BC sem interferências? O que muda com o projeto de autonomia assinado por Bolsonaro

A proposta assinada por Bolsonaro ainda terá que passar na Câmara e no Senado

Ricardo Bomfim

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São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro assinou na quinta-feira (11) um projeto de lei que estabelece a autonomia do Banco Central e, com isso, economistas vêm debatendo os efeitos da medida. O que para alguns é uma forma de livrar a autoridade monetária de interferências, para outros torna a condução da política econômica menos democrática. 

De acordo com o economista da agência de classificação de risco Austin Ratings, Alex Agostini, o BC é uma autarquia que deve ser composta por membros técnicos e não pode ser submetida a interesses políticos. Ele acredita que a imposição da autonomia em lei seria um passo importante para demover qualquer presidente da ideia de impor sua agenda à autoridade de política monetária.

No PL apresentado, a autonomia do Banco Central é garantida com a perda do status de ministro do presidente do BC e mandato fixo para o presidente e diretores da instituição, não coincidente com o mandato do presidente da República.

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Pela singularidade do Banco Central, no projeto, algumas garantias são conferidas aos seus dirigentes, como mandato de quatro anos, com possibilidade de recondução por mais quatro, e proteção jurídica conferida para que se dê de fato a autonomia que garanta a integridade da instituição. 

Segundo Agostini, para blindar totalmente o BC das pressões políticas, o cargo de presidente da autarquia deveria, como defende a proposta de Bolsonaro, ter mandatos não coincidentes com o do presidente da República e não poderia ser trocado pelo chefe do Executivo. Assim como ocorre atualmente nos EUA. 

“Em países desenvolvidos, o mandato do BC é estimular a produtividade, buscar o pleno emprego no mercado de trabalho e controlar a inflação”, explica Agostini. “Já no Brasil e outros emergentes, por conta da instabilidade da moeda e das oscilações bruscas no desempenho econômico, a última meta é a que prevalece.” 

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O economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, diz que quando a independência não existe, o Banco Central deixa de cumprir essas funções, com consequências muito negativas para a economia. “Esse PL é uma medida importante para não haver ingerência política. Na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, tentou-se baixar juros para cumprir promessas de campanha e os resultados foram desastrosos, levando a uma inflação de dois dígitos em 2015”, avalia. 

Por outro lado, o professor da Economia da Unicamp, Guilherme Mello, que foi assessor da campanha de Fernando Haddad à presidência da República, diz que o Banco Central tem autonomia no Brasil desde a redemocratização e não seria este o objetivo de Bolsonaro com o novo projeto. “É preciso definir o que entendemos por autonomia e independência. Pode-se discutir se a Dilma interferiu no BC, mas FHC, Lula e Temer não interferiram mesmo nas decisões impopulares”, lembra.

Mello entende que a independência decorrente dos mandatos não coincidentes com os do presidente da República e a impossibilidade de tirar do cargo um presidente de BC ineficaz, tornam o Executivo refém do Banco Central. A crítica dele passa também pelo fato da política cambial, que também está nas mãos do BC, impactar o fiscal, uma vez que lida com reservas e interfere no dinheiro do Tesouro. 

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“O presidente do Brasil não pode mexer nem na política monetária nem na cambial porque o BC tem autonomia, e agora nem na fiscal pode também porque existe uma Emenda Constitucional que congela os gastos por 20 anos”, afirma. “Se o Banco Central quiser, pode vender R$ 1 trilhão em swaps em uma decisão que só passa por um grupo de técnicos, enquanto o presidente, para mexer no Orçamento, sofre um controle, pois precisa passar pelo Congresso”, acrescenta. 

Para o economista, o argumento de que os técnicos do BC seriam mais eficientes do que os representantes do povo em conduzir a economia ignora que há um debate acadêmico na teoria monetária e poucas certezas. “Recentemente, os economistas mais importantes do mundo reviram suas opiniões de sobre política monetária. O próprio John H. Cochrane, que é da universidade de Chicago, diz que a realidade mostrou falhas no que se sabia sobre juros e crédito.”

Contudo, Jason Vieira lembra que há vários exemplos de quando a independência do BC gerou frutos positivos para a economia. O mais clássico é o embate entre o ex-chairman do Fed, Paul Volker e o ex-presidente norte-americano Ronald Reagan nos anos 80. “Reagan queria estimular a economia e o Volker, olhando para os dados da inflação, deixou os juros básicos em mais de 10% ao ano”, conta.

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Atualmente, os EUA enfrentam uma situação parecida. O presidente Donald Trump frequentemente pressiona o presidente do Fed, Jerome Powell, para cortar os juros e estimular a economia, mas Vieira ressalta que essa parada do banco central norte-americano para avaliar como se desenvolvem a inflação e a economia é prudente. “Eles não vão cortar juros porque o presidente deseja e também não vão aceitar o especialista que o Trump quer colocar lá como embaixador dele”, prevê. 

Agostini afirma que se for aprovado o projeto do governo, o aumento da credibilidade do Brasil para os investidores estrangeiros será comparável à criação da Lei de Responsabilidade Fiscal na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 2000. “Aí teremos austeridade fiscal e monetária, que é o tipo de objetivo que busca o ministro da Economia, Paulo Guedes, para se aproximar dos organismos internacionais.”

Guilherme Mello, contudo, mostra um certo ceticismo. Para ele, o Banco Central será blindado da interferência do Estado, enquanto a autoridade monetária continuará a manter contato constante com os bancos e a usar economistas de instituições financeiras para balizar suas expectativas para inflação, juros e crescimento econômico. 

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O colunista do InfoMoney e fundador do Instituto Mercado Popular, Pedro Menezes, por sua vez, entende que o projeto não entrega o BC a banqueiros, mas o protege dos interesses de curto prazo de políticos, “que podem ser bem mais danosos que banqueiros”. 

Desta forma, vale ficar de olho nos próximos passos para a aprovação ou não da autonomia em lei. A proposta deverá substituir o PL do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) que está em tramitação no Congresso. O novo projeto ainda precisará ser aprovado na Câmara e no Senado para começar a valer.  

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Ricardo Bomfim

Repórter do InfoMoney, faz a cobertura do mercado de ações nacional e internacional, economia e investimentos.