Colunista InfoMoney: A produção agropecuária e o paradoxo da crise alimentar

Prospectos para demanda agrícola são animadores, mas governo precisa garantir maior eficiência dos recursos naturais

Adriana C. P. Vieira

Nos dias atuais, na América Latina, quase 75% da população vive em grandes cidades, sem relação direta nem controle sobre a produção de alimentos. No Brasil, 81,23% da população é urbana, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ou seja, a maior parte dos consumidores modernos tem acesso aos alimentos através do comércio nos supermercados ou armazéns.

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A agricultura se transformou para alimentar uma população que não para de crescer. Passou a utilizar métodos artificiais, como os fertilizantes e pesticidas químicos, a manipulação genética, a irrigação e hormônios para acelerar o crescimento de animais, disseminados principalmente pelo novo paradigma tecnológico proposto pela Revolução Verde, aumentando ano a ano a produtividade e a produção de diversas culturas.

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) divulgou recentemente que os dados mundiais de grãos para a safra de 2008/09 estimam produção de 2,2 bilhões de toneladas, 4,5% a mais em relação à safra anterior (2,1 bilhões de toneladas). A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) divulgou que a produção brasileira representa 6,3% da produção mundial, com 144,1 milhões de toneladas, na mesma safra citada anteriormente, muito embora esteja prevista uma queda de 4,0% em relação ao período anterior.

Ainda segundo dados do USDA, a China deverá encerrar a safra de 2008/09 com estoques de 4,72 milhões de toneladas, volume 75% maior que o de duas safras atrás. A produção chinesa de soja deve passar de 14 milhões para 16,8 milhões de toneladas, entre as safras 2007/08 e 2008/09. Contudo, apesar de sua crescente produção, ainda não será suficiente para a sua demanda interna.

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Para alimentar sua crescente população, em 2007, a China importou mais de U$$ 45 milhões de produtos agrícolas, demonstrando a tendência de se transformar num grande importador de commodities agrícola, quando superarem os problemas de infra-estrutura. A Índia, por sua vez, importou U$$ 8 milhões em produtos agrícolas para a alimentação de sua população.

“Governo precisa
de mecanismos de
garantia à maior
eficiência dos
recursos naturais”

O ponto a destacar é que o crescimento vertiginoso no consumo de alimentos (em razão do aumento populacional ou da renda per capita) não é um comportamento exclusivo da China e da Índia, pois há sinais claros de que, nos próximos anos, esse fenômeno será fundamentalmente estendido por toda à Ásia. Ou seja, haverá uma pressão de outros países deste continente que se somarão às demandas da China e da Índia. Em adição, cabe ainda ressaltar que países africanos também têm apresentado dados de incrementos de demanda por alimentos.

Em 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) da China foi de US$ 3,2 trilhões, e a previsão foi de que a sua economia deveria crescer 10%, contra 11,5%, em 2007. Indústrias e serviços foram responsáveis por 89% de toda a economia, e a agricultura, 11%. Ainda assim, o crescimento econômico de países como Indonésia, Filipinas, Vietnã, Malásia e Tailândia, aliado à forte migração do campo para as cidades, vai alterar estruturalmente o comércio mundial de produtos agrícolas e alimentos.

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Estudos apresentados pela FAO apontam um descompasso entre a oferta e a demanda de alimentos, visto que, em 2007, os estoques de cereais recuaram ao mais baixo patamar desde 1960. Ao todo, a previsão indica 406,3 milhões de toneladas estocadas para 2008, enquanto que, cinco anos atrás, eram de 486,3 milhões. Se nos próximos anos, os agricultores não colherem safras recordes para atender à crescente demanda mundial de alimentos, haverá uma escassez, dado que pessoas e animais têm consumido mais grãos, ano a ano.

Tal cenário é positivo para o Brasil, tendo em vista a sua vasta extensão para a produção agropecuária. O País possui possibilidades reais de incorporação de terras produtivas que se encontram subutilizadas na atividade da pecuária extensiva, as quais apresentam índices de produtividade reduzidos e que poderiam ser melhorados, liberando áreas para a incorporação da produção agrícola. Outro aspecto importante é a questão da distribuição das terras.

O desenvolvimento do setor agropecuário brasileiro caracterizou-se por investimentos na elevação da produtividade e na incorporação de áreas de fronteiras, como a do Cerrado, que favoreceram que o Brasil pudesse se destacar no mercado internacional como um dos mais importantes produtores de alimentos no mundo. A partir deste movimento, a discussão da incorporação de tecnologias e gestão do setor agropecuário eficiente foi assumida dentro do conjunto das políticas agrícolas como sendo essenciais para que os indicadores de produção continuassem a apresentar incrementos produtivos.

Os dados apresentados apontam para a possibilidade de o Brasil ser um dos maiores produtores de alimentos para o mercado internacional, sem prejuízo ao seu programa de combustível renovável. As acomodações produtivas das diversas culturas agrícolas do País ainda não apresentaram gargalos que possam estar contribuindo para uma pressão no aumento dos preços dos alimentos. Por isso, considera-se que o Brasil apresentou desempenhos produtivos positivos e apropriou-se de janelas de oportunidades no mercado internacional.

No entanto, é considerada uma análise de forma agregada e geral para os dados nacionais. Caso seja feita uma delimitação do espaço regional, certamente haverá a captação de distúrbios entre a produção de alimentos e a produção de biomassa para setores de energia renovável. Estas pesquisas devem ser incentivadas para que o País possa contar com dados para a construção de uma política agrícola de longo prazo que favoreça uma melhor distribuição espacial das produções consideradas essenciais para seu modelo de desenvolvimento.

Assim sendo, as estratégias empresariais de expansão de produção devem estar inseridas em um contexto maior de planejamento nacional, pois o avanço da cana-de-açúcar gera uma configuração nova dentro do espaço territorial. São novas relações de poder e novo sistema produtivo que podem afetar outras cadeias instaladas na região, por isso salienta-se que cabe ao Estado este papel de solucionar ou mesmo dirimir os conflitos entre as várias opções produtivas do país.

Um dos exemplos utilizados para demonstrar os riscos de uma política de combustíveis alternativos é a produção do etanol de milho pelos EUA. Esta produção foi a responsável pelo acirramento da discussão do impacto da produção de combustíveis alternativos de matérias-primas alimentares. A elevação desta produção nos EUA provocou uma escalada dos preços, originando uma crise no México, que tem neste produto um dos principais componentes de sua cesta básica.

Alguns organismos internacionais têm alertado para a inflação de alimentos, justificando este processo pela utilização de matérias-primas alimentares na produção de combustíveis alternativos (etanol) e de energia. Discurso que, pela análise deste artigo, não é aplicável à estrutura produtiva do país e precisaria ser mais bem qualificado, com pesquisas regionais nas áreas de expansão de matéria-prima para a produção de energia renovável.

Devido a estes desafios impostos nesta conjuntura de competição entre alimentos e energia, é importante salientar o papel do Estado como regulador de um processo de ocupação do solo. Vale destacar que no Brasil não tem sido feito tentativas de organizar o espaço produtivo. Primeiro, devido à grande quantidade disponível de terras que não pressionaram uma melhor alocação deste recurso. Segundo, pelas tecnologias que tem elevado os índices de produtividade.

Entende-se que, a partir de uma competição mais acirrada entre alimentos e energia, os poderes públicos terão que desenvolver mecanismos que garantam uma maior eficiência dos recursos naturais do País, como a terra.

Adriana Vieira é mestre em Direito, doutora em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente na InfoMoney. Este artigo contou com a colaboração de Divina Aparecida Leonel Lunas Lima.
adriana.vieira@infomoney.com.br