Colunista InfoMoney: A falácia da volatilidade

A volatilidade dos ativos de risco é facilmente calculada, mas sua interpretação e utilização para a tomada de decisões requer alguns cuidados

Luiz Roge

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É muito comum os investidores tomarem a volatilidade como uma medida de risco para as posições que possuem em ativos de risco como, por exemplo, as ações. A teoria de Finanças ensina que o binômio retorno-risco é fundamental para avaliar investimentos nas mais diferentes classes de ativos.

A volatilidade de um ativo normalmente é medida pelo desvio-padrão da série dos últimos retornos diários deste ativo, tomados em uma janela de 20 dias úteis (aproximadamente 1 mês corrido).

Essa janela pode ter outros intervalos de prazo fixados como, por exemplo, 40 ou 60 dias úteis – ou pregões -, quando se tratar de uma ação. A volatilidade calculada dessa forma é chamada de volatilidade passada ou histórica, porque ela já aconteceu.

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A volatilidade nada mais é do que a expressão anualizada da variabilidade média do retorno de um ativo – no caso uma ação cotada em bolsa de valores. Entretanto, para isso, é necessário definir uma amostra de retornos diários e, em seguida, aplicar alguns conceitos estatísticos para se chegar ao resultado final. O segredo é tabular corretamente os dados em uma planilha Excel e depois calcular o desvio-padrão da amostra de retornos. 

Para que o cálculo tenha consistência estatística é necessário calcular o logaritmo do retorno diário, em lugar do cálculo do retorno puro e simples, para a obtenção da série de retornos. Além disso, como os retornos são tomados em base diária, para se chegar à volatilidade, deve-se anualizar o desvio-padrão obtido por meio da multiplicação da raiz quadrada do prazo anual utilizado – em geral 252 dias –, outro requisito de ordem estatística.

Esse processo irá permitir que se utilize o modelo de média-variância, baseado em uma curva com distribuição normal de retornos, para estimação da volatilidade dos retornos da ação – de acordo com o que se aprende nos cursos básicos de estatística aplicada ao mercado financeiro. Para simplificar, essa “transformação” permite que se estime a variabilidade média do retorno sobre a ação para, em seguida, inferir-se qual é o risco daquela ação ou posição de ações.

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Note que está implícito no cálculo que o passado, de alguma forma, serve para estimar o futuro. É claro que essa é uma visão simplificada do problema, que possui uma vestimenta, ou explicação teórica, mais elaborada.  Como teremos oportunidade de ver a seguir, a volatilidade implícita de opções permitirá estimar essa volatilidade sem ter que “olhar para trás” – ou buscar no passado uma pista para o futuro.

“Interpretação prática
da volatilidade como
medida de risco não
é linear, nem
tampouco trivial”

Muito bem, vencida a etapa do cálculo, deve-se entender corretamente o conceito de volatilidade e sua aplicação. Dados os fundamentos utilizados para o cálculo, pode-se afirmar que o retorno médio da ação poderá variar em termos anualizados na proporção da volatilidade calculada.

Por exemplo, caso se deseje saber qual o potencial de variação para o preço de uma ação ao final de 20 pregões, dado que sua volatilidade é de 25% ao ano, deve-se dividir 25% ao ano por raiz quadrada de 252 dias e, em seguida, multiplicar o resultado obtido por raiz quadrada de 20 dias.

Pronto! O resultado é 7,04%. Porém, essa variação pode ser nos dois sentidos: para cima ou para baixo. Portanto, o preço da ação, cujo retorno esperado é zero – conforme ensina a teoria de Finanças -, poderá variar entre os limites de -7,04% e +7,04% ao término do período de 20 dias, com 68% de probabilidade – tendo como base os fundamentos estatísticos adotados para o cálculo da estimativa.

Há várias medidas de volatilidade que possuem diversas aplicações no mercado de capitais. Conforme ressaltado, sua principal utilidade é medir o risco de posições em ativos de risco.  Entretanto, a volatilidade implícita de opções sobre ações é muito utilizada para estimar a oscilação potencial do preço de uma ação para determinado período à frente. E, para isso, utiliza-se o prêmio das opções negociado no mercado.

Essa abordagem permitirá uma estimativa mais fiel da volatilidade “esperada pelo mercado” se for empregada por meio da utilização de opções que estejam “no dinheiro” – aquelas que, de maneira simplificada, possuem preço de exercício muito próximo ao preço da ação no momento do cálculo. Essa estimativa estará mais ajustada à realidade do mercado, em contraposição à sua variante histórica.

A volatilidade implícita será obtida ao se fazer o apreçamento de opções por meio do modelo de Black & Scholes (ou outro modelo de apreçamento de opções) ajustando-se o prêmio das opções cotado em mercado, às condições das outras variáveis do modelo naquele momento: preço do ativo-objeto (ação); o preço de exercício fixado para a opção; prazo para vencimento da opção e taxa de juros livre de risco (taxa Selic para simplificar).

A interpretação do resultado obtido dessa forma é exatamente a mesma utilizada anteriormente, com a diferença de que ela retrata melhor a condição atual do mercado, já que representa uma proxy do sentimento do mercado em relação ao comportamento futuro do preço da ação.

No entanto, a volatilidade, seja ela calculada dessa ou daquela maneira, esconde um problema sutil, de ordem prática e que pode comprometer a correta interpretação e utilização da medida de volatilidade para a tomada de decisões de investimento. Conforme vimos, a volatilidade nada mais é do que a “media” da variabilidade do retorno da ação. E, como qualquer média, pode esconder problemas para o seu correto entendimento.

Temos, a seguir, os gráficos de volatilidade histórica de VALE5 e de PETR4 em conjunto com a série de preços das ações ao longo do tempo, tomados desde 17/10/2008 até 09/03/2009 – cerca de 340 dias úteis, ou pregões.

Como se percebe, a volatilidade histórica das duas ações apresentou tendência declinante durante quase todo o período, salvo em alguns momentos de maior estresse ou preocupação do mercado, como o período determinado entre 15/11 e 15/12/09. Nota-se, também, que esse estresse se refletiu nas ações de VALE5 de maneira muito mais pronunciada do que nas de PETR4.

A volatilidade histórica das duas ações está, nesse momento, próxima ao patamar mais baixo dos últimos 18 meses: entre 15% e 20% ao ano. O mercado também acha isso, e tenta corrigir esse viés, ao ajustar para cima a volatilidade implícita das opções de compra dessas ações, fazendo-a variar entre 20% e 30% ao ano, dependendo do grau de aversão ao risco registrado no momento.

No entanto, a análise dos gráficos (histogramas) dos retornos das ações, logo a seguir, permite visualizar o risco de se basear simplesmente na interpretação tradicional da volatilidade – seja ela histórica ou implícita.

Pode-se observar que os histogramas referentes aos logaritmos dos retornos de VALE5 e de PETR4, determinados ao longo do período assinalado, apresentam algumas divergências em relação às hipóteses estatísticas que fundamentam a utilização do desvio-padrão como medida de volatilidade.

Essas divergências podem comprometer, em certo grau, a interpretação corrente da volatilidade como medida de risco para os ativos de risco estudados.

Percebe-se empiricamente que a hipótese de “normalidade” da curva de retorno é quebrada, pois existe assimetria flagrante na curva. Ou seja, os retornos têm a distribuição de freqüência “inclinada para a direita”, possuindo mais retornos positivos do que negativos, quando em uma curva normal isso não deveria acontecer.

Nota-se, também, que a quantidade de retornos diários extremamente elevados é muito grande. Ou seja, no caso de VALE5 aproximadamente 121 retornos diários (35,5% do total) estão no intervalo determinado entre -2% e +2%. Já no caso de PETR4, esse número sobe para cerca de 162 retornos (47,6% do total).

Portanto, para VALE5 aproximadamente 64,5% dos retornos (2 a cada 3 retornos) extrapola os limites assinalados e, no caso de PETR4, algo em torno de 52,4%  dos retornos (1 a cada 2 retornos) também o fazem.

Vale lembrar que um retorno diário da ordem de -2% ou +2% equivale a uma volatilidade de 31,75%aa. Portanto, as duas ações passaram mais da metade do período de aproximadamente18 meses registrando volatilidade, tomada por uma janela diária, superior a 31,75%.

Nesse sentido, ao observar os histogramas dos retornos históricos dessas ações pode-se inferir duas coisas:

– opções “no dinheiro”, apreçadas com volatilidades implícitas abaixo de 31,75% ao ano, podem estar subavaliando a variabilidade diária potencial do preço da ação;

– a volatilidade histórica ou mesmo a volatilidade implícita, escondem o verdadeiro potencial de variabilidade diária da ação.

A volatilidade pode levar o investidor a subestimar o potencial real de variação do preço da ação, caso mal interpretada. Tendo em vista que fortes movimentos de preço da ação podem ocorrer a despeito do que indica a volatilidade calculada, o risco de perda (ou ganho) em termos absolutos ao se posicionar em ações à vista é, certamente, muito superior ao que se pode pensar.

Esse quadro nos leva a perguntar: o que seria melhor para o investidor, comprar opções de compra ou comprar a ação à vista? Vale lembrar a incapacidade da volatilidade conseguir transmitir de maneira transparente e objetiva o verdadeiro risco existente no posicionamento de ativos de risco. Entretanto, vamos deixar para discutir essa questão em outra oportunidade.

Para finalizar, ao se deparar com alguma medida de volatilidade, seja ela calculada por meio dos retornos históricos ou de maneira implícita – via opções -, desconfie! Lembre-se que a interpretação e aplicação prática da volatilidade como medida de risco não é linear nem tampouco trivial.

Luiz Roge é economista e diretor executivo do site www.investcerto.com.br
luiz.roge@infomoney.com.br