Balanços nos EUA: inflação, juros e dólar mais altos devem impactar resultados e estimativas de crescimento

Petróleo e gás devem manter destaque positivo, com preços das commodities ainda elevados; para o setor imobiliário, expectativa é de perdas

Mitchel Diniz

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A temporada de balanços do terceiro trimestre nos Estados Unidos ainda deve ser marcada por crescimento nos lucros das companhias. No entanto, projeções apontam que os ganhos devem ocorrer de forma menos intensa em relação a trimestres anteriores.

No período entre julho e setembro deste ano, a inflação americana se manteve em níveis historicamente altos e fez com que o Federal Reserve elevasse os juros da economia em ritmo mais agressivo. No mesmo intervalo, o dólar se fortaleceu, passou a valer mais que o euro e quase alcançou paridade em relação à libra esterlina. Tudo isso, de algum modo, deve vir refletido nos resultados das empresas, em maior ou menor intensidade, a depender do setor em que cada uma atua.

O mercado acredita que o lucro das empresas do índice S&P 500 deva crescer algo em torno de 2% no terceiro trimestre de 2022. As projeções para os resultados sofreram diversas revisões para baixo nos últimos meses, penalizando a maioria dos setores da Bolsa. Caso a atual projeção se confirme, será a menor taxa de crescimento em dois anos.

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Tradicionalmente, a temporada começa para valer com os resultados trimestrais dos bancos. JPMorgan, Morgan Stanley, Wells Fargo e Citigroup divulgarão seus números nesta sexta-feira (14). Mas algumas poucas empresas já reportaram seus balanços e alguns números deixaram os investidores em alerta.

A Fedex, de entrega de mercadorias, apresentou resultados preliminares de seu primeiro trimestre fiscal, encerrado em agosto, bem abaixo do esperado. O lucro por ação da companhia caiu 21% no período. A Fedex foi impactada por um menor volume de compras no comércio eletrônico, com a retomada de serviços e atividades que reabriram após o fim das restrições da pandemia. O CEO da companhia, porém, disse, em entrevista ao canal de TV CNBC, que se prepara para uma recessão global.

Também em seu primeiro ano fiscal, a Nike registrou uma queda anual de 22% em seu lucro líquido. As receitas da companhia até cresceram no período, mas os custos também, e em maior velocidade. A empresa de vestuário e calçados esportivos sente o preço elevado do petróleo, o que aumenta o frete de suas mercadorias. A Nike terminou o trimestre com estoques 44% maiores que os do ano passado.

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“Muitas empresas preocupadas com gargalos na cadeia de suprimentos aumentaram estoques para uma demanda que não veio”, explica Guilherme Zanin, estrategista da Avenue. Muitas casas consideram os resultados das duas empresas como parte da temporada de balanço do terceiro trimestre e um indicativo do que as outras companhias podem apresentar.

Sendo assim, o período de divulgações de resultados começa com sinais distintos. “Das poucas empresas que reportaram resultados até agora, apenas 55% superaram as expectativas de lucros, o número mais baixo desde o primeiro trimestre de 2019”, ressalta análise da Julius Baer, publicada na última terça-feira (11).

Mercado está de olho no “guidance” das empresas

Mas além dos resultados do trimestre em si, os investidores também vão focar no que as empresas esperam para o futuro. A temporada de balanços começa com previsões pessimistas nesse sentido. “O guidance vai ser terrível”, escreveram os analistas do BofA sobre as projeções que as companhias devem fazer nas próximas semanas. O banco prevê piora nos riscos do quarto trimestre de 2022 e nos de 2023. Julius Baer acredita que as expectativas para o ano que vem tendem a ser revisadas para baixo de forma significativa.

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“Os preços estão atingindo o pico, a demanda está diminuindo e os custos são rígidos”, diz a análise do BofA. “O enfraquecimento da demanda aponta para preços mais fracos e pressão de margem. Estoques inchados também representam risco de queda para as margens, principalmente para muitos varejistas”.

Atualmente, o número de companhias do S&P 500 revisando para baixo suas projeções é maior que o daquelas que melhoraram suas estimativas. Por outro lado, as empresas que revisaram seu guidance para cima, estão apresentando expectativas acima da média, segundo a FactSet, empresa de dados financeiros.

A PepsiCo, que divulgou seu balanço ontem (12), está nesse grupo. A empresa, agora, espera um crescimento de 12%  nas suas receitas orgânicas em 2022 – a previsão anterior apontava alta de 10%. As novas projeções foram feitas depois que a companhia reportou lucrou por ação e receitas maiores que o esperado no terceiro trimestre de 2022.

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O que esperar dos bancos no terceiro trimestre

Os bancos de investimento listados em Bolsa devem apresentar mais um trimestre fraco, praticamente sem ofertas públicas de ações (IPO) e um volume reduzido de emissões de títulos privados. “As empresas não querem emitir dívida porque as taxas de juros estão mais elevadas”, afirma Zanin, da Avenue. “Elas acham que não é o momento de se endividar, muito pelo contrário”.

Já os bancos de crédito, na visão do estrategista, podem se beneficiar  por um aumento de demanda. Afinal, a inflação está corroendo o poder de compra do americano. Por outro lado, também aumenta as chances de inadimplência. “A temporada vai mostrar se a economia americana está precisando de mais crédito e se as pessoas estão conseguindo pagá-lo, com o aumento da inflação”, afirma.

Para Pietra Guerra, analista internacional da XP, outro aspecto a se observar nos resultados dessas instituições é o provisionamento. “Ao contrário do Brasil, os bancos lá fora postergaram o aumento de provisões e agora têm que fazer jus à dinâmica de inflação e juros mais altos. Os níveis de provisão impactam o crescimento dos lucros, por isso as perspectivas estão menos otimistas”, afirma.

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“Big techs” vão ser ponto alto da temporada de resultados

A última semana de outubro é considerada a mais importante da temporada de balanços. É quando saem os números trimestrais das gigantes de tecnologia: Alphabet (dona do Google), Microsoft, Meta (dona do Facebook), Apple e Amazon. Netflix divulgará seus números já na semana que vem, na frente das outras. Para gestores e analistas, ainda que o setor de tecnologia tenda a sentir impactos negativos dos juros altos, as big techs têm caixas robustos a seu favor.

“Diferente das techs que precisam do mercado para financiar crescimento, as bigs se dão ao luxo de poder financiar suas próprias mudanças”, diz Daniel Martins, CEO da GeoCapital. Segundo ele, ainda que essas companhias precisem fazer ajustes na margem por conta da inflação, elas possuem negócios robustos e geradores de caixa.

Depois de vivenciarem um longo período de crescimento que as alçou ao patamar de big techs, essas empresas têm trabalhado para entregar maior eficiência operacional. “Elas estão menos preocupadas com crescimento e mais focadas na saúde financeira de seus balanços”, afirma Zanin, da Avenue.

No terceiro trimestre, a expectativa é que Alphabet sinta uma redução drástica no número de anúncios, com as empresas dispondo de orçamento menores para publicidade. A Meta, por sua vez, deve apresentar um dos piores balanços entre as techs na temporada, na avaliação de Zanin. Além de receitas menores com anúncios e perda de usuários para outras redes, como o Tik Tok, as finanças da dona do Facebook seguem impactadas pelos bilhões de dólares investidos no metaverso, cujos retornos ainda não são fortes o suficiente.

“Empresas que não geram lucro vão ter mais dificuldade em tornarem-se lucrativas em um cenário adverso”, afirma Pietra Guerra, da XP.

Setor de energia é “outlier”

“Excluindo o setor de petróleo e gás, que passaram por revisões para cima, os ganhos das empresas do S&P 500 sofreriam uma contração de 3,9% comparando ao desempenho do terceiro trimestre de 2021”, diz a análise da Julius Baer. Os preços das commodities do setor de energia não estão tão elevados quanto no segundo trimestre deste ano, mas, para Pietra Guerra, ainda não é possível falar em normalização.

Para Zanin, da Avenue, o desempenho do setor de energia deve reduzir o impacto negativo de outros segmentos na temporada, como o imobiliário. Com peso relevante no Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos, a construção e venda de imóveis tem sido impactada pela alta de juros no país. Se os dados de inflação e de emprego ainda não apontam para uma desaceleração concreta da economia americana, os indicadores imobiliários já refletem um cenário de deterioração.

“As empresas não estão conseguindo contratar, então aumentam salários e isso impacta inflação. Os juros ficam mais altos e isso faz com o que o dinheiro volte para os Estados Unidos e mantenha a moeda forte”, afirma Zanin. O dólar mais caro impacta, diretamente, 40% das empresas do S&P 500, que dependem de receitas externas.

“Com o dólar mais forte, o exportador perde competitividade, pois seu cliente perde poder de compra. Os setores mais impactados por essa dinâmica tem maior peso de receita vindo de exportação, e são o de tecnologia e commodities”, afirma Pietra Guerra.

No atual cenário, as empresas que conseguirem repassar o aumento dos custos ao consumidor final devem sair na frente, independentemente do setor em que estiverem.

“Todas as empresas estão sofrendo com pressão de salários e custo de energia. Algumas têm poder de preço, por serem indispensáveis para a cadeia. Outras não têm esse perfil, e sua capacidade de repassar esses custos adiante”, conclui Daniel Martins, da GeoCapital.

Mitchel Diniz

Repórter de Mercados