Carlos Kawall: Brasil vai sair da UTI em 2017, mas não salvará década perdida

Estamos diante de uma condução política econômica correta no Brasil combinada com um cenário internacional favorável, mas isso não será suficiente para que a saída da crise seja rápida como as anteriores, afirma economista-chefe do Safra

Thiago Salomão

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SÃO PAULO – Carlos Kawall manteve a metáfora médica já apresentada em 2016 para definir o “quadro clínico” brasileiro. Em setembro do ano passado, o economista-chefe do Banco Safra e secretário do Tesouro durante o governo Lula, havia dito que a economia brasileira “segue na UTI, mas saiu trocou a unidade do SUS pela do Albert Eistein” (link aqui). Seis meses depois, ele crava: o Brasil vai sair da UTI em 2017. Mas isso não é motivo para ficar super otimista.

Em palestra apresentada no almoço mensal da OEB (Ordem dos Economistas do Brasil), Kawall explicou que, apesar do diagnóstico mais favorável para o paciente, a recuperação tupiniquim não será na mesma intensidade de outras crises. “Quando um paciente sai da UTI, ele não joga uma partida de futebol no dia seguinte. É preciso uma recuperação mais calma, com acompanhamento médico”, disse o economista nesta sexta-feira no tradicional restaurante do Edifício Itália, na região central de São Paulo.

Para Kawall, o Brasil passa neste momento por uma incomum coincidência favorável: não é comum presenciarmos uma condução política econômica correta no Brasil ao mesmo tempo em que temos um cenário internacional favorável – “geralmente, ou temos um ou outro”, disse o economista do Safra. Mesmo assim, a dramática condição de nossa economia só teve precedentes semelhantes nos anos 1980, o que o leva a crer que, para nos recuperarmos, “teremos que passar por mais uma década perdida”. Ele ilustra essa parte da apresentação que ele chamou de “tragédia” com o gráfico do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil no biênio 2015-2016, que ocupa a última posição do G20, além de citar a sequência histórica de quedas da atividade econômica.

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Confira os principais trechos da apresentação de Kawall feita nesta sexta-feira (10) no almoço da OEB:

Otimismo com o exterior
Nos fóruns globais que participamos, a menor das preocupações é a China, enquanto Estados Unidos e Europa crescem ligeiramente acima do seu produto potencial, além de também já enxergarmos uma tendência ascendente da inflação para ambos. Moral da história: o mundo vai indo perfeitamente bem, o que sinaliza que caminhamos para a normalização das políticas de juros baixos. A alta de juros nos EUA será muito gradual: embora para o mercado financeiro faça muita diferença termos duas ou três altas no Fed Fund Rate este ano, o impacto na economia será bem gradual. Tomamos como comparação o último ciclo de alta de juros por lá, que foi em 2004 com Alan Greespan na presidência do Fed: ele subiu as taxas por 8 vezes seguidas a 25 pontos em cada reunião.

Commodities
Este ano vamos ter um superávit da balança comercial ainda maior que a de 2016 – que já foi recorde. Estamos com uma safra espetacular e os preços das matérias-primas subiram bastante desde o ano passado. O minério de ferro, por exemplo, está perto dos US$ 90 atualmente, e no ano passado ele estava em US$ 45.

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Não perco o sono com Trump
Não perco meu sono com Donald Trump, nem me preocupo com o que ele postou no twitter. Minha preocupação lá é se a economia vai se recuperar mais rápido e se isso pode afetar a dinâmica dos juros – e consequentemente a nossa taxa de câmbio. Acho até que algumas coisas que ele está defendendo são boas para o Brasil, ele não está fazendo nada fora do normal no lado econômico. Deixando claro, não estou defendendo o governo Trump, estou apenas olhando pragmaticamente para o que tem sido feito. 

Wall Street na máxima é bom para nós
Outro fator que também está nos ajudando é a alta das bolsas norte-americanas. Como o Brasil está vivendo uma crise de alavancagem, muitas empresas precisarão vender ativos ou se financiar através de oferta de ações. Com Wall Street na máxima histórica, essas empresas podem buscar IPOs (Oferta Pública Inicial) em níveis de preços mais interessantes. Essa alta das ações vai nos ajudar. 

Projeção de PIB 2017 está igual ao da “era Dilma”
Nossa projeção para crescimento do PIB do Brasil em 2017 hoje está em 0,2%, mesmo nível do cálculo feito no fim de 2015, quando ainda tínhamos Dilma como presidente. Há algo muito mais fundamentado para explicar por que economia do Brasil não reagiu mesmo com a troca de governo. Um fator que ajuda a explicar está nos índices de confiança, que mostraram forte inclinação para cima sem que essa percepção se transformasse em melhoria real da economia. Por isso que muitos colegas meus estavam projetando um crescimento do PIB na faixa de 1% ou até 2%.

Selic, inflação e câmbio
Projetamos corte de 100 pontos-base na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) em 12 de abril, o que levará a Selic para 11,25% ao ano. Projetamos uma taxa básica de 8,5% ao final de 2017 e de 8% em 2018. Para câmbio, nossas projeções são de R$ 3,30 para este ano e R$ 3,45 no final do próximo, mas se a taxa se mantiver nos níveis atuais (o dólar comercial tem operado na faixa dos R$ 3,15/R$ 3,20), os juros podem cair ainda mais no Brasil. Já a inflação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) projetada por nós no Safra é de 4,3% para o biênio.

Recuperação do “investment grade”? Não conto com isso
Em média, países que perdem o “grau de investimento” demoram entre 5 a 10 anos para recuperar esta nota. Mas o que podemos ver é uma normalização na perspectiva de rating calculada pelas agências (atualmente, o rating do Brasil tem perspectiva negativa para as três principais agências – S&P, Moody’s e Fitch). Recentemente, o risco-Brasil no mercado internacional chegou a nívels de país “grau de investimento”. Contudo, conversei com uma das agências de rating, e ela usou os seguintes argumentos: “a dívida tá caindo? Não, tá subindo. O PIB cresceu? Não, só o mercado projetou que vai crescer”. Então não tem como subir o rating, mas o que ela sinalizou é que a nota deve parar de cair. Conseguimos mudar a situação que vinha desde 2015 e que certamente puxaria nosso rating para níveis ainda mais baixos do que o atual. Mas embora o rating do Brasil não suba, a nota da Petrobras foi elevada recentemente, já que ela que está conseguindo diminuir sua dívida líquida e está avançando na agenda de venda de ativos.

Eu estou cético quanto a isso, mas não ficarei triste caso esteja errado.

Thiago Salomão

Idealizador e apresentador do canal Stock Pickers