China: os desafios para a retomada da economia após o alívio nas restrições contra a Covid-19

Ameaças de novos lockdowns seguem no radar, enquanto recuperação seguirá gradual; especialistas discordam sobre quais são as prioridades do governo do país

Lara Rizério

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Após dois meses de um rigoroso lockdown em meio ao aumento dos casos de Covid-19, o regime de restrições em Xangai foi encerrado à meia-noite de quarta-feira (horário local), dia 1 de junho, levando a diversas comemorações na cidade de 25 milhões de habitantes. Com o fim do lockdown, a maioria da população pode sair de casa, voltar ao trabalho, utilizar o sistema de transporte público e dirigir seus carros.

Porém, os efeitos dessa política, criticada por muitos como insustentável, devem seguir sendo sentidos na economia não só da China, como do globo, em meio à retomada ainda lenta das cadeias de fornecimento logístico e com os sinais de uma desaceleração forte percebida já em abril e que pode se estender por mais meses.

O governo chinês parece estar longe de atingir a sua meta de crescimento do PIB em 5,5% este ano e várias casas de análise já revisaram as suas projeções para baixa. O gigante asiático vem anunciando medidas de estímulo que, por sua vez, mesmo que sejam vistos como insuficientes, trazem um alívio de curto prazo para o mercado.

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Na última terça-feira, o gabinete do país anunciou um pacote de 33 medidas abrangendo políticas fiscais, financeiras, de investimento e industriais para reavivar sua economia devastada pela pandemia, acrescentando que inspecionará como os governos provinciais as implementarão.

O pacote de estímulo, que foi indicado pelo Conselho de Estado da China em uma reunião de rotina na semana passada, ressalta a mudança de Pequim em direção ao crescimento. Para reavivar o investimento e o consumo, o governo ordenou aos municípios que não ampliem as restrições às compras de automóveis e disse que aqueles que já adotaram restrições deveriam aumentar gradualmente suas cotas de propriedade de automóveis.

Leia também: China tem nova onda de corte de projeções para o PIB de 2022: quais impactos para Brasil e EUA?

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O Ministério das Finanças também disse que reduzirá pela metade o imposto sobre a compra de automóveis de pequeno porte. A China promoverá o desenvolvimento saudável das empresas plataforma, que devem desempenhar um papel na estabilização dos empregos, disse o Conselho de Estado.

As empresas plataforma também são encorajadas a fazer avanços em áreas que incluem computação em nuvem, inteligência artificial e tecnologias de blockchain, disse o Conselho de Estado, em um recente sinal de que a China está aliviando uma repressão às plataformas de comércio eletrônico e aos gigantes tecnológicos. O país também expandirá o investimento privado, acelerará a construção de infraestrutura e estimulará a compra de carros e eletrodomésticos para estabilizar os investimentos, de acordo com as medidas.

Já na quinta-feira, foi anunciado que os bancos estatais chineses mobilizarão uma linha de crédito de 800 bilhões de yuans (cerca de US$ 120 bilhões) para o financiamento de projetos de infraestrutura, o que impulsionou os preços das commodities.

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Ameaças de novos lockdowns persistem

As medidas adicionais de estímulo devem ajudar a trazer a economia de volta e alcançar um crescimento moderado até o quarto trimestre 2022, avalia o banco suíço Julius Baer. Contudo, a equipe de análise pondera que não espera fortes impulsos na economia com a alta dos estímulos, ainda mais levando em conta as dificuldades em implantá-lo efetivamente, desde que a ameaça de novos bloqueios persista.

O medo de um novo bloqueio continua pairando em cada cidade chinesa, uma vez que a rigorosa estratégia zero-Covid-19 deve ser mantida. Assim, os líderes locais permanecerão cautelosos, apesar de seus esforços para apoiar as empresas. “Em suma, mantemos nossa previsão de crescimento do PIB em 4% para 2022. Esse número ilustra o quão difícil será para a liderança chinesa atingir sua meta de crescimento de 5,5% este ano”, destacou o banco.

Fernando Fenolio, economista-chefe da WHG, também destacou no Macro Pickers (veja na íntegra assistindo ao vídeo acima) na última terça-feira que há questões sobre a sustentabilidade da política de Covid-zero, ainda mais levando em conta o fato da variante ômicron ser mais contagiosa, o que deve levar a uma maior incerteza sobre novas restrições futuras.

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Os dados de abril da economia do país foram bastante negativos, gerando inclusive descontentamento social e aumentando a percepção de que talvez as políticas de restrição seriam relaxadas em decorrência dos impactos dos lockdowns. Contudo, só houve uma queda nas restrições com a baixa dos casos e a expectativa é de que não haja mudanças nas políticas de Covid-zero.

“Segundos cálculos do governo da China, se adotadas as políticas [contra Covid] que o Ocidente adotou, haveria por lá 5 milhões de mortes; tal número de mortes não vai ser admitido (cálculos foram feitos considerando que a China tem uma população 5 vezes maior do que a dos EUA, que atingiu a marca de 1 milhão de mortes em maio)”, avalia o economista.

Além disso, ressalta que a atuação de Pequim, que controlou o surto da doença antecipadamente e fez um lockdown mais suave depois, foi vista com melhores olhos do que a de Xangai, que “esperou” os casos aumentarem e depois teve que adotar uma política mais restritiva. “Esta foi uma vitória dos proponentes da política de Covid-zero”, avalia Fernolio.

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Assim, o crescimento vai ser preterido em relação a questões de saúde no momento, aponta. A expectativa já é de que uma contração do PIB do segundo trimestre de 2022 de cerca de 1,5% ante os primeiros três meses do ano. “O cenário é mais de crescimento de 3%, 3,5%, o que para o padrão chinês é quase impensável, do que o crescimento de 5,5%”.

Fenolio acredita que as políticas de Covid-zero devam se estender até outubro ou novembro e, dependendo dos locais atingidos, os problemas nas cadeias de suprimento podem se manter. Isso é sentido no mundo, através de uma desinflação mais lenta, por exemplo, nos EUA.

Principalmente após a ata da última reunião do Federal Open Market Committee (Fomc), há uma visão de que o Federal Reserve elevará a taxa de juros em 0,5 ponto nas próximas duas reuniões (de junho e julho) e a partir de então olhe para os dados para uma eventual alta menos intensa de juros. “Se a inflação persistir, o Fed terá que seguir com alta de 0,5 ponto e não desacelerar para 0,25 ponto, avalio que é o maior risco”, aponta.

Recuperação gradual

Para o Morgan Stanley, a diminuição das restrições marca o início de uma recuperação abaixo da média, com produção e construção priorizadas sobre o consumo. “O plano de reabertura de Xangai aponta nossa visão de que o pior da interrupção da cadeia de suprimentos provavelmente ficou para trás”, apontam os analistas.

Com a retirada da “lista branca” para ter funcionários trabalhando em empresas a partir de 1 de junho, de forma a reduzir o gargalo logístico e apoiar o comércio exterior, o Morgan espera que o crescimento do frete de caminhões de carga de e para Xangai – um indicador chave para acompanhar a retomada da cadeia de suprimentos – melhore de queda de 80% na base anual no momento para -50% até o final de junho e entre -10% e -20% no terceiro trimestre.

Já a cadeia de suprimentos de automóveis na cidade, avaliam os estrategistas do banco, pode se normalizar em grande parte entre julho/agosto (versus utilização da capacidade em 50-60% do nível de pré-bloqueio agora). Isso ajudaria a reduzir as interrupções no fornecimento em todo o país, já que o porto de Xangai é o maior do mundo em movimentação de carga e abriga indústrias-chave (como fabricantes de automóveis e de equipamentos elétricos pesados).

Enquanto isso, o crescimento do capex (investimentos em capital) em infraestrutura provavelmente aumentará nos próximos meses.

“No entanto, desafiando algum apoio das medidas de estímulo ao consumo, a experiência de reabertura de Shenzhen sugere que uma recuperação neste segmento seria mais gradual, dadas as restrições contínuas de mobilidade em áreas de maior risco, retomada lenta de serviços não essenciais e requisitos de testes regulares de PCR para entrar em locais públicos”, avalia o Morgan.

Assim, os analistas mantêm a sua visão de que a economia da China terá uma recuperação abaixo da média a partir de junho, enquanto uma recuperação completa precisará esperar até o quarto trimestre.

O Morgan Stanley discorda da visão de que o crescimento econômico não segue sendo uma prioridade para o país. Para os estrategistas do banco, embora ainda não pareça uma “bazuca”, os estímulos estão aumentando drasticamente em infraestrutura, habitação e automóveis.

Em segundo lugar, apontam, a estratégia Covid-zero é transitória, sustentada por considerações políticas e preocupações de saúde pública, e o país acabará se adaptando, pois esses fatores serão endereçados provavelmente em 3-6 meses, na visão da casa.

“Por fim, a recente redefinição regulatória de vários setores desde 2021 representa um foco crescente em segurança e sustentabilidade, em vez de apenas eficiência (ou seja, crescimento); no entanto, a eficiência continua a ser um fator importante na tomada de decisões”, avaliam. Assim, esperam que o crescimento se recupere ciclicamente para 6,2% em 2023, partindo de uma base baixa dado o crescimento menor neste ano.

O UBS, por sua vez, aponta que, enquanto os investidores devem se preparar para mais volatilidade, há razões pelas quais o período recente de baixo desempenho chinês provavelmente terminará, destacando principalmente os estímulos com as políticas econômicas, que devem levar o país a ter um melhor segundo semestre, ainda que o saldo do ano não seja muito positivo.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.