Como uma mudança de regra causou inúmeros erros nas projeções de analistas no 1º tri

Temporada de resultados contou com uma novidade na forma de contabilizar arrendamentos

Ricardo Bomfim

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SÃO PAULO – Quem acompanhou a sequência de resultados do primeiro trimestre deste ano deve ter percebido que as projeções dos analistas, principalmente para Ebitda e endividamento das empresas, passou bem longe da realidade. Antes de apontar o dedo e criticar aquele relatório que errou feio, o investidor deve se lembrar de que esta temporada de balanços foi bem diferente do padrão em razão de uma mudança na norma contábil. 

A mudança é a entrada em vigor do IFRS 16, que apareceu até no resultado da Petrobras (PETR3; PETR4) como motivo para aumento na depreciação e nas despesas financeiras da companhia.

O International Accounting Standards Board (IASB), que tem como função desenvolver um conjunto único de normas de contabilidade globalmente, editou o IFRS 16 em 2018 para alterar a forma como o arrendamento aparece no Balanço Patrimonial e nas Demonstrações do Resultado do Exercício (DRE) das empresas. A mudança começou a valer no primeiro trimestre de 2019.

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Pela nova regra, o arrendatário, que é quem paga para utilizar algum bem de outra parte – como as companhias aéreas fazem com aviões – deve reconhecer como ativo imobilizado o bem que arrendou. A novidade é que isso começou a valer também para os ativos adquiridos por leasing financeiro.

Como a primeira lição que aprendemos em contabilidade é que o ativo deve ser sempre igual ao passivo mais o patrimônio líquido, esse acréscimo no ativo imobilizado deve aparecer do outro lado também. E ele dá as caras justamente na conta de financiamentos, aumentando o endividamento das companhias que tiveram de se adaptar. 

Jerônimo Antunes, ex-presidente do Comitê de Auditoria da Petrobras e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), lembra que, antes do IFRS 16, apenas os ativos arrendados na modalidade leasing operacional eram registrados no imobilizado e em financiamentos. 

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“No caso da Petrobras e de diversas outras empresas, a adoção do IFRS 16 elevou os montantes registrados no ativo imobilizado e, em contrapartida, reconheceu novas obrigações financeiras. Por tal razão, as empresas ressaltam os valores das dívidas com e sem os efeitos do IFRS 16”, destaca o especialista. 

Ramon Jubels, porta-voz da empresa de auditoria KPMG, ressalta que o setor de óleo e gás usa muito o arrendamento para plataformas, estaleiros e outros ativos, então o IFRS aumentou muito tanto os ativos quanto os passivos das companhias do setor.

Jubels defende a alteração. “É uma norma importante. Ela começou muitos anos atrás por causa da crise financeira, quando um auditor percebeu que não fazia sentido viajar em um avião da British Airways que não está no balanço de ninguém”, comenta.  

Ajustes no resultado

Fora o balanço, a DRE é afetada principalmente no Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações, na sigla em inglês), e é aí que o leitor talvez tenha tido raiva do analista. O indicador, que é praticamente uma forma de demonstrar a geração de caixa da empresa dentro da DRE, é talvez a linha mais observada pelos investidores, e na maioria das empresas apareceu bem maior que o estimado. 

Antunes explica que isso ocorre porque as despesas mensais de locação dos arrendamentos sumiram da demonstração. “Como o Ebitda é o lucro antes das despesas financeiras e das despesas de depreciações e amortizações, os aumentos desses dois tipos de despesas a partir da adoção do IFRS 16 não teve impacto”, afirma o professor da FEA. 

Dois exemplos que ilustram esse ponto no mesmo setor são Azul (AZUL4) e Gol (GOLL4). Para a primeira, a mediana das expectativas dos analistas consultados pela Bloomberg era de um Ebitda de R$ 384,2 milhões, contra R$ 724,2 milhões realizados. Já no caso da segunda, o consenso indicava Ebitda de R$ 698 milhões e a companhia teve R$ 951,8 milhões. 

Betina Roxo, analista da XP Investimentos, explica que as equipes de análise das corretoras não tinham à disposição os dados dos arrendamentos para poder prever o impacto do IFRS nos resultados. “Para os próximos trimestres, as empresas terão que ajustar os resultados antigos de acordo com a nova norma para poder fazer comparações”, argumenta. 

Para quem está preocupado só de pensar em ter que fazer todas essas ponderações na hora de analisar um resultado, Betina dá um alento: com o ajuste realizado pelas empresas, tudo já estará afinado na próxima temporada de resultados e as projeções provavelmente chegarão mais perto do alvo.

Portanto, a partir do próximo trimestre, se o Ebitda da companhia for bem maior que o esperado, as chances de ser mérito da empresa, e não uma simples mudança contábil, são bem maiores. 

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Ricardo Bomfim

Repórter do InfoMoney, faz a cobertura do mercado de ações nacional e internacional, economia e investimentos.