Coluna InfoMoney: o dilema dos subsídios ilegais pelos países desenvolvidos

Práticas ilegais permanecem nos países desenvovidos e dificultam agricultura nacional; País pode implantar "importação paralela"

Adriana C. P. Vieira

As mudanças no cenário político regional e mundial; o advento de novas tecnologias e a abertura e maior integração das economias mundiais provocaram uma verdadeira revolução no comércio internacional, com um grande número de tratados e acordos internacionais consolidados no âmbito das negociações da Rodada de Uruguai do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), que deu origem à OMC (Organização Mundial do Comércio).

Os acordos negociados na OMC dão origem às suas regras, que estão fundamentadas em um conjunto de princípios, segundo os quais o comércio internacional deve ser: não discriminatório, liberalizado, mais competitivo (práticas desleais – dumping e exportação de subsídios são ilegais) e benéfico para os países menos desenvolvidos.

O Brasil vem desempenhando um grande esforço para recuperar o seu setor de produção de algodão, modernizando-o e tornando-o eficientemente produtivo. Contudo, a busca dessa eficiência e de uma participação mais intensa no mercado internacional é dificultada pela existência de políticas de apoio, baseadas em subsídios, que alguns países estão concedendo aos seus produtores e às suas exportações, principalmente pelo EUA.

Essas políticas distorcem a produção dos países que as praticam e seus preços, o que, quando se trata de um país grande no sentido econômico, se transmite ao mercado internacional e, portanto, aos demais países produtores.

“Retaliação do Brasil
aos EUA no comércio
internacional é de,
pelo menos, US$
830 milhões

O início do painel contra os principais programas de subsídios americanos teve inicio em 2003, com a primeira consulta na OMC em 2002, sobre os subsídios do algodão. De 1991 a 2003, os subsídios diretos dos programas americanos de sustentação de renda e preços e de perda de safra para a produção de algodão custaram, em média, US$ 1,76 bilhão por ano, o equivalente anual de US$0,21/libra-peso (US$0,17/libra-peso para o primeiro programa e US$0,04/libra-peso para o segundo). Desde então, o Brasil já ganhou o direito de retaliar o EUA, no qual teria que retirar os programas de apoio à exportação.

Em decorrência desses subsídios, o Brasil teve um prejuízo de US$600 milhões para seus produtores de algodão no período de 2001-2002, provenientes da depressão dos preços internacionais do deslocamento ou impedimento das exportações brasileiras, do crescimento da participação norte-americana no mercado mundial do algodão, e dos subsídios à exportação, pois o governo americano transferiu US$ 4 bilhões em subsídios a seus agricultores, para uma safra que valia US$ 3 bilhões.

Após diversas vitórias junto à OMC, o Brasil publicou nesta semana a MP (Medida Provisória) que prevê um leque de direitos de propriedade intelectual conquistado pelo Brasil junto à OMC, garantindo o direito de retaliação proveniente do uso ilegal de subsídios do algodão realizados pelos EUA, o que permite ao país negociar compensações financeiras ou comerciais aos produtores e à economia brasileira, de pelo menos US$ 830 milhões, sendo que as sanções sobre o comércio de bens americanos alcançarão US$ 560 milhões e os US$ 270 milhões restantes poderão ser aplicados sobre propriedade intelectual.

Com essa medida, também chamada de importação paralela, o Brasil poderia importar medicamentos ou outros produtos sem a necessidade do pagamento de royalties ou outras restrições do acordo de propriedade intelectual (remuneração de licenças, licenciamento para uso não comercial, sem autorização do titular dos direitos, suspensão de direitos por tempo indeterminado, quebra de patentes, direitos de autor e conexos e indicações geográficas e desenhos de circuitos integrados).

No entanto, ainda essa medida precisa ser regulamentada pela Camex (Câmara de Comércio Exterior), criando condições legais para que o Brasil adote a retaliação cruzada, o que atingirá interesses de empresas estrangeiras em propriedade intelectual (marcas, patentes, desenhos geográficos, etc.) em represália à ilegalidade no terreno comercial.

Adriana Vieira é mestre em Direito, doutora em Economia pela Unicamp, pós-doutoranda no Instituto de Geociências da Unicamp e escreve mensalmente na InfoMoney.  
adriana.vieira@infomoney.com.br