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SÃO PAULO – Passado o auge das preocupações em torno do mercado imobiliário norte-americano e das grandes instituições financeiras, as bolsas agora têm um novo foco de tensão: a crise fiscal enfrentada pela Grécia e por demais países europeus periféricos.
Dia após dia, o tema vem sendo destaque na primeira página dos noticiários. “CDSs disparam” “ratings são reduzidos” e outras tantas manchetes chegam a quase virar rotina. Mas afinal, o que são os CDSs? Qual a sua diferença em relação aos ratings e – talvez ainda mais importante – como explicar disparidades entre os dois?
Princípios básicos
Entender o que são os CDSs não é tão difícil quanto parece à primeira vista ao investidor pouco habituado com o mercado de dívidas. Entender a sigla em inglês já é um primeiro passo: CDS são credit default swaps, comumente traduzidos para o português como “swaps de inadimplência de crédito”.
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Em simples palavras, os CDS são uma forma de proteção contra a inadimplência, seja de uma companhia ou de um Estado. O risco de default, ou não cumprimento das obrigações, é transferido do credor para o vendedor dos CDSs, que, portanto, se encaixam no perfil da categoria de derivativos.
Não há, no entanto, um mercado organizado que regule as negociações dos CDSs. Assim, as transações com tais instrumentos ocorrem no chamado mercado de balcão, de forma direta entre pontas compradoras e vendedoras, em um ambiente ágil mas de alto risco.
O valor dos CDS é, desta forma, definido pela percepção do mercado em relação ao risco de calote. Quanto maior for este risco, maior o prêmio para garantir o crédito e maior seu spread (indicativo de quanto, em termos percentuais, o credor irá pagar de sua carteira de crédito pela proteção oferecida). O oposto também é verdadeiro: quanto menor o risco de inadimplência aos olhos do mercado, menor o spread dos CDSs.
Spreads em disparada
Agora fica mais fácil entender o porquê de manchetes como “CDSs da Grécia disparam”. Em sérias dificuldades fiscais há já alguns anos, o risco do país não conseguir honrar suas dívidas vinha crescendo e preocupando governantes e investidores, o que acaba por se refletir, dentre outras coisas, na trajetória dos spreads de seus CDSs.
Na última sexta-feira, os CDSs gregos de cinco anos atingiram o alarmante patamar de 950 pontos-base. Isto significa dizer que, para garantir US$ 10 milhões (valor nocional) de dívidas da Grécia até 2015, seria necessário desembolsar US$ 950 milhões por ano. Nesta segunda-feira, o spread dos CDSs gregos encontra-se consideravelmente menor, a 578 pontos-base, dado o anúncio de pacote de proteção ao euro. Ainda assim, o valor é um dos maiores no mundo.
A tabela abaixo relaciona os países com maiores spreads de CDS no mundo, com base em dados da CMA DataVision desta segunda-feira:
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Não à toa, a lista traz um rol de países com conhecidas dificuldades de ordem fiscal: Venezuela e Argentina, que ocupam as duas primeiras posições, enfrentam um complicado ambiente de instabilidade institucional; Grécia, Portugal e Espanha estão no grupo de países periféricos europeus com altos déficits públicos; Dubai segue no cerne das tensões dos investidores desde o final do ano passado, quando do escândalo do fundo Dubai World; já outros países como Paquistão e Iraque figuram na lista principalmente em função de seus conflitos geopolíticos.
CDSs vs ratings
É interessante notar também, no entanto, como alguns países presentes na tabela acima possuem, em um cenário de aparente incongruência e latente paradoxo, rating soberanos superiores aos de países com spreads de CDS operando a níveis bem baixos. É o caso do Brasil.
No último dia 30 de abril, os CDSs brasileiros atingiram uma mínima de 123 pontos-base. Ou seja, para cobrir US$ 10 milhões (valor nocional) de dívidas brasileiras até 2015, seria necessário desembolsar US$ 123 milhões por ano, segundo estatísticas da CMA DataVision.
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Enquanto isso, países que figuram em posições superiores ao Brasil nas avaliações de agências de classificação de risco, como Standard & Poor’s e Moody’s, assistem os spreads de seus CDSs operando a patamares bem mais elevados e trilhando movimentos de alta, como a Rússia.
O rating russo encontra-se um nível acima do brasileiro na avaliação da Standard & Poor’s e dois níveis acima na leitura da Moody’s. E, no entanto, seus CDSs são mais caros que os brasileiros. O mesmo ocorre com o Bahrain e a África do Sul – ambos com ratings melhor avaliados do que o Brasil mas com CDSs significativamente mais caros.
Desvendando o paradoxo
Se, em tese, tanto os ratings das agências de classificação de risco como os CDSs avaliam a mesma coisa, isto é, o risco de inadimplência de um país, como explicar então tal disparidade? O tema é complexo e levanta bastante discussão entre analistas e investidores.
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A chave da compreensão de tal aparente paradoxo está nas diferenças entre ratings e CDSs. Os primeiros são fruto de um longo e minucioso processo de avaliação da capacidade de um país em honrar suas dívidas, conduzido pelas agências de classificação de risco, que atentam não somente para a situação financeira nacional no momento, mas também a perspectivas de longo prazo.
Por sua vez, CDSs são derivativos. São instrumentos financeiros negociados em um mercado de balcão, altamente sujeitos a especulação e oscilações. Desta forma, ao mesmo tempo em que seu comportamento reflete de forma mais rápida alterações nas percepções do mercado, em contrapartida, são muito mais instáveis por serem negociados como ativos financeiros e seu preço, embora busque precificar fundamentos, esteja sujeito a bruscas oscilações de oferta e demanda.
Os defensores das agências de classificação de risco apontam que o mercado está sujeito a elementos não técnicos (crise de confiança, por exemplo) e a comportamentos irracionais, por adotar uma análise muitas vezes desprovida de fundamentos. Do outro lado da mesa, há os que criticam as agências, por serem demasiadamente lentas na hora de acompanhar as mudanças no panorama internacional.
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Com a crise na Grécia e o risco de contágio em direção a outros países da Europa, o assunto vem sendo comentado até mesmo por governantes europeus. Dominique Strauss-Kahn, presidente do FMI (Fundo Monetário Internacional), veio a público há cerca de dez dias afirmar que “não dá para acreditar muito” nas agências de risco. À época, a Comissão Europeia também se manifestou a respeito, pedindo às agências que trabalhassem “de forma responsável e rigorosa”.
Boa notícia, de uma forma ou de outra
Fato é que, respeitadas suas similaridades, CDSs e ratings são conceitos bastante distintos. Os primeiros são indicativos de como o mercado avalia o risco de default, os segundos, de como analistas avaliam o mesmo risco. Agentes diferentes, percepções muitas vezes diferentes.
De qualquer forma, aos ávidos por verem a classificação de risco do Brasil subir mais alguns degraus, é ótima notícia ver a trajetória declinante dos spreads dos CDSs do País. “Isso mostra que o rating do Brasil pode sim ser elevado em um futuro próximo”, diz Jim Craige, analista da Stone Harbor Investment Partners.