Como a “Onda Azul” no Senado dos EUA reforçou ainda mais o movimento de rotação de ações na Bolsa brasileira

Nos últimos 2 pregões, ações de commodities têm ganhos expressivos, enquanto papéis de varejistas ligadas ao e-commerce registram um fraco desempenho

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Olhando as perspectivas para o Ibovespa em 2021 e os setores preferidos para o ano que se inicia, grande parte dos estrategistas de mercado destacou que o ano seria de continuidade do movimento de ações registrado no fim de 2020.

Ou seja, de rotação das ações de crescimento (que se beneficiaram do cenário de pandemia, como aquelas mais expostas à tecnologia) para as de setores mais tradicionais e de valor, notoriamente commodities e instituições financeiras, em meio aos sinais de recuperação econômica global e demanda forte da China por matéria-prima. Isso beneficiaria especialmente os emergentes, caso do Brasil, que possui boa parte do mercado acionário exposta a esses setores.

Se a perspectiva já era mais positiva para esses setores, os acontecimentos dos últimos dias intensificaram ainda mais esse movimento.

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Na véspera, enquanto o Ibovespa fechou em leve queda de 0,23%, os ativos das ações de varejistas expostas ao e-commerce, como B2W (BTOW3, R$ 68,41, -6,93%) e sua controladora Lojas Americanas (LAME4, R$ 23,50, -5,74%), além do Magazine Luiza (MGLU3, R$ 23,44, -5,33%) e Via Varejo (VVAR3, R$ 15,5, -4,38%) registraram quedas expressivas.

Por outro lado, Itaú (ITUB4, R$ 31,55, +2,77%), Bradesco (BBDC4, R$ 27,07, +3,12%), Santander Brasil (SANB11, R$ 44,66, +2,48%) e Banco do Brasil (BBAS3, R$ 37,99, +2,12%) viram suas ações subirem mais de 2%, enquanto Vale (VALE3, R$ 95,61, +2,81%), a holding Bradespar (BRAP4, R$ 70,54, +4,04%) e siderúrgicas como CSN (CSNA3, R$ 36,20, +4,05%), Gerdau (GGBR4, R$ 27,99, +4,95%) e Usiminas (USIM5, R$ 15,72, +4,11%) foram os destaques de alta do índice na última quinta.

A alta foi ainda mais intensificada na sessão desta quinta-feira, com o Ibovespa indo para novos recordes acima dos 121 mil pontos. Mais uma vez, siderúrgicas saltam entre 4% e 6%, bancos subiam cerca de 3% enquanto que, em um dia de queda de ações mais defensivas em meio ao maior apetite ao risco do mercado, Magalu, B2W e Via Varejo operavam perto da estabilidade. No acumulado dessa semana, a primeira do ano, CSN e Gerdau são destaque com alta de cerca de 20%, enquanto Usiminas e Vale sobem entre 11% e 12%. Bancos têm alta mais modesta, mas avançam, enquanto LAME4 cai mais de 10%, B2W cai 7% e Magalu tem baixa de cerca de 6%.

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Entre os motivos para esse movimento, está a tão esperada conclusão da eleição do Senado no estado americano da Georgia, que ocorreu na terça e teve a sua apuração na quarta, trazendo algumas novidades, como a eleição dos dois candidatos democratas, o que era visto como bastante difícil de acontecer meses atrás.

Uma das vitórias foi a de Raphael Warnock, pastor batista e primeiro senador afro-americano a ser eleito por um estado do Sul. Outra é a vitória de Jon Ossoff, que concorria com David Perdue, republicano histórico e apoiador incondicional de Trump.

O resultado impacta a estrutura do futuro governo do democrata Joe Biden, que assume o poder no próximo dia 20. Isso porque até a eleição, os democratas tinham a maioria da Câmara do Representantes (similar à Câmara dos Deputados no Brasil), enquanto o Senado era comandado pelos republicanos. Essa divisão entre as Casas é importante porque traz ponderação para o governo, já que um presidente não terá facilidade de passar qualquer projeto que quiser.

O Senado atualmente é dividido em 50 cadeiras para os republicanos, 46 para os democratas, dois independentes (que costumam votar com os democratas) e duas cadeiras vagas a serem definidas pelo segundo turno da Geórgia.

Com os democratas vencendo as duas cadeiras em disputa, empatam com os republicanos no controle do Senado. Nos EUA, porém, quem decide as votações na Casa em casos de empate é o vice-presidente, que agora será Kamala Harris, deixando os democratas com o poder de decisão.

Havia um temor entre os investidores de que um Senado controlado pelos democratas poderia levar a impostos corporativos mais altos e regulamentações mais rígidas sobre as empresas. No entanto, esse resultado também poderia facilitar a aprovação de estímulos fiscais adicionais, que impulsionariam as empresas mais afetadas pela pandemia do coronavírus.

Na véspera, vale ressaltar o S&P 500 e o Dow Jones fecharam em altas respectivas de 0,57% e 1,44%, mas o Nasdaq, com muitas ações de empresas de tecnologia, fechou em baixa de 0,61%. Num primeiro momento, na manhã da última quarta-feira, os contratos futuros do Nasdaq chegaram a cair 2%. Esse movimento se justificaria pelo temor de aumentos de impostos corporativos em especial para as empresas de tecnologia, além de maior regulamentação.

Conforme lembra a Levante Ideias de Investimentos, em 2016, a campanha de Donald Trump foi bastante beneficiada pelo uso das redes sociais e de ferramentas tecnológicas para influenciar a decisão dos eleitores. Por isso, está no radar do mercado expectativas de um endurecimento da legislação e até da possibilidade de o governo americano atuar para quebrar os monopólios do setor, algo mais fácil de ser aprovado com o comando democrata nas duas casas do Parlamento.

“Já o cenário para as commodities promete ser mais positivo. Um dos pilares da política de Trump foi a redução do governo. Os democratas devem ir na direção contrária. Biden e seus assessores já vêm falando de amplos pacotes para reconstruir a infraestrutura americana, que há tempos vem dando sinais de fadiga. Além da modernização de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos melhorar o ambiente de negócios, realizar obras públicas é uma ferramenta econômica clássica para aumentar o emprego e a renda”, aponta a equipe de análise.

Como essas decisões são mais fáceis de ser aprovadas no Senado, avaliam os analistas, é bastante provável que os Estados Unidos passem a consumir mais aço, o que eleva as cotações do minério de ferro, um dos principais produtos da pauta exportadora brasileira. Assim, apesar de, a princípio, uma vitória democrata poder ser considerada um evento ruim para o mercado devido à postura menos “pró-negócios” da atual oposição americana, o controle democrata no Senado poderá ser benéfico para as ações do setor, devido à expectativa de aumento dos gastos públicos com as obras de infraestrutura nos Estados Unidos.

Por outro lado, a Levante ressalta que a pauta de tributos, que poderia afetar as empresas, não é prioridade nem mesmo para o governo Biden neste primeiro ano, preocupado ainda com os efeitos econômicos da pandemia de Covid-19.

Previsões de bolsa em alta

Nesta quinta-feira, aliás, o Credit Suisse elevou a sua perspectiva para o S&P 500 para 2021 de 4.050 pontos para 4.200 pontos destacando que os democratas assumindo o controle do Senado abrem caminho para Biden implementar seu
agenda de forma mais ampla, o que deve resultar em estímulos adicionais.

Além disso, os estrategistas do banco, liderados por Jonathan Golub, destacaram também não preverem políticas mais progressivas sobre impostos ou regulamentações que possam atrapalhar os setores de tecnologia, saúde, finanças, energia ou o mercado mais amplamente.

Antes mesmo da declaração de vitória dos dois candidatos democratas, a XP Política ainda ressaltou que, apesar do controle democrata no Senado aumentar a chance de aprovação de projetos do partido, a margem estreita dificulta o avanço de projetos polêmicos, uma vez que senadores do partido eleitos em estados historicamente conservadores dificilmente abraçarão mudanças radicais.

Assim, o que deve predominar é a visão de maiores estímulos na economia, o que inclusive tem impulsionado um forte pregão também para o Nasdaq, que avança mais de 2% nesta quinta-feira após a baixa da véspera. Já em meio à expectativa reforçada por mais estímulos, os juros futuros no mercado brasileiro tiveram alta na véspera (de seis pontos-base para janeiro de 2022 e de 15 pontos-base para janeiro de 2023), em um movimento que segue nesta quinta-feira. O movimento foi alinhado à alta dos juros dos Treasuries de 10 anos nos EUA, que avançaram acima de 1% pela primeira vez desde março.

Porém, além desse fator, vale ressaltar que há um outro que impulsiona a taxa de juros: a preocupação com a sustentabilidade da política fiscal no longo prazo, aponta o Bradesco BBI. E isso também pode impactar as ações do setor bancário.

“Combinados, esses fatores podem fornecer aos bancos algum suporte extra de curto prazo para suas ações. As ações mais expostas ao crescimento econômico estão ganhando impulso e os bancos estão entre eles. As indicações de que as taxas devam subir em algum momento também devem fornecer suporte para as margens dos bancos no futuro. Como resultado, o impulso já favorável que se acumulou em torno das ações dos bancos parece estar ganhando um extra com os desenvolvimentos políticos mais recentes”, reforçam, o que também impacta os papéis do setor por aqui.

Assim, o movimento do mercado reforça a percepção de que as condições econômicas globais estão se estabilizando, à medida que os governos devem passar de estímulos monetários emergenciais para maiores gastos, visão essa reforçada com a vitória democrata na Georgia, além das boas notícias com o desenvolvimento de vacinas.

Desta forma, apesar de não ser o único fator, a chamada “Onda Azul” acabou por reforçar o movimento de rotação de ações – aumentando as perspectivas principalmente para o setor de commodities e impulsionando as ações por aqui.

Enquanto isso, para os papéis das companhias de e-commerce no Brasil, mesmo com alguns analistas ainda verem algum impulso com a retomada da economia, outros papéis passam a ganhar maior atratividade. O Magazine Luiza é um caso emblemático uma vez que, após subir mais de 100% em 2020, muitos ponderam que a ação está cara e sem tantos gatilhos de curto prazo.

Por outro lado, há quem ainda esteja otimista com a ação, como é o caso do BB Investimentos, que colocou a ação na sua seleção de investimentos para 2021, com recomendação de compra e preço-alvo de R$ 34,70, em razão do desenvolvimento bem sucedido de seu ecossistema varejista, composto por uma forte estrutura logística e em elevados investimentos tecnológicos, além do amplo sortimento. Veja mais sobre as perspectivas para o Magalu e outras ações clicando aqui.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.