Brasileiros recorrem à Justiça contra empresa que bloqueou resgates de criptomoedas

Braiscompany não libera os saques de parte dos clientes desde o final de 2022

Lucas Gabriel Marins

Publicidade

A Braiscompany – empresa que afirma trabalhar com locação de criptoativos e promete pagar rendimentos fixos mensais, algo incomum no mercado de ativos digitais – ainda não regularizou os pagamentos dos clientes. Além disso, a firma cripto não provou que tem dinheiro para pagar os clientes, conforme havia prometido em live realizada com advogados na semana passada.

Por causa dos atrasos, que vêm se arrastando desde o final de dezembro, algumas pessoas começaram a recorrer à Justiça. Nesta semana, pelos menos dois processos foram abertos no judiciário da Paraíba, estado onde o negócio está baseado. A reportagem do InfoMoney teve acesso às petições.

Nos dois casos, os investidores pedem a devolução do dinheiro não recebido e a anulação de uma multa de 30% aplicada pela empresa àqueles que decidem retirar o dinheiro. Uma das ações recebeu “prioridade processual” porque o cliente está no meio de um tratamento de câncer.

Continua depois da publicidade

“Seduzido pelos altos índices remuneratórios mensais, expostos nas divulgações publicitárias e na suposta credibilidade da parte ré, a parte autora entregou/cedeu as suas suadas economias, transferindo a quantia referente a R$10.065,22”, disse na petição a defesa do investidor. Investidores dizem que a empresa garante até 9% ao mês.

De acordo com Richard Andrade, advogado da área de direito do consumidor que está acompanhando de perto o caso Braiscompany, os processos devem aumentar nos próximos dias. “Como os atrasos por parte da empresa são recentes, com menos de um mês, acredito que o número de processos judiciais para restituição do valor aportado começará a aumentar significativamente a partir de fevereiro”, falou.

Na semana passada, um ex-cliente da firma cripto criou a Associação de Vítimas da Braiscompany (AVB) para apoiar as pessoas que não conseguem reaver o dinheiro. No mesmo período, outro grupo de advogados também fez uma denúncia formal na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) alegando que a Braiscompany faz oferta irregular de valores mobiliários.

Continua depois da publicidade

No protocolo apresentado ao regulador, eles citaram que a empresa tem um modelo de negócio semelhante ao da Rental Coins, golpe financeiro com cripto criado pelo “Sheik das Criptomoedas”, preso no ano passado. Essa informação havia sido apontada pelo InfoMoney em matéria recente.

Leia mais:

Prova, manifestações e críticas

Em live realizada na semana passada na rede social de um advogado especializado em cripto, o CEO da empresa, Antonio Inacio da Silva Neto (conhecido como Antonio Neto Ais), disse que a empresa tem 10 mil clientes, e apenas 100 pessoas estariam com os pagamentos atrasados.

Continua depois da publicidade

Ele falou também que divulgaria uma prova demonstrando que a empresa tem recursos para liquidar as dívidas.  No mercado cripto, é relativamente simples provar a posse de fundos. Basta apresentar o endereço da carteira com os recursos, que fica registrada na blockchain, um grande banco de dados público que qualquer um pode verificar.

Em vez da prova dos fundos, no entanto, ele divulgou um vídeo, segundo relatos.

A reportagem entrou em contato novamente com a Braiscompany, por meio do e-mail disponibilizado no site, e perguntou por que os pagamentos estão atrasados e quando a situação será normalizada, mas não recebeu resposta até a publicação desta matéria.

Continua depois da publicidade

No mês passado, a empresa afirmou que os atrasos estavam ocorrendo por causa de problemas com o desenvolvimento de um aplicativo do negócio. Depois, começou a jogar culpa na Binance, corretora da qual a Braiscompany diz que depende 100% para operar e fazer pagamentos dos clientes.

Em nota de esclarecimento divulgada nesta semana, a empresa cripto voltou a terceirizar a culpa. “Por motivos que ainda não sabemos explicar, a Binance começou a travar nossas operações de saques, limitando nossa capacidade de pagamento praticamente a 10% (dez por cento) do que necessitaríamos a cada 10 (dez) dias”.

Sem citar a empresa, a Binance disse que não realiza “quaisquer ações em contas que não sejam devidamente embasadas nos termos e condições, contratos e políticas vigentes e aceitos por todos os usuários”.

Continua depois da publicidade

Falou ainda que tem uma “equipe de investigação de renome mundial, com ex-agentes que trabalham em constante coordenação com autoridades locais e internacionais no combate a crimes cibernéticos e financeiros, inclusive no rastreamento preventivo de contas suspeitas e atividades fraudulentas”.

A Braiscompany continua recebendo uma enxurrada de críticas de usuários na plataforma Reclame Aqui, em redes sociais e em grupos de conversa. Conforme relatos em grupos de conversa e matérias de portais de notícias especializados na cobertura cripto, houve uma pequena manifestação de clientes na sede da empresa, em Campina Grande.

Em meio às críticas, o CEO da empresa fez uma live no Instagram e disse que ele e seu império cripto estão sendo perseguidos. “O sistema quer acabar com tudo que é disruptivo. Você acha que quem está nos perseguindo é peixe pequeno?”, disse Neto, se referindo também aos textos sobre o assunto publicados em sites. “Eu não vou parar diante das críticas”, falou.

Passado

A Braiscompany foi fundada em 2018 por Silva Neto e sua esposa, Fabricia Farias Campos (conhecida como Fabricia Ais), segundo consulta no site da Receita Federal. A firma tem um modelo de negócio baseado em locação de criptomoedas, que basicamente consiste em segurar os ativos digitais das pessoas e pagar juros mensais que, segundo os clientes, podem chegar a 9%.

A captação de recursos e a promessa de pagamento fixo não são comuns no mercado cripto, conhecido por sua oscilação.

A empresa chegou a entrar na mira da CVM em 2020. Por causa de indícios de crime contra a economia popular, no entanto, o órgão repassou o caso para o Ministério Público da Paraíba. Em nota enviada para o InfoMoney na semana passada, o MP disse que o processo contra a empresa foi arquivado “por não ser órgão de consulta que garante ou não idoneidade de empresa e por não haver lesão ao consumidor”.

Antes de abrir o negócio, Silva e Fabricia trabalhavam na D9 Club de Empreendedores, um conhecido esquema de pirâmide que usava o Bitcoin (BTC) como fachada para lesar vítimas, e que deixou milhares de pessoas no prejuízo no Brasil. Por causa do envolvimento com o golpe, o casal foi citado em diversas ações ao lado de Danilo Vunjão Santana Gouveia (conhecido como Danilo Dubaiano), fundador da D9 que fugiu para Dubai.

Em vídeos publicados no YouTube e em redes sociais, Silva também aparece como líder de um projeto suspeito, chamado Dreams Place Internacional. O negócio, que afirmava ser uma empresa de investimento, prometia pagar lucro de 1% ao dia.

Tópicos relacionados