Bolsonaro acumula atritos e derrotas no Congresso e no STF em 6 meses, mas Previdência avança

A recusa do presidencialismo de coalizão impõe a Bolsonaro a perda de controle da agenda legislativa e uma dificuldade de aprovar suas próprias proposições no Poder Legislativo. Por outro lado, a principal pauta do início do mandato está caminhando na Câmara dos Deputados

Marcos Mortari

(Marcos Corrêa/PR)

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SÃO PAULO – A seis meses no comando do país, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) coleciona disputas internas, atritos com o Congresso Nacional e decisões desfavoráveis no Supremo Tribunal Federal. Ninguém imaginou que seria fácil, mas a promessa de uma gestão disruptiva, que inauguraria um novo estágio nas relações entre governantes e eleitores, tem enfrentado obstáculos e desafiado as estratégias e compromissos assumidos pelo capitão reformado durante as eleições.

A recusa do presidencialismo de coalizão impõe a Bolsonaro a perda de controle da agenda legislativa e uma dificuldade de aprovar suas próprias proposições no Poder Legislativo. “O presidente simplesmente resolveu não usar suas ferramentas e jogar um jogo diferente do que é o presidencialismo de coalizão”, observa Vítor Oliveira, consultor político da Pulso Público.

Além do tradicional debate sobre o compartilhamento de poder via acesso a cargos no governo e a liberação de recursos para a execução de emendas parlamentares, o especialista chama atenção para a importância de mecanismos que a presidência dispõe para iniciar o processo legislativo e mudar o status quo do dia para a noite – caso de medidas provisórias e decretos ou até mesmo o poder de veto sobre projetos.

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“O presidencialismo de coalizão não se limita à questão dos cargos, mas há acordos sobre políticas públicas e leis que devem ser levadas adiante. E isso não está acontecendo. Há uma estratégia do governo de não compartilhar o governo, no sentido não apenas dos cargos, mas das ferramentas legislativas e a formulação de políticas públicas”, pontua.

Uma das consequências observadas deste novo quadro formado é a maior descoordenação entre os Poderes, além de uma busca por protagonismo pelos parlamentares. O governo, minoritário nas duas casas legislativas, tem menor poder de fazer avançar agendas de seu interesse.

“Não faz sentido para o Legislativo aparecer como se estivesse impedindo o governo de governar. Ele só está reforçando sua posição institucional. Então, pouco a pouco, vai minando o poder de iniciativa e as ferramentas legislativas que o presidente tem”, analisa.

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Na prática, o recado é simples: se o presidente não deseja jogar o jogo do presidencialismo de coalizão, ele tampouco terá à sua disposição os instrumentos típicos deste modelo. Foi o que se observou com as dificuldades enfrentadas pelo Palácio do Planalto em aprovar medidas provisórias no parlamento e com derrotas sofridas em votações pedindo a revogação de decretos.

Na avaliação de Oliveira, há semelhanças entre o receituário adotado por Bolsonaro e o usado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello (ex-PRN) – mas isso não necessariamente significa que o atual mandatário hoje corre riscos reais de sofrer impeachment. Outra comparação que passou a ser feita, com a mesma ressalva, foi a com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). As dificuldades na relação com o parlamento também foram características marcantes da administração da petista.

“Não é o Congresso que está ganhando força, é o governo que é muito frágil. Dilma e Bolsonaro se aproximam muito, justamente quando falamos de incapacidade em estabelecer pontes de diálogo político”, afirma o cientista político Marco Antonio Teixeira, professor e pesquisador do DAPP (Departamento de Gestão Pública) da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas).

“O governo não dá sinais de que vai buscar uma relação harmoniosa com o Congresso. Quando ele assumiu a face mais plebiscitária e tenta estabelecer um processo de pressão da opinião pública por seus pleitos junto ao Congresso, ele está abrindo enfrentamento também. É um início muito tumultuado”, complementa o professor. O endosso das ruas a partir de manifestações em defesa de seus símbolos e protagonistas tem sido um dos trunfos de Bolsonaro desde que assumiu a presidência.

Em meio às dificuldades de coordenação com o parlamento e de imposição de uma agenda legislativa, decretos presidenciais assumem posição de destaque nas polêmicas envolvendo a atual administração. Elas são pivô de ao menos três reveses recentes do governo: flexibilização do acesso a armas de fogo, alterações na Lei de Acesso à Informação e extinção de conselhos federais. Sem acordo com as lideranças partidárias, houve revogação dos dois primeiros pelo próprio presidente Bolsonaro (em meio ao risco de perda de derrubada pelos próprios legisladores). O último foi limitado por decisão do STF.

“Diferentemente de outros governos, muito rapidamente a administração Bolsonaro criou uma relação de animosidade com os outros Poderes. Essa tentativa de emplacar, via decreto, pautas que só poderiam passar por projeto de lei é, em alguma medida, certo abuso de suas competências. Isso desgasta o próprio Executivo na sua relação com os outros Poderes”, observa Andréa Freitas, professora do Departamento de Ciência Política da Unicamp e coordenadora do Núcleo de Instituições Políticas e Eleições do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Para a especialista, mais relevante ainda do que eventuais derrotas sofridas pelo governo em medidas provisórias editadas e decretos publicados, chama atenção o fato de o primeiro semestre de gestão Bolsonaro ter sido marcado por poucas conquistas, do ponto de vista de produção legislativa – embora seja importante a ressalva dos avanços da reforma da Previdência no parlamento, principal proposta da agenda econômica.

“A questão da regra de ouro talvez tenha sido a única vitória expressiva neste início de mandato. Isso é muito incomum. Desde a proclamação da Constituinte, nunca tivemos um governo que foi tão mal nos primeiros meses”, avalia. Andréa vê dois fatores marcantes nos primeiros meses de governo Bolsonaro: 1) a baixa capacidade propositiva do Poder Executivo; 2) as dificuldades de a atual administração emplacar uma agenda, sobretudo quando esta exige tramitação no Poder Legislativo.

OS 6 PRINCIPAIS TROPEÇOS DO GOVERNO NO SEMESTRE

1. Informações secretas

Com poucas semanas de governo, Bolsonaro sofreu sua primeira derrota no plenário da Câmara dos Deputados em fevereiro. Na ocasião, os deputados derrubaram um decreto que alterava as regras da Lei de Acesso à Informação, permitindo que ocupantes de cargos comissionados pudessem classificar dados do governo federal como informações ultrassecretas e secretas. Antes de o texto ser analisado pelos senadores, o presidente voltou atrás e decidiu revogá-lo.

2. Orçamento impositivo

O Congresso Nacional promulgou nesta quarta-feira (26) emenda constitucional que prevê a execução obrigatória de emendas das bancadas estaduais no Orçamento da União. Segundo a nova norma – a de número 100 à Constituição –, a execução obrigatória dessas emendas seguirá as mesmas regras das individuais, que já são impositivas. Com a obrigatoriedade, as emendas de bancada corresponderão a 1% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior. Em 2020, no entanto, esse montante será de 0,8% da receita corrente líquida.

A iniciativa dos parlamentares engessa ainda mais o Orçamento federal e vai de encontro com a desvinculação e desindexação propostas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O governo chegou a tentar impedir a aprovação do projeto pelos congressistas, mas sem sucesso. Apesar disso, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, rejeitou a classificação do evento como uma derrota. A alegação é que a proposta converge com a máxima de “menos Brasília, mais Brasil” adotada pelo governo.

3.Código Florestal

Incomodado com o volume expressivo de Medidas Provisórias que chegam ao Senado com pouco tempo para análise, o presidente da casa legislativa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), impôs uma derrota ao governo Jair Bolsonaro ao se negar a colocar na pauta do plenário a MP 867/2018, que mudava regras de regularização ambiental. O texto, que havia sido aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados, onde sofreu significativas modificações, caducou no início do mês. Uma das modificações que chegaram a avançar pelo empenho da bancada ruralista estabelecia um novo marco temporal para exigir a restauração de área desmatada em diferentes biomas.

4. Conselhos federais

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, conceder uma liminar impedindo que o presidente Jair Bolsonaro extinga, por decreto, conselhos e comitês em que há participação da sociedade civil e cuja a existência conste em lei. A posição atendeu parcialmente a pedido feito pelo PT em uma ação direta de inconstitucionalidade, já que ainda permitia ao mandatário a extinção de colegiados ligados à administração federal que não estejam mencionados em lei específica. Para o partido de oposição, além de ser uma medida que atenta contra o princípio democrático da participação popular, a extinção dos conselhos federais somente poderia se dar por meio de lei aprovada no Congresso.

Esta foi a primeira vez que o plenário da corte analisou uma ação que contesta ato do atual presidente. O decreto, assinado na comemoração dos 100 dias de governo, determinava a extinção de todos os conselhos, comitês, comissões, grupos e outros tipos de colegiados ligados à administração pública federal que tenham sido criados por decreto ou ato normativo inferior, incluindo aqueles mencionados em lei, caso a respectiva legislação não detalhe as competências e a composição do colegiado. Segundo informações iniciais do governo, a medida acabaria com cerca de 700 colegiados, embora tais grupos não tenham sido listados.

5. Decreto das armas

Após rejeição no Senado Federal (por 47 votos a 28) e risco de derrota similar na Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro recuou e decidiu revogar decretos que flexibilizaram as regras sobre o direito a posse e porte de armas e munições no país. A medida foi uma de suas principais promessas de campanha na disputa eleitoral.

Depois dos tropeços no parlamento, com os presidentes das duas casas legislativas indicando elevado risco de derrota para o governo, Bolsonaro anunciou a edição de três novos decretos, com pontos teoricamente mais pacíficos entre Executivo e Legislativo, além do envio de um projeto de lei. O novo texto muda regras sobre o porte e a posse de armas no país, mas mantém a brecha para compra de modelo de fuzil até então de uso restrito às forças policiais.

6. Demarcação de terras indígenas

Após duras batalhas para conseguir aprovar, com alterações, medida provisória que tratava da nova configuração ministerial, o governo Bolsonaro enviou ao parlamento uma nova proposição transferindo novamente a demarcação de terras indígenas ao Ministério da Agricultura.

Assim como a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Economia para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, este havia sido um dos pontos excluídos pelos parlamentares do texto aprovado de última hora em junho. Os congressistas também desfizeram a migração da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves.

Por entender que, com o novo texto, Bolsonaro havia reeditado medida provisória já analisada pelos parlamentares em uma mesma legislatura (o que não é permitido pela legislação), o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, atendeu a pedido feito por partidos da oposição e suspendeu, em decisão liminar a medida em vigor.

No mesmo sentido, Davi Alcolumbre, que também preside o Congresso Nacional, revolveu devolver ao Palácio do Planalto o trecho da MP que tratava da transferência de competência do Ministério da Justiça ao Ministério da Agricultura. Segundo o parlamentar, a ação foi tomada após decisão conjunta dos líderes partidárias.

A EXCEÇÃO CHAMADA PREVIDÊNCIA

O ponto fora da curva do período é representado pela reforma da Previdência. Apresentada em fevereiro, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) tem avançado na Câmara dos Deputados, a despeito de alguns tropeços no caminho e atrasos no calendário inicialmente previsto.

A medida já foi votada na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) e agora tem o parecer do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) pendente de análise pelos deputados. Caso aprovada no colegiado, ela vai a plenário, onde precisa de pelo menos 308 votos em dois turnos de votação.

Nos últimos dias, o relator tem buscado realizar ajustes no texto enquanto são costurados acordos entre lideranças para a votação. Há um esforço para que a medida conclua sua tramitação na Câmara dos Deputados antes do recesso parlamentar – analistas são céticos e veem tendência de votação em plenário apenas em agosto.

O possível êxito da reforma previdenciária, porém, não poderia ser considerada uma exclusiva vitória do governo Bolsonaro. “É por causa do empenho de muitos deputados que ela tem andado. Se a reforma fosse caracterizada como uma pauta só do governo, ela provavelmente estaria estacionada”, observa Andréa.

“Se não fosse o Congresso assumir o protagonismo da reforma, talvez as dificuldades permanecessem. Há situações em que talvez a presença do governo, da forma como ele vem trabalhando, mais atrapalhe do que ajude. Então, quando o governo tira um pouco o time de campo, a reforma parece andar, uma vez que os consensos em torno da necessidade estão acima dos apoiadores do governo”, concorda Teixeira.

Para Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria Integrada, em algum momento de sua tramitação legislativa, a reforma da Previdência deixou de ser vista como uma agenda do governo Bolsonaro para ser associada com um “antídoto da elite política” a uma imagem negativa do parlamento alimentada pelo próprio bolsonarismo.

A preocupação, contudo, reside no que virá depois de aprovadas as mudanças no atual sistema de aposentadorias, quando os incentivos para apoiar agendas do Planalto poderão ser baixas entre os congressistas. O especialista defende que o bolsonarismo precisa ser observados sob uma ótica de sistema mais equilibrado entre os Poderes.

Nesse sentido, ele lembra duas decisões recentes que reforçam tal percepção. A primeira foi a aprovação do orçamento impositivo no parlamento, que restringiu ainda mais os poderes do presidente sobre o Orçamento público. Já a segunda consiste nas mudanças que devem ser aprovadas para as regras de tramitação de medidas provisórias, possibilitando a queda dos textos antes mesmo da conclusão da tramitação.

Com isso, o ambiente esperado para depois da tramitação da reforma previdenciária tende a ser marcado por maior hostilidade entre os Poderes e por uma agenda ainda mais dividida, inclusive com disputas mais acirradas dentro da própria base do governo.

“Se a reforma passar, a tendência é que a economia ganhe uma tração mais interessante. E se pensarmos isso ao longo de anos, pode deixar o presidente Bolsonaro mais popular. Isso preocupa os legisladores, por conta do estilo centralizador [do presidente]. Então, o incentivo para o parlamentar votar temas que vão ajudar o governo vai até a página 2. Esse equilíbrio que assistimos hoje tem certa data de validade”, diz Cortez.

Passada a previdência, as expectativas são de mais dificuldades na definição de pautas que unam diversas correntes de parlamentares. De qualquer forma, Andréa Freitas avalia que o governo está demorando para defender outras agendas no Legislativo. A pauta monotemática do momento tem gerado preocupação sobre o andamento de temas relevantes para o funcionamento da máquina pública.

“Para além de uma agenda efetiva que o governo possa ter, há questões relacionadas ao próprio funcionamento da máquina que têm que ser tocadas regularmente, em que a negociação com o Congresso é essencial. Temos visto pouca movimentação do governo em torna das matérias. Isso é preocupante”, diz a professora.

“A maneira como se organiza o presidencialismo brasileiro implica que o presidente tenha prerrogativa sobre certas iniciativas. O quadro que está se desenhando, de desgaste muito rápido com o Legislativo já no início, tem implicações grandes para o desenvolvimento do resto, para pensar como vai ser a discussão do Orçamento da União para o próximo ano. Há coisas grandes em jogo. O governo vai precisar se organizar e fazer isso muito rapidamente. Não acho que seja possível esperar a reforma da Previdência terminar sua tramitação. Não dá para esperar um ano para começar o governo”, conclui.

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(com Agência Brasil e Agência Senado)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.