Brasil precisa “criar um sonho” para ajuste ser aprovado, diz Gustavo Franco

Economista viveu essa experiência como presidente do Banco Central no governo FHC; "no meu tempo o sonho era óbvio, era a desinflação, hoje o sonho não é tão claro"

Thiago Salomão

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SÃO PAULO – “Sonhar grande e sonhar pequeno dá o mesmo trabalho”. O lema defendido pelas empresas de Jorge Paulo Lemann e seus sócios – e amplamente disseminado no mundo corporativo – poderia facilmente ser o ponto de partida para a equipe econômica de Michel Temer na arrojada tarefa de tirar o Brasil de uma de suas maiores recessões desde o início da República.

Quem explica isso é Gustavo Franco, atribuindo sua própria experiência no governo como exemplo: presidente do Banco Central no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, o economista disse que a adoção das medidas na criação do Plano Real só aconteceu pois eles conseguiram “vender o sonho” que os políticos tinham para o Brasil, que era a estabilização da inflação. O problema é que hoje em dia esse sonho não é tão óbvio assim.

“Pra fazer acontecer, essa equipe econômica precisa ter uma ambição grande, precisa ter um sonho pra convencer o meio politico. No meu tempo era fácil, já que a inflação rodava a 40% ao mês, mas hoje o sonho não é tão claro, precisa ser mais bem articulado”, disse Franco durante o evento “reinventando o Brasil – agenda de mudanças para o país”, promovido pelo Instituto Millenium na sede do BTG Pactual, em São Paulo.

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Sobre a resistência dos políticos para aprovar as impopulares medidas que os economistas tanto almejam, Gustavo Franco foi bem claro: “realmente não acho que vai ser problema. Se vier ‘redondinho’, passa, mas tem que chantagear um pouco”. Essa chantagem consiste em mostrar para o político as consequências para o Brasil de não se adotar tais medidas – algo que funcionou no seu tempo de governo. Com o governo “nas mãos” da equipe econômica, o poder de barganha de Meirelles e companhia naturalmente será alto. 

“O congresso não é irracional, embora pareça. Ele continua tendo uma minoria complicada, mas a maioria é racional e consegue ver as coisas”, disse complementou o economista, que também é sócio da Rio Bravo Investimentos, gestora que possui R$ 10 bilhões em ativos sob gestão e que foi adquirida no final de julho pelo grupo chinês Fosun. “A difícil dinâmica entre economia e política sempre existirá”, complementou.

Corte drástico na Selic não poderia ser o “sonho grande”?
Embora tenha dito que o “sonho” que a nova equipe econômica precisa criar não está tão claro quanto na sua época de presidente do Banco Central, Franco traçou um cenário das consequências positivas que um ciclo de corte de juros traria para o Brasil nesse ambiente de aperto fiscal. O problema, no entanto, seria explicar isso para a população em geral.

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Para quem acompanha o mercado de ações, o raciocínio é óbvio: uma forte queda na Selic já teria um impacto positivo imediato no valor de mercado das empresas listadas na BM&FBovespa, pois o preço das ações hoje representa os fluxos de caixa futuros desta empresa, trazidos a valor presente através de uma taxa de desconto; quanto menor a Selic, menor será essa taxa de desconto – e maior será o valor presente. “Certamente o valor de mercado da bolsa daria um salto. Mas isso é muito técnico pro Temer falar na televisão”, ressalta Franco.

Situação semelhante aconteceu na Europa, explica o economista: Portugal, Itália e outros países tiveram um salto na capitalização de suas empresas após entrarem na zona do euro. “A ideia aqui é que é possível ganhar dinheiro com isso”.

Franco aproveitou o gancho do assunto para “culpar” o modelo econômico do governo petista pela interrupção do ciclo de queda da taxa de juros, quando em 2013 a Selic bateu sua mínima histórica de 7,25% ao ano. “Se a gente tivesse continuado a fazer o que estava fazendo até então, a Selic hoje poderia estar em 5,25% ou menos. Mas não foi isso o que aconteceu. Naquele momento se introduziu a Nova Matriz Econômica, o governo Dilma Rousseff entrou em guerra com o capitalismo e não tinha como dar certo”, afirmou.

Atualmente em 14,25% a taxa de juros deve cair na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) dos dias 20 e 21 de outubro, conforme apontam os economistas e também a curva dos contratos de juros futuros. A dúvida está apenas na intensidade do corte – 25 ou 50 pontos-base. Sem dar pistas sobre seu palpite para juros, Franco preferiu dizer que o BC sempre vai buscar reduzir a Selic a cada sinal de melhora da situação estrutural. “Nós vamos oscilando, com tendência de queda, até onde der”.

Thiago Salomão

Idealizador e apresentador do canal Stock Pickers