Colunista InfoMoney:”Dinheiro Social”, uma pândega que se perpetuou no mercado financeiro

Trata-se de época que deveria ficar distante da memória e servir apenas de historia do mercado financeiro brasileiro

Waldir Kiel

A crise financeira que assolou o mundo em 2008 e os mais recentes problemas por que passam algumas nações na região do Euro me fizeram relembrar e refletir, mais uma vez, sobre uma modalidade de atuação do Banco Central do Brasil no final dos anos 80 e início dos 90, o chamado “dinheiro social”.

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Depois da moratória na dívida externa do Brasil em 1987, o Governo passou a encontrar algumas dificuldades em colocar títulos públicos federais no mercado interno. Assim, o Banco Central, para incentivar a compra dos títulos e o carregamento dos mesmos, criou uma modalidade de atuação que o mercado rapidamente apelidou de “dinheiro social”.

A atuação era feita exclusivamente por bancos que representavam o Banco Central operacionalmente no mercado monetário ou mercado aberto (open-market), os Bancos Dealers. A mesa Demab (Diretoria de Mercado Aberto) elegia em média dois ou três bancos por dia e disponibilizava certa quantia para que cada um deles distribuísse no mercado através de operações de um dia (overnight) a taxas mais baixas, em torno de 2%, das que o mercado estava praticando.

Por exemplo: a média estimada para a taxa over no dia estava em 16% em determinado momento, já que à época as taxas flutuavam, o BC entrava doando dinheiro a 14% para incentivar os compradores dos títulos.

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Esta atuação distorcida, além de pouco colaborar, dentro de todo o contexto econômico e de colocação ou não de títulos, causou muito desconforto na época, pois, com exceção de um ou outro banco dealer (um deles o mesmo que sugeriu o termo Aviso em Dois ao BC, banco esse que atuava de forma a distribuir equitativamente o lote para os demais participantes do mercado e em forma de rodízio), os outros em sua grande maioria concentravam o volume em um ou dois participantes “privilegiados”. O Banco Central, ao perceber essa distorção, com louvor, passou a fiscalizar rigorosamente a distribuição do “dinheiro social” de maneira a não permitir a chamada concentração.

“Para que Brasil de fato evolua
é preciso educação financeira “

É bom frisar que, mesmo com algumas distorções, existia nesta época muito mais o verdadeiro mercado, menos concentrações de recursos e uma competitividade mais justa e transparente que nos dias de hoje. A dívida pública tinha maior liquidez e,, com isso o custo marginal de emissão era muito mais barato para o orçamento da união.

O tal do “dinheiro social” marcou época que deveria ficar cada vez mais distante da memória daqueles que a viveram e servir apenas de história do mercado financeiro brasileiro. No entanto, quando se puxa pela memória, acaba-se relembrando que, em outros períodos desta história, ele vai se repetindo, de forma e em contextos diferentes, mas sempre com o tal cunho social. As recentes crises nos mostraram de forma bem clara como esse tipo de intervenção é realizado pelos governos, em todo o mundo, para socorrer os mercados e não prejudicar a economia real, em todo o mundo.

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O custo destas intervenções sempre acaba sendo repassado para toda a população em seus respectivos países, gerando protestos da maior parte da sociedade. Basta vermos as manifestações de inconformismos com os chamados “apertos fiscais” na Zona do Euro. Isso trará conseqüências graves para futuras intervenções que, de certo, acontecerão, já que o menino mal criado mercado fez travessuras e, ao invés de levar umas boas palmadas, levou tapas nas nádegas que só serviram para tirar poeira.

Trazendo a reflexão somente para o Brasil de hoje, senão este texto daria um livro completo, além das sabidas atuações do Governo, através de seus bancos oficiais, para que o Brasil pudesse sair rapidamente dos efeitos da crise internacional e retomar o crescimento vigoroso que hoje vemos na economia brasileira, existe outro “dinheiro social” que, de longa data, com a complacência do Banco Central, vem transferindo dinheiro dos demais setores da sociedade para o setor financeiro: o CDI.

Muitos aplicam neste referencial de taxa de rendimento, mas poucos sabem exatamente como ele é calculado e o que significa. O CDI, por se tratar de uma emissão privada, deveria render muito mais que a taxa Selic, já que deveria representar o custo de captação deste setor que, em momentos de crise, é socorrido pelo setor público. A Selic representa o risco soberano, risco país que na prática tem demonstrado ser muito menor, estando seu rendimento atual próximo de 97/99% da Selic.

A explicação é simples: justamente por ser referência de avaliação das aplicações financeiras, e assim, a taxa representativa na captação de recursos dos bancos e dos fundos de investimentos, é natural que os agentes trabalhem para que ela fique mais baixa que a Selic. Natural, mas imoral, uma excrescência econômica que transfere sem riscos uma fortuna dos aplicadores comuns para os captadores de recursos do mercado financeiro.

Nesta quarta-feira (09), a taxa básica de juros passou de 9,75% ao ano para 10,25%. O CDI, que vinha sendo praticado por volta de 9,50% (pasmem os leitores), ontem sua média foi despudoradamente de 9,40%, mesmo o CDI sendo a Selic do dia posterior, que deveria ser próxima de 10,25%.

Aos cidadãos poupadores comuns, tirando o Tesouro Direto, onde se encontram títulos de diversas modalidades e prazos com taxas praticadas nos mercados de altos valores, restam o risco do mercado de ações e um monte de conhecidas ‘tranqueiras’ oferecidas pelos consultores de investimentos: CDB, RDB, Títulos de Capitalização, Planos de Aposentadorias e etc., todos vinculados à taxa social do CDI. Senão, por quais razões lhe oferecem taxas pré-fixadas para emprestar dinheiro e CDI/Social para lhe emprestar?

Para que o Brasil de fato evolua e acabe com essas distorções, é necessário que as pessoas tenham de fato uma verdadeira Educação Financeira que esclareça, de forma clara e transparente, como funcionam, o que representam quais as implicações de todas as aplicações e financiamentos existentes, para assim decidirem, de maneira mais adequada, qual a melhor alternativa a ser feita.

Com exceção de algumas parcas iniciativas verdadeiramente educacionais, os cursos que são apresentados ao público na maioria das vezes se resumem à parte operacional e de técnicas de avaliação de preços dos ativos financeiros ou ainda, ensinamentos de como ganhar dinheiro de forma fácil e rápida, aplicando determinados tipos de análises, em resumo, como se diz no mercado: “chamando os incautos pro game”.

A prova cabal da carência educacional financeira do País é o montante de recursos depositados na caderneta de poupança, mesmo esta tendo o mesmo risco de um título público, mas com um rendimento medíocre!

Sobre o CDI http://avisoemdois.com.br/educacao-financeira/o-que-e-o cdi

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto” – Rui Barbosa.

Há 37 anos no mercado financeiro, Waldir Kiel Junior é economista e escreve mensalmente na InfoMoney.
waldir.kiel@infomoney.com.br