Brasil está preparado para crescer do ponto de vista energético, diz especialista

Para o professor e diretor-geral do Instituto Federal de São Paulo, Luís Claudio Matos, uma das principais dificuldades do País está na falta de linearidade no consumo de energia

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – De uns tempos para cá, o antigo fantasma que deixou os brasileiros no escuro por algumas situações, 14 anos atrás, deu sinais de que poderia voltar a causar problemas no futuro próximo. O crescimento econômico experimentado pelo Brasil nos últimos anos não foi proporcionalmente acompanhado pelo incremento na oferta de energia elétrica no País. O resultado, segundo especialistas, pode ser igualmente ou até mais grave do que a crise hídrica que muitos Estados brasileiros vivem atualmente, apesar de muito menos discutido no espaço público.

Hoje, o nível dos reservatórios de importantes hidrelétricas do País se encontra próximo ao registrado em 2001, durante o período dos blecautes. Em uma tentativa de mitigar os riscos de maiores dificuldades, novas hidrelétricas foram construídas na região Norte, mas ainda não contam com interligação nacional. As medidas, no entanto, não se mostram suficientes para suprir todas as carências do setor.

Foi este o pano de fundo da nova postagem do Podcast Rio Bravo, que, coordenado pelo jornalista Fábio Cardoso, entrevistou Luís Claudio Matos, professor e diretor-geral do Instituto Federal de São Paulo. Na conversa, Matos alerta para o atual momento delicado em relação à geração e distribuição de energia e ressalta que é preciso pensar além da construção de novas usinas. Confira parte da entrevista:

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Rio Bravo: Como é composta a matriz energética brasileira?
Luís Claudio Matos – Se olhar pelas fontes primárias, 40% da nossa matriz energética vem do petróleo, enquanto somente 12,5% vêm da geração hidráulica, de energia elétrica. Ela é a quarta maior fonte de energia do país. Se eu olhar somente pelo lado da energia elétrica, 70% da nossa produção de energia elétrica vêm das usinas hidrelétricas, 11,3% do gás natural, 7,6% vem de biomassa, 4,4% derivados de petróleo, 2,6% carvão, 2,4% nuclear e 1,1%, somente, de energia eólica.

RB: E por que demorou tanto para o país inserir outras fontes de energia no sistema, apesar do clima favorável para essas outras fontes?
LCM – Quando nós tivemos o apagão em 2001, a primeira coisa que foi questionada é por que o Brasil insistia tanto em energia hidráulica, que é suscetível às condições atmosféricas. Aí se questionou por que o Brasil não investia em fontes alternativas, como energia térmica. O Japão é praticamente predominantemente geração nuclear ou térmica através de petróleo. Boa parte da geração dos Estados Unidos também é térmica, outros países também, que não têm potencial hidráulico que nós temos, normalmente optam pela geração térmica. Embora a gente ache que o país seja propenso à energias alternativas, nós temos alguns gargalos. Um deles, por exemplo, é que a geração eólica, que é mais difundida hoje em dia, se restringe, praticamente, ao nordeste e ao sul, porque é onde temos uma quantidade de vento razoável para produzir energia elétrica com certa facilidade.

RB: É possível investir nessas fontes alternativas em curto espaço de tempo?
LCM – Sim. O país está investindo. Só para termos uma ideia, no ano passado, de 2012 para 2013, nós tivemos um crescimento na geração eólica de 30%, passando de 5 mil e 50 gigabytes hora em 2012 para 6 mil 579 gigabytes hora. Lembrando que o Brasil é o 7º maior país em fontes alternativas de energia, com uma capacidade de 30,6 gigawatts, com dados de 2010. O país está investindo pesadamente em energia eólica.

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RB: E no tocante às empresas, elas têm como investir nesse sistema alternativo? Aliás, elas deveriam investir nesse sistema alternativo de geração de energia?
LCM – Sim, e, na realidade, hoje elas já fazem isso, muitas empresas já fazem. Se você pensar que hoje as empresas que estão em um determinado patamar de energia conseguem, por exemplo, negociar diretamente com os produtores a compra da energia elétrica deles, as empresas maiores, eles escolhem quem é o fornecedor. Esses são os chamados níveis consumidores. Outra questão é que, em função da crise de 2001, muitas empresas entraram no trâmite de não depender mais somente das concessionárias de energia para fornecer energia. Então, eles começaram a adquirir novos sistemas de geração, desde geração térmica, através de óleo combustível, que é o gerador a diesel, por exemplo, até mesmo construir pequenas usinas, as PCH’s para alimentar suas instalações. Isso fez com que o consumo de energia geral das empresas de energia, das concessionárias, diminuísse.

RB: Havendo um aumento da produção industrial, a atual capacidade de geração de energia tem como dar conta desta nova demanda?
LCM – A resposta é sim e não. Se você olhar o consumo médio de energia no país, nós estamos aí na faixa de 60 a 70 mil megawatts de potência consumida. A potência que a gente demanda dos nossos sistemas é em torno de 70 mil megawatts, enquanto que a nossa capacidade de geração é em torno de 100 mil megawatts. Então, nós temos uma certa folga. Aí você fala: “Por que eles falam de crise?” Porque, simplesmente, nossa carga não é linear durante todo o dia. A gente está falando de uma média. Quando eu falo da carga, a nossa carga, historicamente, cresce durante o dia, chegando no horário de ponta a quase o limite da geração. Quando a carga chega próximo ao limite da geração, temos que deixar todas as usinas hidrelétricas, e às vezes até as térmicas, funcionando ao máximo para dar conta disso. Porque se a curva de carga passar a curva de geração eu tenho um blecaute: o sistema não aguenta e ele derruba o sistema como um todo. Como o sistema é interligado, apaga o país inteiro. Inclusive, recentemente, nós tivemos algumas situações já numa situação de princípio de blecaute. Nosso problema de energia não está ao longo do dia, ele está no horário de pico. O que o Brasil poderia fazer é: contratar energia da Argentina ou outros países da região, para suprir essa demanda no horário de pico.

RB: Do ponto de vista energético, o Brasil está preparado para crescer? Que tipo de estratégia é possível traçar a essa altura para tentar evitar um cenário mais drástico?
LCM – No meu ponto de vista, o Brasil está preparado sim. Por quê? A nossa matriz energética não é unicamente energia elétrica. A gente tem uma boa base de petróleo, gás natural, embora seja importado, a gente tem a geração nuclear, que podia ser uma alternativa. O problema é o custo dessa geração, que talvez encareça um pouco os produtos no final da cadeia de produção. Uma das coisas que tem que ficar claro é: toda vez que se fala em crise de energia elétrica, todo mundo fala na construção de usinas. Eu não vejo ninguém falar no trabalho do lado da carga. Se eu conseguir fazer com que a carga consumida no Brasil seja mais linear durante o dia, eu não tenho um pico de consumo no horário de ponta. Essa carga seja mais distribuída durante o dia dou uma folga para o meu sistema elétrica de 30% de imediato, que é uma coisa que daria para fazer planejamento em longo prazo com a energia elétrica.


Outra questão é: por que eu não trabalho com a eficiência da carga? Muitos trabalhos são feitos, até nas próprias universidades, do lado da geração. Como produzir energia? Como melhorar energia? Energia eólica, energia solar… Mas elas não são soluções absolutas. Todas elas têm os seus problemas, todas têm impacto ambiental, impacto na vida das pessoas… O que deveria ser feito de imediato, e que surtiria um efeito claro – talvez com um custo muito menor de implantação -, seria o trabalho do lado da carga. É isso que a gente às vezes percebe que não é feito.

Para conferir a entrevista na íntegra, clique aqui.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.