, por fim, não deve impactar o sentimento do setor, já que os principais candidatos apoiam o programa CVA”.

As empresas de alta renda têm menor demanda, com menor déficit habitacional, e, além disso, estão mais expostas a uma possível alta dos juros – uma vez que essas classes não têm acesso a subsídios.

O Itaú BBA tem a MRV como sua top pick no setor, com recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado, equivalente à compra) e preço-alvo em R$ 15 (upside de 21,3% frente ao fechamento desta terça), mas também tem a mesma visão para os papéis da Cury, com alvo também em R$ 15 (upside de 51%), para a Direcional, com alvo em R$ 20 (36,2%), e para a Plano & Plano, com alvo em R$ 5 (56,2%).

A XP, por sua vez, tem a Direcional e a Cury com top picks, com preços-alvos em, respectivamente, R$ 17 (upside de 14,68%)  e R$ 13 (30,9%).

O JPMorgan tem recomendação overweight (exposição acima da média do mercado) para as ações da Cyrela, Direcional e MRV, com alvos em R$ 21 (29,2%) R$ 18 (22,6%) e R$ 15 (21,7%).

O Credit Suisse tem a MRV como top pick do setor, mantendo visão positiva para o segmento de baixa renda após os ajustes no CVA. Já para os outros segmentos, embora a inflação tenha diminuído, ainda vê contratempos nos catalisadores restantes para média e alta renda, esperando que uma alta continue apenas caso a tendência de queda nas taxas de longo prazo se materialize.

Confira a tabela de recomendações das construtoras, segundo a Refinitiv:

Ação Recomendações Preço-alvo médio
MRVE3 10 compra, 1 venda R$ 16,64
CYRE3 10 compra, 2 venda R$ 22,85
TEND3 3 compra, 7 neutra, 2 venda R$ 13,01
DIRR3 9 compra, 4 venda R$ 16,4
CURY3 7 compra R$ 12,77
PLPL3 6 compra R$ 7,05

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