Colunista InfoMoney: Obsessão pela China

Diante dos grandes números, investidores esquecem regime totalitário e deixam de lado fator de risco; "negócio da China" a que preço?

Ingo Plöger

Investidores estrangeiros que chegam ao Brasil para realizar seus primeiros investimentos, ou mesmo os que tencionam ampliar seus negócios, comumente tropeçam em vários obstáculos, algo comum para alguém que desconhece as particularidades do Brasil e da América do Sul. 

Mas, é a comparação da China com o Brasil a mais nova determinante na decisão sobre investir em nosso país e, no entanto, esta comparação induz o investidor a interpretações equivocadas.

Sabe-se que, pela ótica do investidor, o porte do mercado e o crescimento da região são dois fatores que influenciam fortemente a escolha de onde investir.

Comprovando esta tese, o ultimo Investment Report da UNCTAD aponta que em 2009 os países desenvolvidos receberam 565 trilhões de dólares em investimentos, enquanto os países em desenvolvimento ficaram com 405 trilhões de dólares. Qual foi a razão porque os países desenvolvidos receberam uma soma maior de investimentos? O porte do mercado!

Outros fatores, como o regime de governo (democracia), a abertura da economia, a tendência para a inovação, a segurança legal demonstrada, o respeito aos direitos de propriedade intelectual, ao meio ambiente e recursos humanos são fatores de sustentabilidade dos investimentos, mas não são determinantes. Decisivos, mesmo, são o crescimento da região e o potencial do mercado.

Seguindo pela trilha da racionalidade do investidor (que leva em conta o crescimento e o porte do mercado nas decisões sobre onde investir), vemos que a China tem sido, há vários anos, o maior captador de investimentos do mundo, a despeito de toda a crise financeira internacional. Em 2009 esse país conseguiu captar nada menos que US$ 90 bilhões e já possui o segundo maior PIB mundial – US$ 8 trilhões, atrás dos Estados Unidos, com US$ 14 trilhões.

Ainda sobre a China, pela avaliação da revista The Economist, em 2018 esse país terá um PIB do tamanho dos Estados Unidos, com US$ 21 trilhões, e em 2026 terá ultrapassado os EUA, alcançando um PIB de US$ 38 trilhões, enquanto os EUA estarão na segunda posição, com US$ 34 trilhões. E o Brasil nessa avaliação? Segundo a revista, nosso país sairá de US$ 2 trilhões e em 2016 estará na posição 5, com um PIB de US$ 5,7 trilhões.

“Comparar a China
com o Brasil, sem
levar democracia
em conta, é tirar
da conta um risco”

Então a lógica é clara, se a China sairá de 8 para 38, mais que quadruplicando seu PIB e se o Brasil sairá de 2 para 5, me digam: não é na China que o investidor vai olhar prioritariamente?

A história contemporânea da humanidade vem nos ensinando algumas lições. Sem sombra de dúvida, a principal delas é que a democracia, no século XXI, veio para ficar; porque o valor da liberdade ultrapassou as fronteiras da imaginação e também porque nenhum país poderá continuar isolado por muito tempo, devido ao avanço das tecnologias de informação e comunicação.

Vejam o exemplo da Rússia, que tendo instalado sua democracia, vem passando por um forte período de adaptação institucional; isto tem provocado insegurança no setor econômico, impactando em seu mercado e em seu crescimento, tanto que em 2009 o país viu seu PIB ser reduzido em 8%, algo impensável 20 anos atrás!

Nós mesmos, no Brasil, sabemos o enorme esforço despendido pela nossa sociedade para solidificar a democracia; tendo saído de um regime militar, foram precisos 15 anos para ver o crescimento reinstalado em nosso país. Habituados a desenvolver controles na área pública para manter uma solidez das finanças, a democracia e o desenvolvimento institucional precisaram de outros 10 anos para reiniciar o ciclo de investimentos, redirecionando a administração pública desde o controle dos gastos, às oportunidades de investimentos e ao planejamento de longo prazo.

A Unctad desenvolveu a tese de que os países democráticos que possuem sustentabilidade econômica, social e ambiental, “doam” cerca de 1 a 2 % de seu PIB para serem livres e sustentáveis. A grande vantagem desses sobre aqueles sem democracia e sem sustentabilidade, é que suas crises ou seus picos de crise são mais amenos e, portanto, o desenvolvimento deles é mais previsível e de maior duração.

Comparar a China com o Brasil, em termos de potencial de crescimento, sem levar em conta o valor da democracia e da sustentabilidade, é tirar da conta de investimentos um fator de risco.

As projeções para a China para os próximos anos certamente serão muito positivas; mas um otimismo exagerado, que ignora que a China não é uma democracia, sua economia não oferece muita sustentabilidade, a inclusão social não é o seu forte e fica impune o desrespeito ao meio ambiente, é pernicioso, algo contra o que o bom investidor deve se precaver.

Como os números da China são muito grandes e seu potencial de crescimento é muito maior comparado a qualquer outro país, o investidor deslumbrado segue a manada. E quando surge outra oportunidade de investimentos, como a do Brasil, país onde tudo é mais lento, portanto sustentável institucionalmente, com mudanças democráticas permanentes e transparência nas informações, o investidor deslumbrado prefere manter o olhar fixo no ”negócio da China”.

A obsessão pela China toma conta do investidor e ele justifica os visíveis riscos assumidos no investimento, em função do porte do mercado e crescimento daquele país. O investidor obcecado sublima até mesmo seus melhores valores, chegando a argumentar que “quem sabe para a China, o melhor mesmo, não seja a democracia…”.

Interessante a análise que David Shambaugh, especialista em China há 35 anos e diretor do programa sobre China da Universidade George Washington, fez recentemente. Ele diz que a China é altamente introvertida, sem projeção de poder fora de seu perímetro e não está pronta para ser potência. Shambaugh nos alertou, durante palestra que proferiu em São Paulo, em 2008, de que o Brasil precisa ter um plano estratégico para lidar com a China, caso contrário, teremos um relacionamento codependente, prejudicial ao nosso país.

Nós, Brasil, precisamos sim ver na China um benchmarking para aumentar nossas velocidades; precisamos nos inspirar na eficácia de sua nova infraestrutura e em sua enorme fome educacional. Mas nossa liberdade deverá ficar preservada e a democracia e a sustentabilidade deverão ser continuamente aprimoradas, para nos mantermos competitivos neste mundo desigual.

Ingo Plöger é empresário, engenheiro economista, conselheiro de empresas nacionais e internacionais e presidente da IP Desenvolvimento Empresarial Institucional. Escreve mensalmente na InfoMoney, às sextas-feiras.
ingo.ploger@infomoney.com.br