Colunista InfoMoney: Doença Holandesa ou Doença Brasileira?

O desequilíbrio originado pelo capital volátil na precificação da moeda está impondo uma deterioração acelerada da indústria nacional

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Uma breve passagem pelos eventos mais marcantes da histórica econômica folheia-se sobre a crise das tulipas ocorrida nos Países Baixos, e permeia o universo da especulação financeira. A bolha gerada pela febre das tulipas não é o objeto de análise deste artigo, mas serve para indagar outro evento importante iniciado na década de 60 nos Países Baixos: a doença holandesa ou a Dutchdisease em inglês, e que sempre está presente nas discussões sobre a economia brasileira.

A doença holandesaconceitualmente foi um termo utilizado pelo economista australiano W. MaxCorden e pelo irlandês J. Peter Neary em 1982 para explicar a relação entre a exploração de commodities e a desindustrialização ocorrida na década de sessenta na Holanda. A ocorrência se deu com a descoberta de grandes poços de gás, que foram favorecidos pela forte demanda internacional, o que acarretou na elevaçãodos preços, gerando um forte fluxo de recursos advindo das exportações, que por consequência valorizou o Florim e tornou os bens produzidos pelos setores industriais menos competitivos.

De fato é um evento que reflete imediatamente na valorização da moeda. Para elucidar este pressuposto que muitos economistas brasileiros procuram comparar com a situação do Brasil por ser um grande produtor de commodities, foi criado um grupo de estudos na PUC/SP, no qual tive a oportunidade de compor, sobre a Dutchdisease.

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O objetivo foi investigar duas economias que apresentassem situações parecidas com a do Brasil para justificar se de fato existe ou não sintomas da doença holandesa em nossa economia. O primeiro país foi o Equador, cuja economia estava se adaptando com a nova fronteira de exploração petrolífera.

A segunda economia, esta mais desenvolvida e participante do grupo dos países ricos, foi a Austrália. Com uma participação muito grande na riqueza nacional, o setor de commodities, como o de minério de ferro, garante a economia australiana elevadas receitas advindas das exportações.

No caso do Equador não se observou sintomas da doença holandesa na economia, e uma das conclusões obtidas se deveu ao reduzido parque industrial equatoriano. Por outro lado, a exploração petrolífera favoreceu para o crescimento da indústria e dinamizou a sua economia com a inserção de novos subsetores industriais. Em síntese vale afirmar que o Equador pode experimentar um ciclo industrial em detrimento da sua base econômica primária.

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“O que se observa é o grande
fluxo de investimentos especulativos
direcionados ao mercado de renda fixa e
bursátil. E é este capital que está
induzindo a forte valorização do Real”

No caso australiano, a situação foi mais complexa, pois sua base industrial possui forte participação na economia doméstica. As medidas para blindar a indústria dos efeitos dos grandes fluxos de recursos das exportações estavam atreladas na utilização das receitas para favorecer a competitividade industrial, como isenção tributária e medidas de proteção para os setores industriais mais sensíveis a valorização cambial. Ou seja, as receitas das exportações foram utilizadas para dinamizar a indústria.

Porém, o ponto mais importante da experiência australiana situou-se na administração das contas do balanço de pagamentos para estabelecer de forma natural uma blindagem a favor da sua moeda, o dólar australiano. Em tese, o mecanismo funcionava da seguinte maneira: o déficit da conta corrente em torno de 4% do PIB, mais o equilíbrio fiscal do governo, serviam de indutores contra a valorização da moeda. Com a relação dívida/PIB equilibrada o governo dependia menos de capital volátil, pagavam-se menos juros e atraía sensivelmente capital voltado ao investimento na economia real. Dessa forma os responsáveis pela economia australiana conseguiram aniquilar os sintomas da doença holandesa.

No caso brasileiro, o grupo de estudo analisou os fatores que poderiam induzir a Dutchdisease na economia. Como no caso australiano, o Brasil é considerado grande exportador de commodities, concentrado basicamente nas metálicas e agrícolas, além do potencial petrolífero. Também como no caso da Austrália o país apresenta em média déficit de 4% do PIB em transações correntes, mas contrapõe quando se pauta em questões como o da infraestrutura e da alta carga tributária, sem falar nas mazelas dos juros.

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E é justamente neste componente que mora o princípio que refutou a tese da doença holandesa. A princípio, o déficit em transação corrente deveria ser um elemento natural para manter a moeda, ou seja, o Real, desvalorizada. Porém, desequilíbrios macroeconômicos internos da economia brasileira refletem no absurdo patamar das taxas de juros. Seguindo o pressuposto proposto, a valorização do Real deveria ser contida naturalmente pelo déficit em transações correntes, sendo que este déficit seria corrigido pela entrada de investimentos estrangeiros diretos ou no limite pela captação externa com taxas de juros aceitáveis.

Porém, o que se observa é o grande fluxo de investimentos especulativos direcionados ao mercado de renda fixa e bursátil (ações). E é este capital que está induzindo a forte valorização do Real. O desequilíbrio originado pelo capital volátil na precificação da moeda está impondo uma deterioração acelerada da indústria nacional, por isso o certo não é convalidar os mecanismos da doença holandesa, mas sim uma variante exclusiva da economia brasileira.

Ao contráriodo caso australiano, observa-se uma morosidade em medidas que visam a proteção dos setores mais sensíveis à valorização do câmbio, como o de autopeças, pelo governo brasileiro. Não é justo atribuir culpa aos segmentos em que o Brasil possui vantagens comparativas como o de commodities as mazelas da doença holandesa, pois ao se observar o caso da Austrália ficou provado que as receitas originadas das exportações de bens primários podem beneficiar os demais setores da economia, principalmente o industrial, através de medidas de blindagem e de competitividade.

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Resumidamente, o caso brasileiro é originado pelo seguinte quadro:

Observa-se, portanto, que se ajustássemos a equação entre a soma dos IEDs mais o saldo da Balança Comercial menos o déficit em transações correntes teríamos um equilíbrio que levaria a zero, sendo que este asseguraria de acordo com o modelo testado numa taxa cambial entre R$/US$1,85 a 2,10. Mas, quando inclui a soma do capital volátil existe uma sobra de mais de US$ 60,0 bilhões na economia, e é justamente esta “sobra” que está levando o Real para abaixo dos R$/US$1,60.

Sinaliza-se, de fato, uma doença de origem brasileira variante dos desequilíbrios internos da economia e de uma rígida estrutura de taxa de juros endêmica.

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1Corden W.M., Neary J.P. (1982).“Booming Sector and De-industrialisation in a Small Open Economy.”The Economic Journal 92 (December): 825-848.

Ricardo Jacomassi é economista, professor e estrategista de investimentos e escreve mensalmente na InfoMoney.
ricardo.jacomassi@infomoney.com.br