Carrefour Brasil: após saltar até 15% com possível venda de sua controladora, por que a ação amenizou tanto?

Grandes desafios para a compra da companhia francesa pela Couche-Tard fizeram com que a ação perdesse o ímpeto durante o pregão

Lara Rizério

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SÃO PAULO – No fim da tarde de terça-feira (12), uma notícia da Bloomberg fez as ações do Carrefour, tanto no Brasil (CRFB3) quanto na Europa, dispararem: enquanto CRFB3 saltou 6% na véspera na B3, os ativos da varejista em Paris fecharam com ganhos de 13,42% nesta sessão. O grupo canadense Alimentation Couche-Tard, dono das maiores redes de postos de gasolina e lojas de conveniência dos EUA e Europa, estaria em conversas para a aquisição do Carrefour Global, negociação esta confirmada posteriormente em fato relevante pela possível compradora.

Continuando o movimento da última terça (já que a notícia foi no final do pregão da véspera), os papéis CRFB3 chegaram a saltar 8,83%, para R$ 21,93 nesta quarta (13), em uma sessão bastante negativa para o Ibovespa, que chegou a ter queda de 2,41% para o principal índice da Bolsa. Com isso, a alta acumulada chegou a ser de 15,4%, levando em conta a alta acumulada na véspera.

Contudo, durante a tarde desta quarta, o papel amenizou fortemente a alta, mesmo com o Ibovespa diminuindo a queda para um pouco mais de 1%. O Ibovespa fechou em queda, de 1,67%, o Carrefour Brasil teve ganhos, mas bem mais modestos, de 1,04%, a R$ 20,36.

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Assim, ainda que registrasse alta em um dia de fortes perdas para o índice, ficou bem longe das máximas. Mas o que explica esse movimento?

Em primeiro lugar, é importante destacar os termos propostos para a operação. A empresa canadense fez uma proposta de compra de 20 euros por ação, o que representa um prêmio de cerca de 29% em relação ao preço de fechamento na terça-feira. Os termos ainda estão em discussão, mas o pagamento deve ser na maior parte em dinheiro, disse a varejista de Quebec.

Caso a compra seja concluída, a ACT se tornaria a terceira maior varejista do mundo, atrás apenas de Amazon e Walmart.

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A ação do Carrefour Brasil também passou a subir forte uma vez que, caso a fusão ocorra, o preço pago pela Couche-Tard irá refletir tanto as operações na Europa como as no Brasil, que representam em torno de 20% da receita total da rede francesa.

“Dessa forma, uma melhor avaliação do grupo implicaria que a empresa canadense estaria vendo um maior valor potencial tanto nas operações da Europa como nas brasileiras”, apontam Marcos Nardini, Thiago Suedt e Daniella Eiger, analistas do setor de varejo da XP Investimentos em relatório.

Outra questão destacada no mercado é que, caso haja a transferência do controle da varejista para a empresa canadense, seria acionado direito de tag along (mecanismo previsto na Lei das empresas de Sociedade Anônima que visa dar mais garantia aos acionistas minoritários nos casos de mudança no controle) para os detentores de papéis da companhia.

No caso do Carrefour Brasil, cujas ações estão listadas no Novo Mercado, o mais alto nível de governança corporativa da B3, o tag along é de 100%: ou seja, caso a empresa seja vendida, o acionista minoritário tem o direito de receber 100% do valor por ação recebido pelo controlador.

Contudo, aponta Gustavo Akamine, analista da Constância Investimentos, há também algumas incertezas e conflitos sobre o tag along, uma vez que há alguns possíveis cenários na mesa. Dentre eles, se for decidido o tag along de 100% para a operação brasileira, a varejista canadense poderia desistir da oferta. Ou também poderia haver um impasse, já que há diferentes direitos estabelecidos nos países para os minoritários em caso de mudança de controle. Assim, seria necessário observar mais detalhes da oferta.

Neste sentido, destacou o Credit Suisse em breve nota aos clientes, o valor atribuído às operações brasileiras deve ser o catalisador para os ativos CRFB3 nos próximos meses.

Com a forte valorização do Carrefour Brasil, os papéis do Pão de Açúcar (PCAR3) também chegaram a registrar forte alta na Bolsa durante a sessão, de mais de 5%. Conforme apontam os analistas da XP, a performance positiva das ações do GPA decorre de uma leitura comparativa entre as duas companhias. “Caso a fusão seja de fato confirmada, isso levaria a um re-rating de CRFB3 e, potencialmente, do setor como um todo”, avaliam.

A casa de research Levante Ideias de Investimentos aponta ainda que a notícia também seria positiva para o Casino, o controlador de Pão de Açúcar e um dos gigantes do varejo francês, que está em fase de reestruturação financeira. Tal notícia poderia abrir uma janela para seguir algum movimento de fusão e aquisição (M&A). Mais de uma vez, surgiram rumores de que o Casino poderia vender o Pão de Açúcar – mas negados pelo controlador.

Porém, com a operação da Couche-Tard, a princípio, o mercado ficaria mais aquecido. Isso porque, caso a transação entre a gigante canadense e o Carrefour seja concluída, criando o terceiro player mundial de varejo, isso mudaria o xadrez da concorrência tanto na Europa quanto no Brasil. Assim, aumentaria a a pressão sobre gigantes europeus como Ahold, Sainsbury, Tesco e Aldi para retomarem seu ímpeto aquisitivo e buscarem escala regional, conforme destacou o Brazil Journal.

Porém, o movimento de alta para as ações de ambas as companhias foi amenizando durante a sessão com a percepção de que obstáculos podem estar no radar para a conclusão da operação.

Os analistas da XP, que soltaram relatório com a ação perto da máxima do dia, apontaram que o mercado estava precificando uma probabilidade de 54% da fusão ocorrer. Contudo, de acordo com a própria Couche-Tard, ela está somente analisando uma potencial fusão com o Carrefour. Portanto, a fusão não está confirmada.

Além disso, diferentemente das ações do Carrefour, as ações da Couche-Tard na verdade estão acumulando uma queda de 12% no mesmo período, sinalizando que o mercado não viu a notícia como positiva do ponto de vista da companhia.

“Na nossa opinião, a visão negativa pode ser explicada por dois principais pontos: (i) movimento para o formato de super/hipermercado não ser óbvio, uma vez que seu modelo de negócio se baseia em formatos de conveniência e lojas de postos de gasolina e (ii) ganhos de sinergias parecem limitados, dado o posicionamento geográfico das companhias em diferentes continentes além dos formatos possuírem modelos de negócio específicos”, ponderam os analistas.

Assim, entendem  que há um risco da transação não ocorrer, o que poderia levar a uma correção das ações do Carrefour dos níveis atuais. A recomendação da XP segue neutra para os ativos, com preço-alvo de R$ 22,00 por ação.

Ainda mais desafios no radar

A Bloomberg destacou ainda que a oferta enfrenta uma série de desafios, incluindo a reação às vezes negativa da França às aquisições de suas empresas de primeira linha. O Carrefour é o maior empregador do setor privado do país, o que torna a abordagem potencialmente sensível quando a crise de Covid coloca os empregos no topo da agenda política.

Além disso, também destaca que a criação de um potencial gigante de varejo transatlântico daria ao Carrefour um parceiro valioso para uma reestruturação muito necessária, mas reforçando a avaliação de que a combinação pode não render economias de custos significativas. “Estamos um pouco surpreendidos”, disse em relatório James Grzinic, analista do Jefferies. “O formato e a sobreposição geográfica entre os dois são virtualmente inexistentes.”

Embora o baixo preço das ações do Carrefour – que são negociadas com desconto significativo em relação aos pares europeus – o torne um alvo atraente, a empresa canadense enfrenta vários obstáculos para sua possível oferta. O Carrefour, que tem cerca de 320 mil funcionários no mundo todo, gera cerca de metade das vendas na França, onde aquisições estrangeiras foram bloqueadas pelo governo no passado.

Em 2005, políticos franceses desaprovaram conversas sobre o interesse da PepsiCo pela Danone, o que freou uma possível compra. Mais recentemente, acordos como a aquisição da unidade de energia da Alstom pela General Electric foram aprovados com condições rigorosas.

A expectativa é de que a França examinará cuidadosamente o acordo, dadas as raízes históricas do Carrefour no país, o número de empregos envolvidos e a turbulência no setor de varejo, disse à Bloomberg uma autoridade que advertiu que o governo não recebeu detalhes sobre o acordo proposto.

A França também é um dos mercados de varejo de alimentos mais competitivos da Europa, dominado por empresas de capital fechado com menos restrições do que companhias listadas. Pioneiro do formato de hipermercados, o Carrefour perdeu terreno na França nos últimos anos para a Leclerc e redes de desconto alemãs e está no meio de um plano de reestruturação iniciado pelo CEO Alexandre Bompard. Os principais investidores da empresa incluem Bernard Arnault, bilionário que é presidente do conselho da gigante de luxo LVMH.

Para a Couche-Tard, que construiu um império adquirindo rivais menores, primeiro no Canadá antes de entrar nos Estados Unidos em 2001 e na Europa em 2012, a oferta do Carrefour pode ser uma “abordagem oportunista”, disseram analistas do UBS analistas em relatório. A Couche-Tard, com a compra do Carrefour, ganharia mais de 2,8 mil supermercados na Europa e 703 hipermercados de grande formato, e também se expandiria na América Latina, onde a rede francesa tem lojas na Argentina e no Brasil.

Neste sentido, os analistas da Levante Ideias de Investimentos apontam que, apesar da pressão por preços menores, problemas com sindicatos e margens apertadas na Europa, o Carrefour Brasil vem tendo um desempenho destoante da operação europeia, com margens em níveis saudáveis e em patamar mais alto desde seu IPO no Brasil e vem ganhando participação de mercado de maneira acelerada, com a estratégia digital e expansão de sua rede de atacarejo ganhando tração devido à pandemia, porém sem refletir nos preços de suas ações.

Porém, há muitas incertezas no radar, o que explica o passo para trás dado pelos investidores após a euforia observada no final do pregão da véspera e no início da sessão desta quarta.

(Com Bloomberg)

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.