“Acho difícil ter uma crise cambial no Brasil”, diz Alexandre Schwartsman

Ex-diretor do BC afirma que perfil da dívida mudou muito nos últimos 10 anos e que principal consequência do câmbio é a inflação

João Sandrini

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(CAMPOS DO JORDÃO*) – O economista, consultor e ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman acredita que o Brasil não corre o risco de sofrer com uma crise cambial apesar da forte desvalorização do real nos últimos meses e da rápida deterioração das contas externas. Durante o congresso da BM&FBovespa que acontece em Campos do Jordão (SP), ele disse que é provável que o déficit externo deverá crescer para cerca de 3,5% a 4% do PIB neste ano, mas lembrou que o perfil da dívida brasileira mudou muito em uma década. O Brasil se tornou credor líquido em dólares – ou seja, a dívida em moeda estrangeira é menor do que as reservas -, o que faz com que a desvalorização do real tenha o efeito positivo de reduzir a dívida líquida do governo. Veja a seguir os principais trechos da palestra e da entrevista de Schwartsman:

CÂMBIO

O câmbio não pode ser colocado em determinado valor pelo governo no longo prazo. Dá para tentar manipular outras variáveis que influenciam o câmbio, mas não o câmbio em si. A maioria dessas variáveis está completamente fora do poder governamental. O câmbio depende principalmente de quatro números: dos termos de troca (preços de importações e exportações), do risco-país (apetite por ativos locais), da cotação internacional do dólar (reflexo agora da expectativa de mudança da política monetária americana) e da dívida externa (essa não tem muita relevância agora). Quando as commodities se valorizam 10%, o real sobe 6%. Quando o índice de volatilidade VIX (que mede o risco) aumenta, o real cai. Quando há um diferencial de taxa de juros de 1 ponto percentual no Brasil em relação ao exterior, o real se valoriza 0,8 ponto. Apesar de todas essas forças terem seus efeitos, o principal efeito sobre o real é o do preço das commodities. Já a única variável que está sob o controle do governo é a taxa de juros. Mas o poder dos juros sobre o câmbio é menor que o das outras variáveis. As intervenções do BC podem ajudar a trazer a cotação do dólar para onde o governo quiser. Mas não se sabe o que realmente o governo quer. Primeiro ele queria depreciar o real, agora quer segurar. Primeiro o mingau estava muito frio e agora está muito quente.

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Acho difícil haver uma crise cambial no Brasil nas atuais circunstâncias. Tem uma deterioração das contas externas, com um déficit projetado de 3,5% a 4% do PIB neste ano. Mas não desperdiçamos totalmente os últimos anos. Houve uma mudança do perfil da dívida externa. O país e o governo são muito mais endividados em reais. É credor externo e devedor interno, em termos líquidos. Mesmo o investidor externo hoje vem para o Brasil e investe em títulos em reais. Então há um cará ter pró-cíclico no passivo externo. Isso tirou o medo da desvalorização cambial do ponto de vista de dívida. Antes aumentava a dívida quando o câmbio subia. Tinha consequência nefasta porque elevava o passivo de empresas e do governo. Se não fizerem nenhuma bobagem, a possibilidade de uma crise cambial não me tira o sono agora.

INTERVENÇÕES

A partir de 2012, o câmbio se valoriza muito mais que a queda do preço das commodities. No início, o governo promoveu a desvalorização da moeda, com o IOF e o compulsório sobre posições vendidas. A percepção de risco aumentou e essa desconfiança leva a uma desvalorização maior do real. Quando o câmbio começa a desviar muito, deveria ficar mais tentador vender moeda. Só que está demorando para aparecer vendedor. O problema é que as políticas de intervenção do passado puniram o vendedor de moeda estrangeira no mercado futuro. O IOF e o compulsório impuseram perdas grandes aos investidores. Numa situação como essa, ninguém entra para vender moeda estrangeira no mercado futuro porque, quando a moeda começar a reverter o curso, o mercado teme perder dinheiro de novo com uma canetada. As pessoas aprendem com o que aconteceu.

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PIB

O PIB cresceu 4% ao ano na década passada porque a taxa de desemprego era de 12% e veio para 5%. Agora não vamos trazê-la de 5% para -2%. O crescimento acima do potencial da década passada teve o efeito benéfico de baixar o desemprego. Mas é importante notar que crescimento potencial sempre foi muito menor do que 4% – do contrário, não teria havido essa queda do desemprego. O Brasil tem muito que aprender com a Austrália. Os termos de troca os favoreceram muito na década passada, assim como o Brasil. Agora eles estão passando muito melhor pelo atual momento porque a economia é mais flexível, tem contas fiscais mais bem arranjadas e instituições mais sólidas. Eles conseguem crescer e manter o tripé, independente do cenário. Não precisa nem ir tão longe, basta olhar para Chile e México.

Dá para crescer com estabilidade, basta fazer reformas. O câmbio não importa muito quando é flutuante. Ele ajuda a absorver choques externos e ajustar economia. O crescimento da economia de longo prazo depende menos do câmbio do que parece. Não é só ter câmbio de R$ 2,70 para produzirmos bens em estado de arte. Depende mais da produtividade, que ninguém sabe direito como melhorar. Mas tem sinais: mercados mais flexíveis, regras estáveis, instituições que permitem que todos se apropriem da riqueza. É deixar o tripé cuidar da estabilidade e tentar acelerar o crescimento vias reformas. No começo do governo Lula, o câmbio estava depreciado e a inflação, acima da meta. O Lula divulgou a Carta ao Povo Brasileiro, trouxe o Antonio Palocci e o Henrique Meirelles para o governo e aumentou superávit primário. Também fizeram algo que era o contrário do que o PT sempre pregara que foi a reforma da previdência. Por analogia, hoje tem que ser feito alguma coisa do lado fiscal, mas não um anúncio pouco crível. Não adianta nada divulgar um número e depois alguém do Tesouro dar um “jeitinho” para entregá-lo. O governo deveria fazer um anúncio que custe capital político, mas que seja necessário. Poderia mandar outra reforma previdenciária, por exemplo. Mas acho que a chance de isso acontecer é zero.

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INFLAÇÃO E JUROS

O BC está subindo os juros, mas ninguém acredita que entregue inflação na meta. Ele não quer entregar inflação na meta. Parece que há um teto para até o onde os juros podem subir. A inflação tem ficado persistentemente acima da meta. Nos últimos meses, a inflação caiu no resto da América Latina, mas não chegou mais perto da meta no Brasil. A política fiscal não ajuda, é sempre expansionista. O Orçamento de 2014 prevê crescimento do PIB de 4% – não vamos ter isso e não conseguiremos atingir o superávit primário necessário.

*O jornalista João Sandrini viajou a convite da BMF&FBovespa