Como a crise em Hong Kong pode mudar a relação entre a China e o mundo

Os acontecimentos recentes em Hong Kong trazem a lembrança do massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989 - e suas consequências

Equipe InfoMoney

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Os temores que pairam sobre o futuro de Hong Kong há 22 anos, quando o território foi devolvido ao controle chinês depois de 156 anos de colonização britânica, nunca viveram um momento tão agudo.

O princípio de “um país, dois sistemas”, que estabelece o convívio harmônico dos sistemas capitalista e comunista numa única China, está sendo duramente testado pelos distúrbios em Hong Kong. O desenrolar da crise pode ter consequências duradouras para a economia e o jogo de forças geopolítico mundiais.

Os reflexos da onda de protestos que mobiliza milhões de habitantes de Hong Kong, uma das regiões mais densamente populadas do planeta, já são sentidos no mundo inteiro. A autoridade do presidente chinês, Xi Jinping, está sendo desafiada pelos manifestantes, e a determinação de não demonstrar fraqueza dentro de casa só complica a guerra comercial com os Estados Unidos.

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Na sexta-feira, a China anunciou mais tarifas sobre 75 bilhões de importados americanos. Donald Trump respondeu, para variar, pelo Twitter. “Não precisamos da China e, francamente, estaríamos muito melhor sem eles”, escreveu o presidente americano. “Nossas incríveis empresas americanas estão pelo presente ordenadas a imediatamente procurar alternativas para a China, inclusive trazendo suas empresas de volta PARA CASA.”

A reação do mercado foi imediata. O índice Dow Jones caiu mais de 600 pontos, depois de dias de relativa calma diante das incertezas em relação à disputa entre as duas superpotências. O índice Cboe de volatilidade das ações aumentou 19%.

Após o fechamento do mercado, Trump, confirmou o que disse mais cedo e anunciou que elevará de 25% para 30% as tarifas sobre US$ 250 bilhões em produtos chineses a partir de 1º de outubro. O presidente ainda afirmou que os US$ 300 bilhões em mercadorias que seriam taxados em 1º de setembro em 10% agora serão tarifados em 15%.

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Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, o banco central americano, afirmou mais uma vez em discurso na sexta-feira que vai continuar empenhado em “sustentar a expansão” da economia americana.

Mas Powell disse que a guerra comercial e outros fatores são obstáculos importantes e que “não existem precedentes recentes para guiar uma resposta à situação atual”. Depois do pronunciamento de Powell, Trump voltou ao ataque no Twitter, desta vez contra o presidente do Fed. “Como sempre, o Fed não fez NADA! Minha única pergunta é: quem é nosso maior inimigo, Jay Powel ou o presidente Xi?”

A economista Carmen Reinhart, da Universidade Harvard, afirmou numa entrevista à Bloomberg Television que a economia mundial pode sofrer um choque que faça “um estrondo ou um sussurro”. “Um choque que me preocupa muito é crise em Hong Kong”, afirmou Reinhart, que se especializa em finanças internacionais.

A crise de Hong Kong tem o potencial de causar um estrondo enorme, apesar de inicialmente não terem nada a ver com as engrenagens da economia mundial.

Os manifestantes começaram a ir para as ruas no final de março para protestar contra um projeto de lei do governo local que permitiria a extradição de presos para a China. O temor era que, na prática, cidadãos e visitantes do território estariam à mercê do sistema judicial chinês – que é essencialmente controlado pelo Partido Comunista.

Apesar de a executiva-chefe do território, Carrie Lam, ter anunciado em meados de junho que o projeto de lei estava suspenso, as manifestações foram crescendo de tamanho, escopo e violência, de ambos os lados.

No dia seguinte ao anúncio de Lam, 2 milhões de pessoas foram para as ruas de um território que conta com 7,4 milhões de habitantes. Em julho e agosto, os protestos e a reação policial recrudesceram, e há uma semana os manifestantes forçaram o fechamento do aeroporto de Hong Kong.

O movimento cada vez mais diz respeito aos direitos dos cidadãos de Hong Kong e à solidez do modelo “um país, dois sistemas” – que inclui um judiciário local independente e o direito de protestar livremente.

O governo chinês vem gradualmente minando as liberdades civis dos hong-kongueses, por meio do controle do governo local e de medidas de monitoramento usando tecnologia digital.

Por enquanto, as autoridades chinesas estão apenas observando o desenrolar da crise. Mas o Exército de Libertação Popular concentrou tropas na fronteira com Hong Kong e divulgou vídeos de soldados realizando treinamentos contra inimigos vestidos de preto e portando capacetes – o figurino dos manifestantes hong-kongueses.

A ideia de uma invasão militar chinesa traz a lembrança do massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, quando o governo chinês decidiu que não toleraria mais os protestos pró-democracia em sua capital.

Se tanques invadirem Hong Kong, um dos principais centros financeiros do mundo, os resultados podem ser imprevisíveis. “Mais cedo ou mais tarde, o resto do mundo terá de fazer o mesmo que os manifestantes – confrontar Pequim”, escreveu o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, num artigo publicado pelo The Wall Street Journal.

“Podemos estar assistindo o desenrolar de uma tragédia diante de nossos olhos”, afirmou o economista Stephen Roach, ex-chefe do Morgan Stanley na Ásia. “A esperança é que as cabeças se esfriem, mas o que vai acontecer ainda não está claro.”

Os paralelos com os protestos de 30 anos atrás, apesar de inevitáveis, devem ser considerados com cautela. Os estudantes que tomaram a Praça da Paz Celestial estavam literalmente na porta do Partido Comunista, pedindo democracia.

A insurgência em Hong Kong, apesar de embaraçosa para liderança chinesa, é de outra ordem de grandeza. Os controles sobre a entrada de capital e a operação de empresas estrangeiras ainda existem, mas Pequim não tem tanta dependência econômica de Hong Kong, no passado a porta de entrada do resto do mundo para a China.

De qualquer maneira, as incertezas vão continuar chacoalhando os mercados pelo futuro próximo. Hong Kong rapidamente está subindo para o topo da longa lista de preocupações na cabeça dos investidores – os tropeços da Boeing, o drama do Brexit e a desaceleração da economia americana, só para ficar nos mais importantes.

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